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Redação da Manchete, 1971: um caso contado como o caso foi. Reprodução da Folha de São Paulosábado, 21 de junho de 2025
domingo, 2 de março de 2025
“Tomara que chova” antecipou “Cantando na chuva” • Por Roberto Muggiati
Um dos maiores sucessos do Carnaval carioca, a marchinha Tomara que chova, de Paquito e Romeu Gentil, é cantada por Emilinha Borba no filme da Atlântida Aviso aos navegantes (1950), com o par romântico Eliana-Anselmo Duarte e a dupla cômica Oscarito-Grande Otelo. A cena de Tomara que chova é coroada por um incrível balé “frevando-na-chuva”, que antecipa em dois anos o famoso número de dança de Gene Kelly em Cantando na chuva. VEJA NO LINK
1950 - Emilinha Borba - Tomara Que Chova
Mais uma vitória para o nosso cinema, muito antes do Orfeu Negro e de Ainda estou aqui. Plágio inconsciente? Há controvérsias. Nos velhos papos cinéfilos com Carlos Heitor Cony na Manchete, ele lembrou que o Brasil era um fetiche para o diretor de Cantando na chuva, Stanley Donen. Em 1984, Donen filmou aqui Blame it on Rio/Feitiço do Rio, primeiro papel importante de Demi Moore. (Outra vitória para nossas cores: por artimanhas do repórter Tarlis Baptista, a starlet de 21 anos posou seminua para EleEla...) E ainda tem mais Manchete na área: no final dos anos 1970, Tomara que chova foi um número de destaque no musical-besteirol de Wilson Cunha e Flávio Marinho, redator e crítico da Manchete, parodiando o musical transformado em filme Evita. Carnaval também é cultura.
terça-feira, 12 de novembro de 2024
You Tube exuma polêmica que envolveu Clodovil e a revista Amiga
O You Tube é tão voraz que costuma exumar antigas polêmicas em troca de cliques. Agora faz circular um short (link abaixo) que tenta provar que Clodovil foi alvo de fake news antes da mentira ganhar esse rótulo em inglês. O apresentador, que morreu em 2009, conta que foi vítima de uma fake news veiculada em uma edição da revista Manchete."Pra falar de uma doença que eu não tive, ela botou na capa para vender", disse ele. No vídeo, o falecido Clodô cometeu sua própria fake news, em parte. No anos 1980, a revista Amiga, também da Bloch Editores, publicou uma reportagem sobre celebridades e a aids. Na época, o vírus devastador atingia muitos nomes do meio artístico.
A chamada de capa da Amiga de fato era especulativa. Pelo menos um cantor processou tanto a revista quanto a Rede Manchete (esta por haver veiculado um anúncio promocional daquela edição equivocada na qual o locutor anunciava "a aids de", seguindo-se uma série de nomes de celebridades.
Em tempo: o cantor em questão ganhou o processo em todas as instâncias. E Clodovil, em entrevista anterior publicada no site Terra, atribuiu à Amiga, corretamente, a polêmica matéria.
Veja o vídeo
sábado, 2 de novembro de 2024
Memórias da redação: o craque do fraque e o grito do rito • Por Roberto Muggiati
Arthur Moreira Lima (*) e o pianinho. Reprodução. Foto Lena Muggiati |
Tivemos certa vez um entrevero, Artur Moreira Lima e a revista Manchete, representada por mim, seu editor. Em 1983, ele estava em evidência por sua campanha para eliminar as barreiras entre popular e erudito levando a música até os mais recônditos rincões do país no projeto Piano na Estrada, com palco e pianos sobre um caminhão. Combinamos que Renato Sérgio faria com ele uma de suas grandes entrevistas-perfis, com direito a não menos do que cinco páginas e uma foto de abertura de gala em página dupla. Moreira Lima apareceria de casaca negra, a toga do seu ofício sacramentada pela temporada no Conservatório Tchaikovsky em Moscou. Todo editor de Manchete tinha de ser também um produtor fotográfico. Achei que umas pitadas de cor contrabalançariam o excesso de preto. Sugeri à fotógrafa Lena Muggiati que levasse um desses pianinhos de brinquedo multicoloridos e pedisse a Moreira Lima que simulasse tocar nele. Uma piada visual daquelas que faziam a fama da revista, mas o rei Artur, apegado ao rito das salas de concerto, reagiu com um grito: “Não!”
Renato Sérgio chamou o VAR e ligou para mim.
– Muggiati, ele não quer fazer a foto com o pianinho.
– Diga a ele que sem foto não tem matéria – fui peremptório.
O pianista parou para pensar e, em questão de segundos, mostrou toda a sua – para usar a palavra do momento, não aguento mais – resiliência. Afinal, cinco páginas da Manchete não é coisa de se jogar fora.
A matéria foi um sucesso. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
(*) Arthur Moreira Lima morreu aos 84 anos, em Florianópolis, no dia 30/10/2024
quinta-feira, 21 de março de 2024
Ana Gaio (1955-2024) e o jornalismo como razão de ser
Ana Gaio na Manchete em dois momentos: na exclusiva com o guitarrista e vocalista Robert Smith, The Cure, em 1987, e... |
...com a fotógrafa Paula Johas durante uma reportagem sobre a nevasca no sul do Brasil. |
por José Esmeraldo Gonçalves
Ana Gaio era especializada em jornalismo cultural. Cobria teatro, cinema, TV, rock e MPB. A Manchete, como publicação de variedades, costumava ultrapassar os limites das especialidades de cada repórter. Ana, com intensa presença nas páginas da revista entre meados dos anos 1980 e a década de 1990, registrou como ninguém a explosão do Rock Brasil. Paralamas, Ultraje a Rigor, Blitz, RPM, Titãs, Barão Vermelho, Skank, Capital Inicial, Kid Abelha, entre outros, todos foram levados por ela às páginas da Manchete. O que não impedia que fosse escalada para cobrir eleições, provas de motociclismo, Fórmula 1, reportagens policiais e até de turismo, mas quem estava na redação percebia que suas matérias eram ainda mais vibrantes quando focalizava, e conquistava, as principais celebridades da época. Assinou muitas exclusivas com roqueiros brasileiros e internacionais. Um exemplo significativo: talvez a Manchete tenha feito a melhor cobertura da trajetória do Cazuza, do difícil começo de carreira ao sucesso e ao drama. Quando o fim do ídolo estava próximo, a Veja cometeu a indignidade de assinalar o que chamou da sua "agonia em praça pública". A revista da Abril cometeu um sadismo jornalístico tão antológico quanto cruel. Na mesma semana, a Manchete publicava uma exclusiva com o vocalista acompanhada de dezenas de fotos pessoais e um depoimento humano e comovente que ele cedeu a Ana Gaio. A repórter havia feito muitas matérias com o Cazuza, tantas que estabeleceu uma relação de amizade com o entrevistado de todas as fases da carreira. Provavelmente foi difícil para ela fechar com muito profissionalismo o capítulo final do cantor.
Este post é sobre isso: o talento, a integridade e a dedicação de uma jornalista.
* Ana Gaio faleceu aos 69 anos, no dia 19/3, no Rio de Janeiro.
quinta-feira, 17 de agosto de 2023
Fotomemória da Manchete: a trajetória inconfundível da atriz Léa Garcia
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Léa Garcia (à dir.) com Vinicius de Moraes e Breno Melo, em Cannes, 1959 |
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A atriz brasileira aplaudida no Maxim's, Paris |
Folha noticia a morte de Léa Garcia com um "erramos de novo": a foto é da atriz Jacyra Silva |
Léa Garcia teve uma carreira de sucesso no cinema, teatro e TV. A Manchete acompanhou passo a passo a trajetória da atriz e cobriu o festival francês que a consagrou, mas ela frequentou as páginas da revista muito antes de brilhar em Cannes, em 1959, quando o filme francês Orpheu Noir ganhou a Palma de Ouro. E a brasileira ficou em segundo lugar na categoria Melhor Atriz. Simone Signoret, em Almas em Leilão (Room at The Top, no título original) foi a vencedora. No ano seguinte, Orfeu Negro venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. No filme, baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes e dirigido por Marcel Camus, Léa se destacou no papel de Serafina. Ela estreou nos palcos em 1952, em Rapsódia Negra, produção do Teatro Experimental do Negro e tornou-se conhecida do grande público na novela Escrava Isaura. Ainda na TV, fez, entre outras, as novelas Assim na Terra como no Céu, Minha Doce Namorada, Selva de Pedra, Os Ossos do Barão e Fogo Sobre Terra e Anjo Mau, todas grandes sucesso da Rede Globo. Na Rede Manchete, atuou em Dona Beija, Xica da Silva, Tocaia Grande e Helena. Na sua filmografia, além de Orfeu Negro, estão longas como As Filhas do Vento, Ganga Zumba, A Noiva da Cidade, Quilonbo, Vinicius, 2010 Mon Père (filme belga) e Boca de Ouro.
Léa Garcia, morreu em Gramado, no Rio Grande do Sul, onde participava do 51º Festival de Cinema. Ela seria homenageada com o Troféu Oscarito. A atriz também participaria de uma das próximas novelas da Globo: o remake de Renascer. Um infarto a levou em plena atividade, aos 90 anos. Léa Garcia será velada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no sábado, 19.
sábado, 6 de maio de 2023
Atenéia Feijó (1943-2023) é recebida na "terra de cima" dos ianomâmis
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Atenéia Feijó na Amazônia em 1971. A foto é de Walter Firmo, então fotógrafo da Manchete. Reprodução Revista Manchete |
por José Esmeraldo Gonçalves
Da repórter e escritora Atenéia Feijó ficam a incansável defesa dos povos originários - a missão jornalística a que se dedicou e cumpriu com brilhantismo desde o começo dos anos 1970 - e o texto impecável.
Atenéia trabalhou na revista Manchete, nos jornais Estado de São Paulo, O Dia e no lendário JB. Na Manchete, em dezenas de reportagens, ela denunciou o genocídio dos ianomâmis muito antes do Brasil despertar para uma das suas maiores tragédias iniciada durante a ditadura militar de 1964 e que prossegue até hoje. O extermínio se acentuou com crueldade no governo racista e desumano de Jair Bolsonaro.
Atenéia Feijó partiu na madrugada de ontem, 5 de maio, aos 80 anos, após lutar contra a Creutzfeldt-Jakob, uma doença degenerativa.
Os ianomâmis crêem que são o povo que "segura o céu". Agora, acolherão na "terra de cima", como chamam, a repórter que mais os defendeu.
terça-feira, 29 de novembro de 2022
Fotomemória - Rede Manchete na Copa do Mundo de... 1990
sexta-feira, 6 de maio de 2022
Fotomemória da redação: Justino Martins e Ruy Guerra no 25º Festival de Cannes em 1971
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Ruy Guerra e Justino Martins em Cannes, 1971. Foto Manchete |
Para o diretor da Manchete, Justino Martins, cobrir o Festival de Cannes, todo ano, era uma rotina que ele cumpria com prazer. Sob a direção de Justino, Manchete fez intensa cobertura do Cinema Novo e seus diretores, como Ruy Guerra, atores e atrizes, apoiando os cineastas daquela geração. Os arquivos desaparecidos da Manchete guardavam milhares de imagems dessa fase do cinema brasileiro. A foto acima só existe porque a Biblioteca Nacional digitalizou
domingo, 27 de fevereiro de 2022
MEMÓRIAS DA REPORTAGEM: Meu primeiro Carnaval na Manchete • Por Roberto Muggiati
O cantor Blacaute no Baile das Bonecas, 1966, no Automóvel Club. Foto Manchete |
Comecei na Manchete como repórter especial em novembro de 1965. A categoria “especial” era porque falava inglês, francês, italiano e arranhava um portunhol, sem mencionar que tinha estudado alemão e japonês (!). Na verdade, eu não devia estar no Rio naquele momento. Nem nunca mais. Seria hoje um aposentado do Brexit, comendo um sanduíche num banco de jardim londrino enquanto lia o Sunday Times. Acontece que, como se dizia na época, “juntei os trapos” com uma brasileira que conheci em Paris. Faltavam três meses para encerrar meu contrato de três anos com o Serviço Brasileiro da BBC e eu havia assinado uma prorrogação de dois anos. Aí a Lina começou a mandar na minha vida – e eu deixei – “Nada disso, você vai voltar pro Brasil e fazer o Itamaraty”, acho que ela sonhava em ser Embaixatriz.
Fiz feio com a BBC, voltando atrás na prorrogação do contrato, voltei para o Brasil, fui reprovado no Itamaraty – fazer a carrière como lacaio da ditadura militar? – e voltei a cair nos braços do jornalismo, que me recebeu de braços abertos para o resto da vida. A esta altura eu já tinha onze anos de carreira: oito anos na redação da Gazeta do Povo de Curitiba, dois anos no Centre de Formation des Journalistes de Paris e três anos na British Broadcasting Corporation de Londres. Mas isso não me impedia de sentir meio “foca” naquele cenário soturno de Frei Caneca.
E então veio o Carnaval e me vi despojado do “especial” para cair na vala comum da cobertura da folia. Se bem que a Manchete investisse em sofisticação, os repórteres cobriam os bailes de smoking, alugados das melhores lojas. Lembro de ter ido ao apartamento que os primos Lucas Mendes e Ricardo Gontijo, colegas de reportagem, dividiam na Henrique Dumont, em Ipanema. Todos devidamente enfarpelados de smoking e black tie, calibramos com algumas doses de Scotch puro. Mas eu tinha um problema que eles não tinham, minha mulher era uma feminista. Feminista radical num país machista, numa cidade machista, numa revista machista. Aonde eu ia, tinha de ir junto. Inclusive à cobertura de Carnaval da Manchete.Lina era uma contradição ambulante. De ascendência aristocrática por parte de mãe – os Castro Neves da Bahia – foi casada com um dos maiores doleiros do Rio, o judeu Daniel Tolipan, formaram o Casal 20 da esquerda festiva nos anos pré-golpe, recebia à larga com cristais, prataria e porcelana, tinha até um mordomo, o Emílio – um agregado da família Epitácio Pessoa – que eu acabaria herdando quando melhorei de vida. E tinha o feminismo, da linha Simone de Beauvoir.
Meu primeiro compromisso do Carnaval era cobrir, no sábado, o Baile das Bonecas, no Automóvel Clube, no Passeio Público, uma farra colorida capitaneada por Blecaute, com seu infalível uniforme de General da Banda. A cultura gay estava em alta, nos anos 1950 havia o Baile dos Enxutos, agora, além das Bonecas, havia o desfile de travestis no Paulistinha, viriam então o Baile das Panteras, o Gala Gay do Scala, Uma Noite em Bagdá no Monte Líbano e outros subsidiários. O Baile das Bonecas foi minha prova de fogo, deixo para o final.Os outros compromissos foram feijão com arroz, incluindo um baile infantil vespertino no Teatro Municipal. No desfile das escolas de samba, coube-me cobrir a Vila Isabel, tive um encontro prévio na redação com Martinho da Vila, figura simpaticíssima, acompanho até hoje seus merecidos sucessos. A Vila, que voltava ao primeiro grupo depois de oito anos nos grupos inferiores, até que seu saiu bem, com um quarto lugar, desfilando “Três Épocas do Brasil”. Mas a Portela arrasou com “Memórias de um Sargento de Milícias” (samba-enredo de Paulinho da Viola), que foi campeã, um ponto à frente da Mangueira, que homenageou Villa-Lobos, morto em 1959. Em terceiro, o Império Serrano exaltou a Bahia.
Voltando ao dilema do Baile das Bonecas. Se eu ia de smoking, Lina se pôs a matutar: “Com que roupa eu vou?” De repente, teve uma ideia brilhante. Nos seus tempos de dondoca, vestia-se exclusivamente com criações de um jovem amigo, promessa da alta costura brasileira. “Vamos à casa do Gui-Gui”. Guilherme Guimarães morava num apartamento antigo em Copacabana com os avós. Pediu que Lina ficasse só de calça e sutiã. Puxou de um armário uns dois metros de tecido, uma estamparia floral multicolorida que despontava nos swinging sixties. Com movimentos rápidos e ágeis, começou a embrulhar Lina como acho que faziam nas múmias no tempo dos faraós. Pronto. Resolvido. E lá fui eu de smoking para o baile do Automóvel Clube acompanhado de uma... boneca.
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
Divagações em torno da 3ª dose • Por Roberto Muggiati
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No salão Assyrius, Theatro Municipal |
Dei sorte: cheguei ao ponto quando passava um ônibus da linha Troncal 8 (ai de mim pegar o Troncal 7, me jogaria do outro lado do Túnel Santa Bárbara), que me deixou defronte ao metrô do Largo do Machado. A escolha do Municipal foi acertada: não havia fila alguma, fui prontamente encaminhado por um senhor simpático ao preenchimento do cartão de vacinação. Pedi a ele um favor especial: que me fotografasse tomando a 3ª dose. Atendeu-me também. Seu nome, Leo Melo, técnico do Tribunal de Contas municipal, atualmente à disposição da Secretaria de Saúde. Expliquei que tinha ganhado (perdido) 35 anos da minha vida na Manchete. Reagiu como todo mundo reage ao ouvir o nome da Manchete, com elogios nostálgicos à grande revista. Quis saber a causa do naufrágio daquele império de comunicação, respondi sucintamente que a editora não resistiu à TV Manchete. Pior: os Bloch não souberam aproveitar o sucesso estrondoso da novela Pantanal em 1990 para dar a grande virada como empresa.
Em poucos minutos saí de vacina tomada – desta vez foi a Pfizer, indiscutível incrementadora da imunidade. Mestre Zagallo, com sua mística numerológica lembrou bem: “Dose de reforço” tem 13 letras!” Aquele entorno do Theatro Municipal me trouxe à memória flashes da minha vida na região:
• Os encontros com Antônio Fraga e sua mulher no bar Vermelhinho, em frente da ABI, na minha primeira visita ao Rio em 1955 (nasci e morava em Curitiba). Escritor marginal (Desabrigo e Outros Trecos), Fraga já foi chamado “o James Joyce do Mangue”. Vendeu siris na “zona” por uns tempos. Foi também mineiro em Minas, garimpeiro em Goiás, lanterninha de cinema, vendedor de perfume francês em bordeis e auxiliar de cozinha no Hotel Glória.
• No meu vigésimo dia como repórter da Manchete, domingo 5 de dezembro de 1965, eu me encontrava com outros jornalistas num cercado diante da Biblioteca Nacional. Do lado oposto da rua, na atual Câmara dos Vereadores (a Gaiola de Ouro), aconteceria – sob grande tensão e proteção de tropas federais – a posse de Negrão de Lima, escolhido em eleições populares como segundo governador do estado da Guanabara. Injuriada, a linha dura militar queria dar um golpe, mas o general-Presidente Castello Branco ainda batalhava para dar à ditadura uma fachada “democrática”. Foi um dos raros momentos em que, como jornalista, senti minha integridade física ameaçada.
• Ao lado da Biblioteca, num prédio ainda mais majestoso, fica o Museu Nacional de Belas Artes. Em sua fachada tem uma frisa com os nomes de artistas da antiguidade, entre eles o de Vitrúvio (80-15 a.C.), o grande arquiteto romano. Durante anos, tive como editor de automóveis na Manchete o André Queiroz, eficiente e divertido. Um dia soube seu nome completo: André Vitrúvio Queiroz, talvez a única criatura no mundo a ostentar tal nome. Explicou-me: “Quando eu nasci, meu pai ficou tão feliz que tomou um porre no Amarelinho. Procurando um táxi diante do Museu de Belas Artes, viu aquele nome na fachada sorrindo para ele: VITRUVIO. Não resistiu.”
• Já que estava ali perto, decidi fazer uma visita ao dono da livraria Berinjela, vizinha da Da Vinci no subsolo do edifício Marquês do Herval. Quando a crise apertou, comecei a vender livros para a livraria do Daniel Chomsky, profissional de boa cepa e gente boa. Inicialmente, eu tinha de levar os livros até ele, o que implicava uma verdadeira operação de guerra: encher uma mala com as edições mais atraentes que ainda guardava em minha biblioteca. O peso era descomunal, eu não a conseguiria levar do fundo da vila, onde aluguei uma casa por 37 anos, até a rua para pegar um táxi. Erguer a mala para colocá-la no bagageiro era outro problema. Portador há anos de uma hérnia inguinal à beira do estrangulamento, eu não podia levantar uma pluma. Se o taxista era jovem, resolvia a questão numa boa. Às vezes eu pegava um chofer mais idoso que eu – e tão lesado quanto – era obrigado a dispensá-lo e recorrer a outro táxi. Acendi velas para o inventor da mala-de-rodinhas, um dos maiores benfeitores da humanidade, praticamente desconhecido. (Bernard D. Sadow, americano de Massachusetts, patenteou o invento em 1972 e morreu de câncer aos 85 anos em 2011.) Descia do táxi na Almirante Barroso esquina de Rio Branco e me arrastava com a mala pela calçada irregular de pedras portuguesas até a rampa em curva do Marquês de Herval.
Um parêntese: quando fiz a Walter Salles um relato de minhas vicissitudes, ele achou que a história do misterioso senhor da mala de livros daria um filme, o personagem conhece uma mulher mais moça e... Fiquei de fazer uma sinopse, mas me enrolei barbaramente misturando ficção e realidade. Imaginei a heroína uma caixa da minha agência de Botafogo do banco Itaú/Unibanco, uma jovem de 40 anos com cabelos dourados num rabo-de-cavalo que lembrava o perfil de uma madona pintada por pintor renascentista florentino, não lembro mais qual. No enredo, o homem da mala e a moça do rabo-de-cavalo se tornam amantes e armam um golpe, durante as filmagens no próprio banco em funcionamento, fingindo um roubo de malotes que – por uma dessas tramas helicoidais borgianas – acontece de verdade. Claro que a ideia não saiu do papel. Em compensação, Waltinho me encaminhou para trabalhos no Instituto Moreira Salles, os mais notáveis foram duas séries para a Rádio Batuta: cinco programas de uma hora sobre a canção de protesto (da Marselhesa a Que País è Esse?) e três programas sobre músicas inspiradas pelas peças do Bardo nos 400 anos de sua morte (O mundo musical de Shakespeare), vale a pena ouvir, aqui vão os links
https://radiobatuta.com.br/documentario/o-som-da-rebeldia/
https://radiobatuta.com.br/documentario/o-mundo-musical-de-shakespeare/
Outra história de cocheira: Francis Ford Coppolla estava entalado há décadas com os direitos de filmagem de On the Road, o romance-manifesto da beat generation. Chegara a fazer testes com Brad Pitt e Johnny Depp que acabaram perdendo a data de validade para os papeis principais. Quando viu Diários de motocicleta, convocou Walter Salles para levar On the Road às telas. De uma geração mais jovem, Waltinho sentiu que precisava fazer um “laboratório” antes de encarar o desafio. Contratou-me como seu personal beat expert e viajou a América de costa a costa, reconstituindo o roteiro de On the Road (poucos sabem que o cineasta é também um vitorioso piloto na categoria GT3 Brasil). Dirigindo seu 4x4 com uma pequena equipe, foi entrevistando no caminho remanescentes da geração beat e simpatizantes (Ferlinghetti, Gary Snyder, Carolyn Cassady, Lou Reed, Philip Glass etc) Fiquei encarregado de municia-lo, do Rio, com a ficha dos dois ou três entrevistados de cada dia, um programa que se estendeu por quase um mês. Foi assim que ganhei meu único cachê de Hollywood, pago em dólares pela Zoetrope Studios do “chefão” Coppola.
Voltando à mala amada: as sucessivas viagens, carregada de livros, a deixarem à beira do colapso. Foi quando, providencialmente, Daniel resolveu comprar os livros em minha casa. Aos poucos fui conhecendo suas preferências e idiossincrasias, devia saber melhor que eu o que vende e o que encalha numa livraria. Eu tinha uma preciosidade, o livro To Bird With Love, um volume pesado em papel supercouchê, 40 x 28cm, numa caixa especial de papelão, só 500 exemplares foram postos à venda, numa edição de luxo feita pela viúva de Charlie Parker em parceria com o artista gráfico Francis Paudras (o anjo da guarda de Bud Powell que inspirou o filme Round Midnight). Graças à intermediação da amiga Carol Parisot, produtora do Copa JazzFest, vendi a um casal de jazzófilos abonados por 2500 reais. O livrão foi comprado em Paris e trazido ao Rio por cortesia de ninguém menos do que o imortal R. Magalhães Jr e sua filha Rosa Magalhães, depois carnavalesca famosa.
De volta à querida Berinjela, Daniel e eu de máscara, perguntei se ele tinha À la recherche du temps perdu em francês. Finalmente, às vésperas dos 84 anos, eu chegara àquele momento de paz em que teria tempo para ler realmente Proust. Aluno precoce da Aliança Francesa, eu lera o primeiro volume aos quinze anos. Assimilara a Síndrome da Madeleine e devorara Un Amour de Swan, em que o ato sexual, praticado numa carruagem, era nomeado como “faire Catleya”, alusão à orquídea que portava a heroína Odette, presa ao vestido por um colchete. Na Berinjela só havia Proust em português. Lembrei o velho Jorge Zahar, que insistia: “Por favor, evitem traduções, se esforcem sempre para ler um livro na língua original”. Realmente, a primeira frase de Em busca do tempo perdido é intraduzível, o decassílabo: “Longtemps je me suis couché de bonne heure”. Só o fantasma de Shakespeare redimiu a arte da tradução. O seu Remembrance of Things Past (do Soneto 30) é considerado o melhor título da saga proustiana, mais belo até que o original francês.
Daniel desconhecia os percalços e dissabores da minha diáspora de Botafogo para Laranjeiras. Ele mora com a família numa casa nas imediações do ristorante Mamma Rosa, perto de mim. Reclamei do Baixo Glicério, não existe por aqui sequer um Caixa 24 horas. Quando a Covid fechou a agência do Itaú na Rua das Laranjeiras, eu tinha de ir pegar dinheiro no Largo do Machado. Suco de tomate para meu Bloody Mary eu tenho de ir comprar no Largo do Machado. Daniel se interessou pelo Bloody Mary. Embarquei logo numa dissertação da cultura etílica que é uma das muitas facetas do meu perfil anarco-hedonista: “O Bloody Mary é o drinque do Day After, o cura-ressaca ideal. Vodca, suco de tomate, uma ou duas gotas de molho inglês (ou Tabasco) num copo longo e um talo de aipo para agitar. O Bloody Mary está fazendo cem anos e foi criado no meu bar favorito, o melhor do mundo: o Harry’s New York Bar de Paris. Ali foram também inventados os drinques French 75, Monkey Gland e Sidecar – um sujeito chegou de moto, o companheiro saltou do sidecar e criou a bebida.”
Foi no Harry’s que, depois de um concerto dos irmãos Nat e Julian “Cannonball” Adderley no Olympia, eu, Joaquim Pedro de Andrade, Marilia Carneiro e Maria Lúcia Dahl (as irmãs Pinto, antes do sobrenome conjugal), planejamos meticulosamente o sequestro da estatueta do Manneken Piss em Bruxelas – um gesto transgressor de repercussão internacional – iríamos abduzir o Manequinho no carro de Neusa Azambuja, funcionária da representação brasileira na Unesco. Planejamos tanto que deu em nada. Às cinco da madrugada, trocamos os vapores de álcool e nicotina do Harry’s pelo frescor da clara manhã de primavera no Jardin des Tuileries, caminhando a esmo numa das paisagens mais belas deste planeta.
Nesta pequena viagem (com escalas) à Cinelândia fui longe, não? De volta para casa, encontro na saída do metrô do Largo do Machado a conexão de ônibus com o Silvestre, me deixará no ponto das Laranjeiras antes de embicar à direita para a rua Alice. Espero quase vinte minutos sentado no pequeno ônibus, os vinte assentos vão sendo ocupados, um baleiro vende suas promoções com uma penca de guloseimas de quase dois metros de altura: biscoitos, amendoim, drops, balas, paçoca, pipoca, achei que o coitado não ia vender nada, mas os passageiros, por falta do que fazer, começam a comprar, afinal, lembrei, é dia dos santos gêmeos Cosme e Damião. Tecnicamente sou ateu, mas a religião me atrai – não por seus aspectos mais deletérios, a crendice, o fanatismo – mas por seus rituais, a música sacra, o silêncio das catedrais, as abobadas góticas, os vitrais em rosáceas – por acaso os sinos da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória começaram suas badaladas alegres do meio-dia. Adoro também as histórias da Bíblia, matriz literária única, e a vida dos santos – hagiografia para os íntimos – os milagres e os martiriológios. Pouca gente sabe quem foram Cosme e Damião. Nascidos na Egeia, Síria, praticaram a medicina de graça e por não renegarem sua fé cristã foram decapitados em 303. O dia de São Cosme e Damião é celebrado também pelo candomblé, batuque, xangô do Nordeste, xambá e pelos centros de umbanda: associados aos meninos de Angola, irradiam bem estar, desfazem feitiços e curam enfermidades.
Franco Zefirelli e Liza Minelli: badalação da estreia da Traviata no Municipal. Foto Manchete |
Ah, sim, como pude esquecer? O local da vacinação foi o Salão Assyrio do Theatro Municipal, que foi restaurado por Adolpho Bloch quando, a convite do governador do Rio de Janeiro, Faria Lima, dirigiu a Funterj (depois Funarj) com o salário simbólico de um cruzeiro. Cito Arnaldo Niskier:
“Adolpho mandou vir da Itália, de começo do seu próprio bolso, todo o cobre que revestia a cúpula, deteriorada por tiros dados aos sábados por gentis frequentadores do Bola Preta. Deu ao palco mobilidade mecânica até então desconhecida, reformou os banheiros e o clássico foyer, trouxe da Bélgica a nova mesa de iluminação, para depois se concentrar no que talvez tenha sido a sua maior obra: a Central Técnica de Inhaúma. Com isso viabilizou uma programação artística muito mais intensa, a partir da clássica Traviata, montada por Zeffirelli (um luxo!), em março de 1979. E depois, a montagem de 23 óperas e incríveis balés, a partir de Copélia.”
O extinto Restaurante Assyrius. Foto Reprodução Facebook |
No Salão Assyrio do Municipal aconteciam os antigos bailes de máscaras e funcionou um cabaré onde Pixinguinha tocava com seus Oito Batutas. Foi ali que Adolpho Bloch instalou na sua gestão o Restaurante Assyrius, com a cozinha do seu lendário chef Severino Ananias Dias. Acho que hoje guardo melhor lembrança, não das óperas que Adolpho nos obrigava a assistir, mas dos fabulosos banquetes proporcionados por mestre Severino nas noites de estreia.
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
Monica Grayley: jornalista brasileira que foi repórter da Manchete é porta-voz da ONU pela segunda vez
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Monica Grayley no plenário da ONU. Foto News UN |
A semana foi da 76ª. Sessão da Assembleia Geral da ONU. Assunto que é o grande destaque na mídia mundial. E por todos os motivos - os bons, os maus e os feios - como o Brasil particularmente constatou.
Neste espaço, o que nos remete à ONU é uma notícia nobre.
Pela segunda vez, a jornalista e cientista política brasileira Monica Grayley, atual chefe da ONU Português, assume como porta-voz da Assembleia Geral da ONU, nomeada pelo presidente-eleito Abdulla Shaid, ministro das Relações Exteriores das Maldivas e membro do Parlamento do país.
Monica Grayley foi a primeira lusófona a ocupar esse cargo, entre 2018-2019, durante a presidência da ex-chanceler do Equador, María Fernanda Espinosa.
No anos 1990, na época em que o designer Carlo Rizzi implantou uma grande reforma visual na Manchete, Mônica foi repórter da revista. Depois de trabalhar na Deutsche Welle, como redatora e apresentadora, em Colônia, Alemanha, foi redatora, apresentadora, gerente de projetos e encarregada de comunicação interna do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres. Em 2006, passou a chefiar a redação da ONU News em língua portuguesa, em Nova York e até 2016 atuou como diretora do Centro de Informação das Nações Unidas no México. Em 2019, voltou ao Brasil para lançar o livro A Língua Portuguesa como Ativo Político: um Mundo de Oportunidades para os Países Lusófonos, baseado na sua pesquisa de doutorado sobre a internacionalização da Língua Portuguesa e as relações políticas e de poder entre os países lusófonos.
Hoje, ao reassumir seu posto como porta-voz da ONU, Monica também passa a nos representar. E todas as mulheres que não acreditam no impossível, que não temem o desconhecido.
sexta-feira, 23 de julho de 2021
Cicciolina ainda choca? • Por Roberto Muggiati
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Cicciolina na Manchete. Foto de João Miguel Jr/Manchete |
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Dewi Sukarno, também à mesa na sede da Rua do Russel |
É bom explicar à rapaziada que pegou o bonde da História andando no milênio: Ilona Staller nasceu em 1950 na Hungria, foi espiã soviética na Itália, ganhou cidadania ao casar com um italiano, entrou com furor no nascente pornô peninsular com o nome de guerra de Cicciolina (“Fofinha”), daí como um vendaval na política radical, fundando o Partido do Amor e depois o DNA (Democracia, Natureza e Amor), tendo sido a segunda deputada mais votada nas eleições de 1987.
Agora, à véspera dos 70 anos, ela embarcou num projeto polêmico, o “Classic Nudes” (disponível no You Tube), um guia interativo que faz, sem autorização, para o site Pornhub, uma releitura picante de mais de cem obras-primas de museus como Louvre, Prado, MoMA, Uffizi e outros grandes. A volta de Cicciolina às manchetes me lembrou que não foi ela a única a sentir uma atração erótica irresistível pelas mesas da Manchete.Nos anos 1970, Adolpho Bloch recebeu no primeiro prédio do Russell a viúva do presidente da Indonésia, Dewi Sukarno, hoje com 81 anos, socialite, celebridade da TV, filantropa. Nascida em Tóquio, estudante de artes e garçonete, aos 19 anos conheceu o presidente indonésio de 57 anos, que casou com ela em 1962, nomeando-a Ratna Sari Dewi Sukarno – no sânscrito javanês, “a joia essência de uma deusa”. Presidente desde 1945, Sukarno foi derrubado por um golpe de Suharto em 1967 e morreu três anos depois. Ao visitar o Teatro Adolpho Bloch em novembro de 1974, a bela Dewi, no viço dos seus 34 anos, posou soberana e suavemente sexy sobre a mesa do foyer.
Reparem: Cicciolina e Dewi ambas virginalmente de branco...
domingo, 6 de junho de 2021
Na semana em que faria 90 anos, João Gilberto revive em inéditas
Vinicius e João Gilberto, com Tom Jobim nos teclados, no Au Bon Gourmet, Rio, 1962. Foto de Hélio Santos/Manchete |
Em 10 de junho, próxima quinta-feira, ele faria 90 anos. Lenda da bossa nova, morreu há dois anos mas está presente. E não apenas através da sua obra imortal conhecida. João Gilberto revive em inéditas.
A Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, acaba de por no ar gravações até hoje não conhecidas do genial baiano de Juazeiro. São três fitas gravadas em Salvador, entre 1959 e 1961. Uma registra um show de João Gilberto e Vinícius de Moraes na Associação Atlética da Bahia. Os outros dois áudios foram gravados pelo jornalista, jurista e músico Carlos Coqueijo em sua própria casa. O material contém dezenas de músicas, das quais 20 inéditas, em parcerias memoráveis com Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Vinicius e Dorival Caymmi.
A pesquisadora Edinha Diniz recebeu as gravações de Aydil Coqueijo, que as preservou ao longo do tempo. A viúva de Coqueijo cuidou de transformar os rolos de fitas em cassetes e, por fim, providenciou a digitalização de todo o material guardado pelo marido, falecido em 1988. Em um trecho ouve-se João cantando "Sem Você", nunca gravada em disco, composta por Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Pura história musical.
João Gilberto e Tom Jobim em Montreux, 1985. "Uma confrontação", segundo Roberto Muggiati que cobriu o festival para a Manchete, com fotos de Lena Muggiati |
Por falar em Tom, histórica também foi a performance de João Gilberto com o carioca no Montreux Jazz Festival, em 1985. Muitos críticos apontam aquela hora como a melhor de João Gilberto. O então diretor da Manchete, Roberto Muggiati, que cobriu com a fotógrafa Lena Muggiati aquela edição do festival, definiu o encontro como "uma dramática queda-de-braço entre João e Tom Jobim, uma confrontação terrível entre as duas figuras maiores de bossa nova".
* Você pode ver e ler a matéria completa da Manchete neste link
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20198&pesq=Montreux&pagfis=233338
* Já os registros das gravações históricas que Carlos Coqueijo fez de João Gilberto estão na Rádio Batuta
https://radiobatuta.com.br/especiais/joao-gilberto-em-casa-de-carlos-coqueijo-28-11-1960/
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Twitter da Biblioteca Nacional compartilha a memória da Revista Manchete
Ao digitalizar e disponibilizar para o público a coleção completa da Revista Manchete, a Biblioteca Nacional prestou um serviço inestimável à memória do jornalismo. Além disso, como o arquivo fotográfico da Bloch, que guardava milhões de imagens, foi arrematado em leilão e desapareceu, é a seção de periódicos da BN que preserva, digitalizadas, pelo menos as fotos que foram publicadas entre 1952 e 2000. Agora, via twitter, a instituição compartilha documentos do seu vasto acervo de
terça-feira, 14 de julho de 2020
As pombas do Adolpho • Por Roberto Muggiati
"Pombas" -Desenho de Adolpho Bloch/ Arquivo Pessoal de Roberto Muggiati |
Adolpho Bloch era autoritário, tirânico, perverso até. Afinal, comandava um império, tinha de se mostrar forte. Mas, em raríssimos momentos, baixava a guarda e mostrava a criança inocente que nunca deixou de ser. Colecionei alguns destes momentos na minha longa convivência de trinta anos com ele, de novembro de 1965 a novembro de 1995.
Remexendo velhos papeis nesta contingência covidiana, encontrei um desenho feito pelo Adolpho – duas pombas, como só ele sabia desenhar – com caneta Pilot naquela pequena folha em que o diretor da revista esboçava a diagramação para o chefe de arte. Jocosamente, assinou Adolpho Dias, um dos muitos cacófatos a que se prestava seu nome. (Não seria louco de deixar uma assinatura Adolpho Bloch solta pelo mundo...)
Isso deve ter acontecido naqueles poucos momentos descontraídos em que Adolpho se sentava diante da grande mesa em L da Manchete para jogar conversa fora com o editor e os redatores. Antes da entrada em cena da Rede Manchete. A televisão, o sonho dourado dos Bloch, não demorou a se transformar num grande pesadelo.
Outro momento raro em que Adolpho abriu a alma ele o fez só para mim. Já debilitado pela idade e pela doença, pediu-me que lhe desse o braço para descer aquela escadaria assassina, sem corrimão, do restaurante do 12º andar até o elevador. A TV tinha estreado com grande expectativa a novela Tocaia Grande, inspirada no romance de Jorge Amado. Não deu em nada. No meio dos degraus, Adolpho parou e disse: – Muggiati, estou fodido. Você não ia querer a minha vida, estou fodido!
Tocaia Grande estreou em 16 de outubro de 1995. Um mês depois, na madrugada de 19 de novembro, um domingo, Adolpho Bloch morria num hospital de São Paulo.
terça-feira, 7 de julho de 2020
Em live da Mosaico Imagem, o fotógrafo Orestes Locatel, ex-Manchete, fala sobre suas fotos e trajetória profissional
Orestes Locatel. Foto: Reprodução da live da Mosaico Imagem/Instagram |
Um dos entrevistados para a série História da Foto foi o fotojornalista Orestes Locatel, com importante trajetória na revista Manchete.
A Mosaico Imagem, fundada pelos fotógrafos Tadeu Bianconi e Gabriel Lordêllo, atende a veículos como Veja, Istó É, Época, Exame, Super Intressante, Galileu, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, UOL, Valor Econômico e O Globo e também presta serviços aos mercados publicitário, industrial e corporativo.
Veja o depoimento de Orestes Locatel AQUI
sábado, 28 de março de 2020
Daniel Azulay (1947-2020) e o homem-tronco • Por Roberto Muggiati
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Daniel Azulay. Foto: Reprodução do site oficial do desenhista e artista plástico |
Cartuns de Daniel Azulay na última... |
...página da Manchete, no anos 1970. |
No alto, à direita, o homem-tronco |
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
Uma declaração de amor à língua portuguesa • Por Roberto Muggiati
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Monica Villela lança o livro "A Língua Portuguesa como Ativo Político". Foto: Divulgação |
Vida que segue, Manchete deu no que deu e – quando eu ainda me encontrava no retiro que o Alberto (de Carvalho) apelidou de Santa Genoveva – Monica partiu para o mundo. Atuou como redatora e apresentadora da Deutsche Welle, em Colônia, Alemanha. De 1999 a 2005 foi redatora, apresentadora, gerente de projetos e encarregada de comunicação interna do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres. A partir de 2006, passou a chefiar a redação da ONU News em língua portuguesa, em Nova York. Entre 2015 e 2016, foi diretora do Centro de Informação das Nações Unidas no México, com atuação em Cuba e na República Dominicana. Em 2018, foi indicada porta-voz de María Fernanda Espinosa, a primeira mulher da América Latina e Caribe a presidir a Assembleia Geral das Nações Unidas, e a quarta do mundo. Em meio a esse trabalho todo, achou tempo para se formar Doutora em Ciências Políticas pela Universidade Aberta de Portugal e Mestre em Linguística e Ciências Políticas pela Universidade Duisburg-Essen, na Alemanha.
Nesse exílio voluntário de mais de vinte anos, Monica Villela Grayley não se afastou da língua-mãe; ao contrário, aprofundou o conhecimento e a relação afetiva com o português, voltando-se para o grande universo da lusofonia. Fruto dessa paixão, escreveu o livro A Língua Portuguesa como Ativo Político, que vai lançar no Rio de Janeiro na segunda-feira, dia 9, às 17 horas, no Centro Cultural do Poder Judiciário.
Monica descreve o seu método de pesquisa: “Observei e estudei casos de falantes nativos, pessoas que usam o português como língua de herança, como língua estrangeira, como língua segunda. Analisei a situação do português nas diásporas e como alguns pais, no exterior, se esforçam para que os filhos falem e escrevam na norma culta. Conheci também casos de formadores que desistem do esforço por falta de apoio pedagógico onde vivem”. E ela sintetiza: “Falar português é pertencer a uma pátria virtual e universal. A Língua Portuguesa oferece um mundo a ser navegado com curiosidade, propriedade e estratégia”.
quinta-feira, 21 de novembro de 2019
O Kiss no Rio e o triste fim de Justino Martins • Por Roberto Muggiati
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Na mesa de edição da Manchete, sentido horário; Célio Lyra, Roberto Muggiati, Justino Martins e Alberto Carvalho |
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Kiss: noite de hard rock no Rio |
O Kiss vem aí de novo, desta vez para se despedir. A escabrosa banda de hard rock já iniciou sua turnê End of the Road/Fim da Estrada e se apresenta no Brasil em maio de 2020, em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Ribeirão Preto, Uberlândia e Brasília. O Rio de Janeiro ficou de fora, talvez até para não misturar o momento melancólico do adeus com a lembrança do principal triunfo do grupo, que juntou o maior público da sua carreira no memorável show no Maracanã em 1983. Eu estava lá e guardo uma lembrança aguda da ocasião: foi quando vi o começo da morte de Justino Martins, o homem que criou a revista Manchete no seu formato histórico.
Iniciada em 1952, a semanal ilustrada ficou famosa pela impressão impecável em cores, mas levou anos para encontrar um diretor de redação à altura do seu potencial gráfico. Henrique Pongetti, o primeiro editor, era um cronista, sem nenhum cacoete de “revisteiro”. Veio então Hélio Fernandes, que deu um toque jornalístico à Manchete, mas proibiu a entrada na redação dos irmãos Bloch: Arnaldo, Boris e Adolpho. Acabou demitido. Otto Lara Resende – cronista sem vivência de jornal – ficou um ano na direção, em conflito diário com o que chamou “os Irmãos Karamabloch” (nascidos na Ucrânia, sua alma era mais russa do que judaica). Certa vez, um dos irmãos comprou a bom preço uma batelada de máquinas de escrever. Os outros dois, desconfiados do negócio, se puseram a destroçar as Remingtons no chão da redação.
Arnaldo e Boris morreram em 1957 e 1959 e Adolpho ficou livre para reinar supremo sobre a Manchete. Mas a revista continuava à deriva sem um timoneiro, editada por um triunvirato, fórmula que só diluía as responsabilidades. Adolpho convocou então, para dirigir a Manchete o brilhante correspondente em Paris, o gaúcho Justino Martins. O casamento deu certo, mas a relação seria marcada por amor e ódio – e muita inveja.
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Justino Martins |
Mas tirar o “Índio” da direção da Manchete era uma obsessão do Adolpho e ele voltou à carga em 1975. Dispensou o Justino, disse que precisava dele para criar uma revista de decoração (que nunca saiu), e o homenageou com uma grande feijoada para centenas de pessoas no restaurante da Rua do Russell. Involuntariamente, servi de instrumento para esta jogada maquiavélica do Adolpho. Desde 1972 eu editava a revista em maio, quando Justino tirava férias e ia ao Festival de Cannes. Seguro de que eu poderia assumir o posto, Adolpho me empurrou para a direção da revista, onde fiquei até 1980, quando uma crise de saudosismo levou o Justino de volta à Manchete e eu fiquei como seu vice.
Em junho de 1983, ia ao ar a Rede Manchete de Televisão. Sabiamente, Justino profetizou que a TV viera para sepultar a editora. Uma morte ao mesmo tempo real e simbólica marcou essa transição. Em 10 de agosto de 1983, dois meses depois da estreia da TV, Justino Martins chegou à redação uma terça-feira, lá pelas dez da manhã, era o dia mais calmo, depois do fechamento na segunda e antes da saída da revista nas bancas na quarta. Com sua clássica sacola da Air France a tiracolo, falou comigo, que era o seu “segundo”: “Toma conta das coisas, tchê, que vou fazer um exame no Hospital dos Servidores.” O Servidores era uma referência, o Presidente Figueiredo internou-se lá quando teve sua crise cardíaca, e o diretor, Raymundo Carneiro, era um grande amigo do Adolpho. As notícias não foram nada boas. Justino tinha um câncer de pâncreas fulminante. Duas semanas depois, foi transferido para a Clínica Sorocaba, em Botafogo,
Visitei-o uma vez no Servidores e outra num triste sábado na Clínica Sorocaba. A um punhado de amigos que cercava seu leito, Justino confidenciou: “Estou me sentindo como um soldado diante de um pelotão de fuzilamento.” Morreu no dia seguinte, domingo 28 de agosto. Passados 36 anos, sua fama só fez crescer. Como definiu o livro A Revista no Brasil (Editora Abril, 2000): “Foi o editor que desenvolveu definitivamente a fórmula do que chamou de ‘beleza estética na informação.’” Uma beleza flagrantemente ausente nas revistas de hoje. Mesmo tendo sido o jornalista que mais tempo durou na direção da Manchete, eu sempre julguei e admiti que Justino Martins foi a verdadeira alma da revista.
Senti que o Justino estava morrendo na noite de 18 de junho de 1983, quando fomos assistir ao megashow da banda Kiss no Maracanã, diante do maior público na história do grupo. O espetáculo fazia parte da turnê Creatures of the Night, que promovia o disco do mesmo nome, iniciada seis meses antes nos Estados Unidos e encerrada no Brasil, com shows no Rio, em Belo Horizonte (Mineirão) e em São Paulo (Morumbi).
O carro da Bloch nos apanhou no Leblon (Lena faria as fotos para a cobertura da Manchete) e dali pegamos o Justino e sua filha Valéria, de dezesseis anos, motivo principal da ida ao Maracanã. Valéria era filha do segundo casamento de Justino, com Martha de Garcia, a primeira Miss Brasília. Ironicamente, Adolpho Bloch também casou com uma Miss, a gaúcha Lucy Mendes, Miss Rio Grande.
No portão de sua bela casa da Joatinga, encontrei um Justino soturno e ainda visivelmente abalado com a quase tragédia ocorrida naquela tarde de sábado. Dois pintores que trabalhavam ali quase foram estraçalhados pelos cães de guarda que Justinho mantinha para a segurança da casa. Uma ambulância levou os homens ao hospital Miguel Couto, onde se confirmou a gravidade dos ferimentos. Seguimos praticamente calados no trânsito engarrafado até o Maracanã.
Adentramos o gramado do maior do mundo, onde tínhamos ingressos VIP. Lena postou-se bem à frente do palco, armado no lado do campo conhecido como “a trave do Barbosa”, alusão à derrota para o Uruguai na final da Copa de 50. Fiquei do seu lado para protegê-la da turba ensandecida. O vocalista Gene Simmons, com sua maquiagem grotesca, vomitava uma geleca verde de aparência asquerosa sobre a plateia, fomos contemplados com alguns chuviscos também. Valéria assistia de perto com um grupo de amigas.
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Logo após a morte de Justina Martins, esta placa que foi colocada na redação da Manchete em homenagem ao diretor que criou a revista no seu formato histórico. Uma semana depois, foi retirada. |
Depois de algum tempo, procurei o Justino. Custei a encontra-lo, no seu elegante blazer que nada tinha a ver com tudo aquilo. Recostado junto às grades que cercavam o gramado, pasmem – o Justino dormia. De pé. Um cansaço descomunal parecia ter tomado conta do seu corpo, já àquela altura minado pelo câncer, que o levaria dois meses depois.