quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Assalto digital: a internet se conecta ao submundo do crime


Título do Metrópoles sobre a investigação da Polícia Federal


por Flávio Sépia

Até o século 20 as zonas de crimes se estabeleciam em bairros normalmente sinistros. Era assim na Chicago nos anos 20, no Brownsville de Nova York até hoje não alcançado pelas luzes de Manhattan, na escura periferia de Londres no fim do século 18 ou nos sujos subúrbios de Paris onde a belle époque nunca chegou. Atualmente a criminalidade digital e chique usa paletó e gravata, dirige BMW, frequenta finos restaurantes, ostenta mansões e Rolex e atua no ambiente asséptico de aplicativos e redes sociais. 

Claro que o crime analógico descamisado ainda tem seu espaço, suas gangues e seus territórios. Nas grandes capitais brasileiras por exemplo. Mas isso não quer dizer que o Brasil não se atualizou nas modernidade. São muitas as modalidades de crime praticadas aqui via internet. 

Os jornais, hoje, revelam um golpe de bilhões praticado por fintechs (abreviatura de  financial technology), que são as startups que operam nos mercados financeiros alavancadas por aplicativos que movimentam grandes somas de dinheiro e emulam sistemas bancários. A Polícia Federal investiga fintechs que "prestam serviços" a empresas e ao crime organizado no ramo de sonegação, ocultação e lavagem de dinheiro fora dos mecanismos oficiais de vigilância. Um procedimento muito lucrativo para os techomeliantes. Se uma empresa está no alvo de credores não haverá contas a bloquear pela justiça. A grana assume poderes de invisibilidade e circula etérea e inatingível.  

Esse é, digamos, um golpe no atacado. Já no varejo é intensa a atuação de muitos dos chamados influencers, seja por meio de rifas 171, venda de produtos inexistentes, falsa captação de doações e uma infinidade de modalidades cujo único objetivo é afanar dinheiro dos incautos ou desatentos. Em esquemas mais organizados operam criminosos especializados em fraudar pix, invadir contas e roubar dados. 

Apesar disso, a internet não é terra sem lei. Os crimes digitais deixam rastros e seus autores podem ser localizados. Mas a tarefa não é fácil. Querem um exemplo? A Justiça Eleitoral bloqueou nas redes sociais as contas de Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, que já foi condenado por golpes bancários e se apresenta como coach e influencer. O que ele fez? Simplesmente abriu novas contas que passaram a veicular as mesmas fake news, ofensas morais e ilegalidades de campanha. Um drible safado e muito comum na lei quando se trata de delinquência digital..

O pior entre as funções derivadas do uso criminoso da tecnologia é a ameaça à democracia. No ambiente político , as redes sociais são capazes de despertar o que de mais doentio pode existir nos porões da sociedade. Você pisca e a tela do seu celular exibe racismo, intolerância, incitação à violência, preconceito, defesa da teocracia, do golpismo, coleções de peças de fascismo e nazismo, exaltação às armas, ódio ao pobre, ao feminismo e à igualdade de gênero. 

A turba que emerge das redes sociais para a vida real já mostrou do que é capaz, como na invasão do Capitólio ou na versão verde-amarela do ataque à democracia, o 8 de Janeiro de recente memória. A democracia não aprendeu a lidar com tantas ameaças. Aprenderá um dia?   

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terça-feira, 20 de agosto de 2024

R.I.P. Ripley, primeiro e único • Por Roberto Muggiati

 


Alain Delon (*) foi o primeiro e o melhor intérprete de Tom Ripley, o personagem criado pela romancista Patricia Highsmith. Em Plein Soleil/O sol por testemunha (1960), dirigido por René Clement, ele encarna à perfeição o cativante e amoral protagonista do filme. Resumindo a história: Tom, que vive à beira da indigência, é contratado por um capitão de indústria milionário para resgatar seu filho (ex-colega de universidade de Tom) da dissipação na dolce vita europeia e trazê-lo de volta para os Estados Unidos a fim de assumir os negócios do pai. A missão fracassa de saída, porque Tom adere ao estilo de vida de Philippe Greenleaf (Maurice Ronet) e desfruta das benesses do seu dinheiro, mas é submetido a toda uma série de humilhações pelo ricaço cheio de caprichos. Quando sente que o entediado Philippe vai se descartar dele, Tom vira o jogo. Num cruzeiro em que os dois estão a sós num iate, mata Philippe com uma pancada de remo e joga o corpo ao mar. Tom assume a identidade do morto, aprende a falsificar sua assinatura e não só se apodera do seu dinheiro como forja um testamento indicando a si mesmo como herdeiro da fortuna dos Greenleaf. O desaparecimento de Philippe é dado como um suicídio e o “talentoso” Sr. Ripley segue em frente, abonado e feliz, em outros quatro romances do que ficou conhecido como a “Riplíada” de Patrícia Highsmith.

René Clement exerce uma cinematografia magistral ao longo dos 135 minutos do filme (rodado em cenários italianos que vão de Roma até Nápoles e a costa amalfitana. Só comete um pecado capital ao distorcer o enredo de Patricia Highsmith num final com a mensagem moralista de “o crime não compensa”: Ripley/Delon sorve um drinque na praia enquanto o iate é içado para a manutenção outonal de praxe. Quando o barco sai totalmente da água, pode-se ver o corpo de Philippe enredado pelas amarras. A polícia se aproxima. Talvez Clement tenha sido forçado pelos produtores ou pela censura. Isso não impediu outros diretores de ressuscitarem o fascinante personagem. Ripley’s Game deu O amigo americano (1977), de Wim Wenders, com Dennis Hopper; e O retorno do talentoso Ripley (2002), de Liliana Cavani, com John Malkovich. Anthony Minghela dirigiu o remake de O sol por testemunha em O talentoso Sr. Ripley (1999), com Matt Damon, um Ripley que clona Chet Baker cantando My Funny Valentine. E Barry Pepper faz o protagonista na versão de Ripley Under Ground/Ripley no limite (2005), dirigido por Roger Spottiswood. Mas nenhum deles chegou perto do talentoso Monsieur Delon, que tinha não só o physique du rôle de Tom Ripley, mas também o seu esprit de corps.

* Alain Delon (1936-2024) morreu aos 88 anos, no último dia 18, em Douchy-Montcorbon, na França, de causa não revelada.

Na capa da Veja São Paulo: Bob Wolfenson, 70 anos


As lentes de Bob Wolfenson espelharam as mais belas mulheres do Brasil. O tempo da Playboy passou, Wolfenson, não. É o que a Veja São Paulo mostra na edição mais recente. Uma frase do renomado fotógrafo: "o acaso é  elemento fundante da fotografia. Mesmo no estúdio, promova o acaso".

A Inteligência Artificial (IA) impulsiona mentiras na campanha de Donald Trump. Será uma prévia do que o Brasil vai ver?





por José Esmeraldo Gonçalves 

A definição de lixo precisa urgentemente de revisão. O atual significado é muito suave para explicar o que é a conta oficial de Donald Trump no X. Há mentiras e manipulação para todos os gostos. Dois posts ainda no ar exemplificam a canalhice do sujeito, aliás um criminoso condenado pela justiça. A IA é sua aliada na sujeira. Um dos posts usa a imagem de Taylor Swift, opositora do meliante republicano, como se fosse sua apoiadora. Outro mostra a candidata democrata Kamala Harris como uma líder comunista falando para uma multidão  fardada em imagem saturada de vermelho.

A campanha de Trump é infelizmente um modelo do que a extrema direita brasileira faz na atual baixaria para a eleição de prefeitos e vereadores. O uso da tecnologia ainda é tosco. Imagine como será na campanha presidencial de 2026. A legislação para coibir as mentiras está parada no Congresso por interesse da extrema direita. Não por acaso.

Mídia - o bom, o mau e o feio

 

Reprodução de O Globo, 18/8/2024

Reprodução de O Globo, 18/8/2024


por Flávio Sépia

Em qualquer país que preza melhor distribuição de renda e mais justiça social, a criação de empregos é boa notícia. 

Não para a mídia dos oligarcas brasileiros. 

O Globo é um jornal que tem um discutível coerência histórica. Exemplos entre muitos? Foi contra o salário mínimo, combate qualquer aumento real das aposentadorias por pouco que seja e fez campanhas contra a instituição do décimo-terceiro salário. 

Os recortes reproduzidos acima são de edição recente. Uma notícia socialmente positiva sobre a atual e acentuada queda do desemprego e uma modesta recuperação do poder de compra dos trabalhadores é destacada como um espécie de catástrofe, um alerta histérico sobre um "abismo" à frente. 

O alinhamento do jornal com o mercado e com os lucros da especulação financeira é algo que chega a níveis de fanatismo neoliberal. "Vendem" o mercado como o "messias" que salva os despossuídos. Nem o sujeito que faz essa análise acredita nesse tipo de argumento que predomina entre os "economistas de mercado", a categoria acadêmica onde a mídia pesca analistas. Não se vê entre as bancadas de áulicos da especulação financeira como dogma um só economista com visão social. Isso apesar das evidências de que o edifício teórico de neoliberalismo apresenta rachaduras dramáticas no mundo inteiro. Por aqui persiste a teoria aloprada do mau e do feio da especulação acima de tudo.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Na capa da Carta Capital...

 

Carta Capital analisa os impactos das próximas eleições para prefeitos e vereadores, que estão mais do que nunca contaminadas pela disputa presidencial de 2026. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Alexandre de Moraes é o cíclope que assombra a Folha e apavora a extrema direita



por José Esmeraldo Gonçalves 

Em meio à ofensiva coordenada contra o ministro Alexandre de Moraes e o STF - com foco na manipulação de informações passadas pela extrema direita bolsonarista, conectada com policiais paulistas e com o jornalista estadunidense Glenn Greenwald -, a Folha de São Paulo ultrapassou os limites da ética jornalística e deu um twist carpado na encomenda de provar uma tese inexistente. Agiu como um aplicativo de entregas jornalísticas, onde repórteres podem ser despachados para cumprir pautas demarcadas pelo oligarca controlador da empresa e fotógrafos podem, por indução natural, buscar imagens que façam um macabro pas des deux com o discurso da ultra direita que é o atual GPS ou, quem sabe, a "starlink" do jornal paulistano. Na sequência do "duro", os "informantes" tiraram a escada e deixaram a Folha segurando o pincel. Desde que soltou a falsa "bomba", ela tenta desdizer o que disse, mudar palavras e retocar frases.


No rescaldo do 8 de Janeiro golpista a Folha obrou a famosa a montagem da foto das vidraças do Planalto sobre a figura do Lula com estilhaços registrados em outro espaço da fachada e colados digitalmente sobre o coração do presidente, como se fosse o rastro de uma bala nem um pouco perdida.

O ministro Alexandre de Moraes Moraes, alvo atual de uma operação midiática orquestrada que parece ter o claro objetivo de anulação de provas em processos no TSE, foi agora retratado na capa como um cíclope ameaçador. Só uma análise técnica diria se há manipulação nessa imagem. Aparentemente há discrepâncias de incidência de luz, mas não necessariamente caracterizadas como consequência de manejo digital da foto. Como a Folha já falsificou antes uma imagem vendida como fotojornalismo, a suspeita é valida. A mensagem editorial das duas fotos, tal qual o jornal elaborou nas capas, supera as imagens e talvez até a concepção da autora. Por coincidência, ambas, a dos estilhaços aplicados sobre Lula e a da cena de um Moraes alucinado e ameaçador são da mesma fotógrafa, Gabriela Biló, uma caçadora de esquisitices no sanatório político do Planalto Central.

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Um R.I.P para o "delfim" da ditadura

Jô Sôares (Dr. Sardinha) e Delfim Netto
na capa da Manchete em foto de Rolnan Pìmenta



por José Esmeraldo Gonçalves 

Delfim Netto, ex-ministro da ditadura, morreu ontem em São Paulo aos 96 anos. Em 1968, ele foi um dos signatários do AI-5, que, nos anos seguintes, resultou em brutal ampliação do número de prisões de opositores do regime militar, assassinatos e sessões de tortura. 

Delfim não se incomodava com críticas que o ligavam à ditadura e não renegava o passado, mas tentou se justificar e foi capaz de dizer que não época "não sabia" que a ditadura torturava e matava opositores. Comandou a economia durante dois governos especialmente violentos: de Costa e Silva e Médici. Era tão poderoso que ganhou a alcunha de "czar". 

Ao fim do governo Médici, surgiram rumores discretos de que Delfim tinha apoio militar e poderia ser uma opção civil e confiável em um futuro, mesmo que distante, esgotamento da ditadura. Ernesto Geisel sacou sua carta e antes que o "delfim" de Médici lhe fizesse sombra o enviou para um cargo de luxo, ócio, e distante: embaixador em Paris. Anos depois, o economista foi ministro da Agricultura e ministro do Planejamento no período de João Figueiredo. Recentemente, em entrevista ao UOL, Delfim  afirmou que assinaria novamente o AI-5, aparentemente continuava ignorando torturas e assassinatos do regime militar. 

O economista conquistou bom trânsito e amigos jornalistas na mídia. Tornou-se uma espécie  de comentarista de estimação, em forma de frases tidas como espirituosas. Um desses jornalistas e admiradores o considerava um "frasista genial". Em abril de 2011, em uma das suas falas no progama Canal Livre, da Band, ele cometeu uma dessas genialidades: “Há uma ascensão social visível. A empregada doméstica, infelizmente, não existe mais, ela desapareceu. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter". 

De certa forma, Jô Soares e a Manchete deram uma força à popularidade de Delfim. Em 1979, quando fazia sucesso na TV o personagem Dr. Sardinha, que ironizava o ministro, Delfim e Jô aceitaram conversar e posar juntos com exclusividade para a capa da revista. O Dr. Sardinha tranformava em piada a falta de intimidade do então ministro com frutas, legumes, cereais e grãos em geral. Delfim revelou na entrevista que ao receber o convite da Manchete para posar com  Jô pensou em recusar, "temia danos à imagem", segundo disse. Depois concluiu que era uma simples sátira. Ele tinha razão. Ao aderir ao humor e se deixar fotografar ao lado do Dr. Sardinha virou o efeito da gozação, mostrou até o jogo da cintura que não tinha e se tornou simpático diante da enorme audiência do programa do Jô na TV Globo.    

sábado, 10 de agosto de 2024

Tapem os narizes, isso pode acabar em lama. STF quer transparência no esquema do Orçamento Secreto. Bomba política que deixa o Congresso sob tensão é capa da Carta Capital

 


Comentário do blog - Orçamento Secreto, como se sabe, é o esquema financeiro criado no governo de Bolsonaro que permite a generosa distribuição de dinheiro pelo Congresso em um fluxo bilionário de difícil rastreamento. Também conhecido como "festa no interior".

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Com imagem congelada na baixa e saindo na mídia apenas por envolvimento em questões pessoais, Neymar investe pesado nas redes sociais.

Com imagem congelada na baixa, o jogo de Neymar por enquanto está na internet. Mais precisamente nas suas contas oficiais no You Tube, Facebook e Instagram. Tudo é divulgação.Um ponto de marketing praticado pela sua equipe é supervalorizar os treinos com bola e sem bola realizados atualmente pelo brasileiro na Arábia Saudita. Ele ainda não tem data para voltar a jogar, talvez setembro ou outubro. Outro, mais intenso, é acoplar a marca de Neymar a personalidades e atletas com imagem menos rejeitada. Por isso ele apareceu nas tribunas vendo os jogos da recente Copa América, no Estados Unidos. Como o Brasil não deslanchou, a tática foi abortada. O site oficial de Neymar voltou-se para as Olimpíadas e se apressou em parabenizar medalhistas como Rebeca, Gabriel, Raíssa, Bia etc. É uma estratégia conhecida entre gestores de imagem essa de pegar carona em momentos e celebridades menos polêmicas e mais favoráveis. Ocorre que, para voltar a ser protagonista, Neymar não depende das redes sociais. Ele precisará a mostrar em campo que se recuperou e ainda assim terá a desvantagem de estar jogando em um centro secundário do futebol. Quem liga para os clubes da Arábia Saudita? Apenas os jogadores que deixaram a Europa em troca de milhões de euros. Sabe-se que ele considera voltar à Europa. O problema é quando e onde receberá uma proposta. Voltar à seleção é outro objetivo crucial para ele. Todas as possibilidades, contudo, aguardam seu desempenho em campo.

Medida Provisória isenta de taxação prêmios dos atletas olímpicos. "Jabutis" já treinam para também subir nesse pódio. Vai uma carona aí?

Agência Brasil/Reprodução 

Comentário do blog - Nos últimos dias as redes sociais e até veículos jornalísticos que reproduzem conteúdo sem apuração criteriosa espalharam um notícisa falsa: Lula, segundo eles, cobraria imposto de renda em cima dos prêmios pecuniários dos atletas olímpicos brasileiros. 

Ocorre que essa lei foi instituida pela ditadura nos anos 1970. Por ocasião da Olimpíada de Tóquio, em 2021, o governo de Jair Bolsonaro cobrou o imposto dos atletas medalhistas, conforme a legislação. 

A máquina de fake news do fascismo bolsonarista abriu fogo sobre o ministro Haddad até que a Receita Federal explicasse a origem da lei. 

Ontem, Lula assinou uma Medida Provisória que abre uma exceção na taxação desses prêmios. O texto é especifico para premiações do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Comitê Paralímpico Brasileiro. 

Tudo certo, é justa a medida.

O problema pode começar no Congresso - o pior de todos os tempos no Brasil - quando a MP for analisada e votada. Uma prática comum entre deputados e senadores é inserir "jabutis" e "contrabandos" em projetos de lei e MPs. Na atual legislatura as iniciativas do governo federal podem ser deformadas por interesses particulares ou de bancadas que atendem a demandas em geral. Na última hora aparecem artigos que fazem a festa de setores ou indivíduos. 

A oposiçao de extrema direita é majoritária e aprova tudo. Vale a especulação: são enormes as chances de algum parlamentar sacar da cartola "jabutis" ou 'contrabandos" de estimação que podem ou não ter a ver com o conteúdo da MP. Um "izperto" poderá incluir prêmios recebidos por personalidades em seminários e encontros corporativos geralmente realizados em Nova York e Lisboa. Sempre se pergunta porque não escolhem como local para esses debates, por exemplo, a aprazível cidade de Arroio dos Ratos, no Rio Grande do Sul. Os "jabutis" poderão despontar sobre as mais diversas pelagens e tamanhos. Um pastor que receba uma remuneração pecuniária de uma entidade estrangeira em uma competiação de soletração de versículos; um concurso na TV italiana sobre a vida da primeira-ministra de extrema direita Giorgia Meloni. Uma maratona em torno do cemitério de Petersburg, na Virgínia, onde está enterrado Olavo de Carvalho, o guru dos bolsonaristas. Agora, sério, é impossível prever até onde vai a criatitividade parlamentar, mas uma coisa é previsível: "jabutis" vão subir no pódio do Congresso quando essa MP for votada.  

Do newsletter Jornalistas&Cia - O colecionador de xícaras

 

Reprodução. Clique na imagem para ampliar a leitura

Em setembro, Jornalistas & Cia comemorará 29 anos de atividade. O diretor Eduardo Ribeiro anuncia uma reformulação editorial que marcará a data. O boletim informativo é uma leitura semanal indispensável aos profissionais que pretendem manter atualização permanente sobre o universo da comunicação e a movimentação do setor corporativo e do mercado em geral. É a nossa tecla F5, mas vai muito além disso. 

A seção Memórias da Redação, por exemplo, recupera "causos" e casos - geralmente bem-humorados - dos bastidores do jornalismo e da atuação dos repórterese e fotógrafos de várias gerações. 

A mais recente edição traz um texto do jornalista Walterson Sardenberg Sobrinho, o Berg, que foi repórter da Manchete e Fatos & Fotos e editor em outras importantes publicações. Reproduzimos acima "Um cafezinho com  Mário Américo" (José Esmeraldo Gonçalves)   


quarta-feira, 7 de agosto de 2024

TBT Suzy Rego - Ex-miss Pernambuco, atriz conta história de bastidores de uma capa da Manchete

 

Em 1984, Suzy Rego concorreu ao Miss Brasil e perdeu o título por apenas um voto. Logo depois do anúncio do resultado, ele posou para a tradicional capa que a Manchete fazia do concurso. Estava triste, segundo contou à TV Cultura em vídeo reproduzido na sua conta no Instagram (centralsuzyrego) ou no Facebook. Ela não sabia que aquele segundo lugar (a Miss Brasil daquele ano foi Ana Elisa Flores, de São Paulo) mudaria sua vida. 

Suzy Rego logo engrenou uma carreira de atriz de teatro e de novelas da Globo. onde trabalhou como contratada durante 18 anos. No vídeo que pode ser acessado no link abaixo ela conta uma história de bastidores daquela sessão de capa da Manchete

https://www.instagram.com/p/C7UcZtSOv2v/

https://www.facebook.com/reel/794256682753211

domingo, 4 de agosto de 2024

"La mano, cadê o eco, la mano". Incidente nada convencional na convenção bolsonarista

Imagem de divulgação reproduzida do Instagram 


Imagem de divulgação reproduzida do Instagram 

O governo de Santa Catarina demitiu funcionário Samuel Moro Jacques, assessor de comunicação digital. Motivo: ele publicou um vídeo em a mão esquerda do governador Jorginho Mello (PL) aparentemente escorrega na zona de segurança de Michelle Bolsonaro durante uma convenção do partido boldonarista PL. Até o momento em que escrevo esse post o governador pernanecia no cargo. O vídeo publicado na página oficial do PL de Santa Catarina viralizou nas redes sociais.

Se Mário Vianna fosse vivo teria pedido a falta - "la mano, cadê o eco, la mano".

*Informação para a geração Z: Mário Vianna era comentarista de arbitragem da Rádio Globo nas décadas de 1960/70. O "lá mano" era um dos seus famosos bordões.

People e Time "descobrem" o fenômeno Rebeca

 





A mídia estadunidense reconheceu Rebeca Andrade como a ginasta que desafia Simone Biles. Mais do que isso, como a Reuters definiu, a brasileira é a atleta que causa "stress" na Biles.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Olimpíada não tem pódio para religião, mas proselitismo de crenças se infiltrou em Paris 2024

Foto COI/Divulgação
por José Esmeraldo Gonçalves

A Carta Olímpica, uma espécie de Constituição da Olimpíada, é clara: o Artigo 50 do documento estabelece que não é permitida em qualquer instalação olímpica qualquer forma de manifestação ou propaganda política, religiosa ou social. A Carta é um guia para todos os países que participam das competições. 

Apesar disso, o exibicionismo religioso tem tentado nesta edição dos Jogos, quebrar esse princípio. A Olimpíada reúne atletas das mais diversas culturas, fé, ideologia e raças. Contaminar uma festa universal de congraçamento esportivo com proselitismos particulares equivale a introduzir no ambiente esportivo gatilhos de divisão, conflito e até ódio.

Um assunto que dominou a mídia e as redes sociais foi um dos elementos artísticos da abertura oficial dos Jogos. Católicos e evangélicos reagiram com desproporção equivocada a uma suposta releitura da "Última Ceia", que incluía um "ofensivo" painel da diversidade de gênero. A intolerância levou os religiosos a uma interpratação deturpada da representação artística. Segundo o cerimonialista e diretor criativo da cerimônia inaugural, Thomas Jolly, o que o fundamentalismo viu como paródia da "Última Ceia" foi uma cena de banquete de Dionísio. Representado pelo ator francês Philippe Katerine o deus grego surgiu pintado de azul em uma mesa - móvel comum a qualquer banquete e não apenas à citada ceia - cercado de drags queens e dançarinos em uma festa pagã. "A ideia era fazer uma grande celebração ligada aos deuses do Olimpo", disse Jolly em uma entrevista ao canal francês BFM. "Eu queria uma cerimônia que unisse as pessoas, que as reconciliasse, mas também uma cerimônia que afirmasse nossos valores de liberdade, igualdade e fraternidade". Ele acrescentou que tudo isso estava claro na representação. "Dionísio apareceu nessa mesa como o deus da festa, do vinho, e pai de Sequana, deusa relacionada ao rio Sena". Historiadores confirmaram nas redes sociais a presença de detalhes do quadro a "Festa dos Deuses", de Giovanni Bellini (1514). Em todo caso, os organizadores da cerimônia pediram desculpas diante de eventuais interpretações mesmo erradas e negaram intenção de desrespeitar religiosos. 

A propósito, releituras da Última Ceia nem são novidade e nem carregam obrigatoriamente ofensa à fé de quem quer que seja. Veja, abaixo, alguns exemplos dessas paródias bem-humoradas. Além do que as reproduções mostram, há muitas paródias. O histórico painel de Ziraldo nas paredes do Canecão mostrando a chopada dos personagens cariocas é uma dessas inspirações que vêm da bíblia para o humor contemporâneo..

Turma da Mônica/Divulgação  
Super-heróis. Do site Sanatório da Imprensa/Criação: Wanderley Freitas

Aparentemente sem ligação com o episódio da abertura da Olimpíada, mas em direção contrária à laicidade da Olimpíada, o  COB (Comitê Olímpico do Brasil) teve seu dia de exibiconismo religioso. Acompanhando uma foto de integrantes de delegação (abaixo) uma das integrantes da direção assinou um post de caráter religioso. 

Reprodução/Time Brasil

Reprodução TV/COI

A skatista Raissa Leal, medalha de bronze nos jogos de Paris, quebrou o protocolo ao mandar um mensagem religiosa usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Não se sabe se por iniciativa própria ou a pedidos a atleta de 16 anos, em plena apresentação, divulgou a mansagem "Jesus é o caminho, a verdade e a vida". 

Agora imagine o que seria a Olimpíada se muçulmanos, israelitas, praticantes de religiões de matriz afro, budistas, sikhistas, espíritas, baharistas etc  usasem parte dos seus tempos de prova na divulgar suas crenças.

Atualização em 30/07/2024: Barbara Butch, a DJ francesa que participou da performance atacada por radicais (ela aparece com enfeite dourado na cabeça na cena da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris) está recebendo ameaças  de morte por parte da extrema direita religiosa da França.

Atualização em 31/07/2024 - O COI aceitou a alegação de Raíssa Leal de que desconhecia a proibição de fazer proselitismo de religião em ambiente olímpico. A atleta receberá apenas uma advertência.  O COI ainda manifesta seu apoio à liberdade de expressão em entrevistas ou declarações dos atletas fora das competições em respeito à Carta Olímpica.

Paris 2024: Jérôme Brouillet, da AFP, faz a foto olímpica do voo de Gabriel Medina

 


Na capa do Globo, Gabriel Medina sobre as ondas. A foto feita por Jérôme  Brouillet, da France Press, em Teahupoo, globalizou nas redes sociais e nos principais jornais. O francês estava em um barco com mais nove fotógrafos, mas só ele captou o exato milésimo de segundo em que Medina decolou após sair de um tubo que lhe valeu uma pontuação de 9,90, a maior até aqui em Olimpíada.

segunda-feira, 29 de julho de 2024

São Paulo tem agora uma nova ameaça nas ruas: o Porsche assassino

Carros de luxo são a nova arma de playboys da elite paulistana contra os desfavorecidos? Em dois casos recentes Porsches assassinos mataram um motorista de aplicativo e um motociclista. Provavelmente com seus condutores aditivados de álcool ou drogas, além da raiva. Desentendimentos em trânsito já figuram como agentes de homicídios nas estatísticas após o derrame de armas promovido pelo governo Bolsonaro. O sujeito leva uma fechada e sai do carro de pistola em punho ou até um fuzil também liberado para civis aloprados. Um espelho retrovisor quebrado pode significar uma sentença de morte. A novidade é que, se houver falta de bala, um Porsche com calibre de guerra serve como arma na mão desses playboys desvairados. Aparentemente, quanto maior a conta bancária, mais os portadores dos carros vingadores pensam que têm licença para matar.

domingo, 28 de julho de 2024

A ira contra a democracia

Reprodução
de imagem da NBC

Trump foi muito claro. Se depender dele essa será a última vez que os estadunidenses vão votar para presidente. O magnata, que é criminoso condenado em um dos muitos processos criminais a que responde, está  confiante depois de tomar um estilhaço de bala na orelha. Ele se entroniza como o líder da extrema direita e ameaça mais uma vez a democracia. Depois do ataque ao Capitólio, quando instigou seus adeptos à extrema violência, Trump revela um objetivo diabólico: construir uma teocracia absoluta. 

* "Cristãos, saiam e votem! Só desta vez - vocês não terão que fazer isso mais". 

*  "Querem saber de uma coisa? Tudo será consertado! Vai ficar tudo bem. Vocês não precisarão mais votar, meus lindos cristãos. Eu amo vocês."

Essas foram as palavras de Trump dirigidas a um grupo radical de cristãos chamado Turning Point Action em West Palm Beach, no estado da Flórida.

sábado, 27 de julho de 2024

Na capa da Veja: o clone bolsonarista

 

Comentário do blog - Esse elemento aí é o Bolsonaro 2.0. Tem o mesmo ideário neofascista, o mesmo impulso para vender bens públicos a preço de banana. O mesmo desprezo por políticas sociais, ambientais, de saúde pública. É a aposta dos oligarcas da mídia brasileira para 2026. É o "Aécio" da vez, o "Collor" da temporada. O "Sarney" do momento. A mesma mídia que já fechou com ditatores. Uma escolha que revela o critério de sempre. Estadão, Folha, Globo,Record, Band, SBT, a extrema direita na internet, ongs corruptas que se beneficiam das verbas públicas, emendas, emendões e emendinhas, tudo isso está está, como sempre, com quem dá mais. O candidato escolhido nos mais escuros gabinetes é o guardião das elites, o defensor dos subsídios que transferem dinheiro público para bolsos privados, da lucrativa privataria. Agora, também conta a religião. Quando mais fanático e "talibã" mais o candidato conta pontos. Mas é o que temos como prato principal da mídia conservadora e dos sites das fascistas. Juntos, são a desgraça do país.

Na capa da IstoÉ: a promotora contra o condenado

 


Na capa da Carta Capital: a escolha entre a democrata e o criminoso neofascista

 

 

Comentário do blog - Pela primeira vez os delegados estaduais. Sim, porque no confuso sistema eleitoral, o eleitor não decide; o vencedor no voto popular pode ser superado pelo voto dos delegados. O legislador demonstrou não confiar no povo e colocou uns trava para regular a vontade dos cidadãos e evitar surpresas fora do bipartidarismo dominante. Kamala Harris tem chance, mas precisa conquistar mais delegados do que Trump, de preferência abrir uns vantagem segura. Trump mesmo na sua disputa contra Hillary Clinton perdeu no voto popular e venceu entre os delegados estaduais. Dependendo do estado, o voto do eleitor vale menos ou mais. No que lhe compete, o eleitor estadunidense vai escolher entre um condenado que não hesita em manifestar suas posições neofascistas na política externa, no ambientalismo, na imigração, nos costumes, na política econômica que privilegia os grandes grupos, na liberação das armas e na contaminação religiosa do Estado. Um segundo mandato de Donald Trump.cai impactar os Estados Unidos por décadas. O magnata poderá dar à Côrte Suprema uma poderosa marca conservadora e neofascista; poderá dar um aval a Israel para a limpeza étnica definitiva do, para a extrema direita israelense, incômodo povo palestino. Aparentemente, Kamala equilibrou a disputa. Mas o suspense persistirá até novembro.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

A primeira grande foto de Paris 2024 mostra uma brasileira guerreira






Observem que a capa do Estadão captou a plasticidade e o dado jornalístico da foto. O Globo dançou. Partiu para uma técnica da primeira metade do século passado: recortou a melhor foto que o jornal teria para aquele dia. A goleira do time brasileiro de handebol, Gabi Moreschi, defende uma bola na ponta do pé. Ângulos perfeitos, enquadramento ágil. O fotógrafo da AFP, Antonin Thuillier, autor da imagem, não viu o "crime" do Globo ou se suicidaria no Sena e deixaria uma mensagem indignada para o editor da primeira página.


Rosa Magalhães (1947-2024), a marquesa da Sapucaí - Em dois momentos, a mesma paixão

A comemoração do primeiro título em 1982,
em parceria com Lícia Lacerda . Foto Manchete

Em 2000, com a faixa de campeã pela Imperatriz. Foto: Manchete

* Na imagem em p&b (*), Rosa Magalhães comemora na quadra da Imperatriz seu primeiro título no carnaval. Ao seu lado, Lícia Lacerda, parceira no desenvolvimento do enredo da escola. Naquele ano, a Imperatriz venceu com o histórico Bum Bum Praticumbum Progurundum, de Beto Sem Braço e Aluísio Machado. Rosa costumava dizer que carnaval era uma cachaça. "Mas daquela bem boa, lá de Paraty", completava, Ela ajudou a Imperatriz a conquistar cinco dos oito titulos da escola carioca de Ramos. 

* Na segunda foto (**), o orgulho ao posar com a faixa de campeã, em 2000, também pela Imperatriz. 

Seu último título aconteceu em 2013, quando levou a Vila Isabel a brilhar na avenida. No carnaval de 2023, sua derradeira participação. assinou o desfile da Paraíso de Tuiuti. Rosa Magalhães sofreu um infarto, hoje, aos 77 anos, no seu apartamento em Copacabana. 

A marquesa da Sapucaí deixa um legado nobre para as escolas: o respeito à cultura popular e o talento para contar a História. Assim, com H maiúsculo. 

(*) (**) -  Infelizmente não foi possível registrar a autoria das fotos, que a Manchete costuvava creditar à equipe escalada para a cobertura geral do carnaval.  

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Memórias Pré-Manchete • O SENA É UMA FESTA: A temporada que vivi às margens nada plácidas do rio parisiense • Por Roberto Muggiati

           

Foto de Cartier-Bresson na capa do LP de Bill Evans  [Reprodução]

A escolha original e ousada de abrir as Olimpíadas fora de um estádio, em barcaças sobre as águas do Sena, me trouxe de volta as memórias do ano vibrante que vivi nas proximidades do célebre rio. Cheguei a Paris uma semana depois de completar vinte e três anos. Contraparodiando a frase célebre de Paul Nizan, “não deixarei ninguém dizer que não é a idade mais bela da vida”. Desembarquei às oito horas da manhã da sexta-feira 14 de outubro de 1960 na Gare d’Austerlitz depois de vinte horas no trem de Madri. Com minhas duas malas de Curitiba sentei-me no café de calçada da estação, debruçada sobre as águas do Sena. Devorei um croissant com uma tigela de café-com-leite folheando Le Figaro. Naquela tarde haveria um concerto com o trio do pianista Bud Powell e o quarteto do saxofonista Lucky Thompson em memória do contrabaixista Oscar Pettiford, morto recentemente. Peguei um táxi para a Casa do Brasil, na Cité Universitaire. Joguei as malas sobre a cama e me mandei para o Théâtre des Champs Élysées. Não quis arriscar o metrô, um táxi era mais seguro – comecei a desfolhar precocemente o talão de travelers cheques, mas valia a pena. O teatro, que em 1913 fora o palco da tumultuada estreia do modernismo (A Sagração da Primavera pelos Ballets Russes de Nijinsky e Diaghilev), estava metade cheio, ou metade vazio, o que garantia o silêncio necessário para fruir as delicadas filigranas do piano de Bud Powell, que eu veria outras vezes em sua “residência” no Blue Note.

Lembro bem as águas do Sena quando – estudando jornalismo com uma bolsa do governo francês – tive a sorte rara de morar no pequeno City Hôtel, na Île de la Cité, ou seja, no centro da foto perfeita de Henri Cartier-Bresson, o mestre do clic zen, daqueles flagrantes roubados em pleno movimento, numa pirueta visual de que só sua cabeça, seu olho e seus dedos eram capazes. Em 1951, excepcionalmente, ele fez uma foto em que o ser humano era completamente anulado pela paisagem: uma vista da Île de la Cité, tomada do Pont des Arts, uma passarela para pedestres, de notoriedade recente –ficou ameaçada de cair por causa do peso dos cadeados de namorados atrelados em suas muretas. A foto é uma obra-prima da composição, céu e rio cortados horizontalmente pelo Pont Neuf e, no centro exato, a ponta da ilha se projeta como a proa de um navio. A riqueza de tonalidades cinzentas é fabulosa. Cartier-Bresson fez cópias da imagem como se fossem tiragens de uma gravura, emoldurando-as com um fio e assinando cada uma. Segundo ele, as cópias foram feitas em “couleur de Loire”, um tom que foi rebatizado “cinza Cartier-Bresson”. Concentrando-se na paisagem e omitindo daquele universo seus costumeiros personagens vivos e saltitantes, Bresson reduz o ser humano a pequenos pontos negros perdidos naquela massa geométrica cinzenta, um comentário sutil sobre a total inutilidade do indivíduo. A foto ilustrou a capa de um álbum do pianista Bill Evans gravado em Paris, a capital mundial afetiva do jazz.

Amarrando o sapato debaixo do chorão na ponta da ilha,
o Pont Neuf ao fundo [Arquivo pessoal]

Lembro as águas do Sena quando atravessava toda noite o Pont Neuf para me refugiar no aconchego do hotelzinho na Place Dauphine, de formato triangular, que um jornalista irreverente chamou de “a Vagina de Paris”. Na Place de La Concorde, “o Umbigo de Paris”, os aristocratas eram guilhotinados pela Revolução Francesa. E o romancista Émile Zola batizou “o Ventre de Paris” o mercado de Les Halles. De fevereiro a julho de 1961 eu deixava toda noite o 29 place Dauphine e caminhava até o 29 rue du Louvre – onde ficava o Centre de Formation des Journalistes – atravessando a imensidão dos Halles, com seus pavilhões de ferro abarrotados de frutas, legumes, hortaliças, carnes e peixes, orgia visual de uma cornucópia gargantuesca. Uma noite passava pela alameda das carcaças de bois sanguinolentas que pendiam de ganchos; outra, flanava pelos jardins de alfaces de todas as formas e cores; na seguinte me esgueirava pelos quiosques acres e úmidos de frutos do mar, peixes de todas as texturas, buquês de polvos com suas ventosas, ostras, mexilhões e vieiras aninhados em suas conchas. E ali se servia também nas madrugadas a melhor sopa de cebola do mundo, a do Pied de Cochon.


Trecho do romance Nadja que fala do City Hôtel e foto da praça [Reprodução]

O hotel ficava no gargalo da praça, que desembocava no Pont Neuf, na ponta da ilha, onde as águas do rio se bifurcavam. Só anos depois, ao ler Nadja, o romance revolucionário de 1928 do surrealista André Breton – que entremeia páginas de texto com páginas de fotos – fiquei sabendo da ligação de Breton com o City Hôtel:

“Esta Place Dauphine é um dos lugares mais profundamente retirados que conheço, um dos piores terrenos baldios que existem em Paris. Toda vez que estive lá, senti abandonar-me pouco a pouco o desejo de ir para outro lugar, precisei argumentar comigo mesmo para me livrar de certas amarras muito doces, agradáveis, insistentes e, no fundo, destruidoras. Além do mais, morei algum tempo num hotel nesta praça, “City Hôtel”, onde as idas e vindas a toda hora, para quem não se satisfaz com soluções simplistas, são suspeitas.”

Mon cher André, ficar sabendo que, 33 anos depois, morei no quartinho da mansarda do City Hôtel, com vista para o Louvre, dormindo as poucas horas que dormia no mesmo colchão em que você dormiu, me traz uma sensação muito forte de pertencer, de uma forma física, ao que de melhor a cultura do século 20 ofereceu. Só me resta arrematar com a frase final e definitiva de Nadja:

La beauté sera CONVULSIVE ou ne sera pas. (A beleza será CONVULSIVA ou não será nada.)

Lembro as águas do Sena – antes sequer de sonhar em morar na ilha – em minha primeira incursão, com amigos da Cité Universitaire, numa noite fria de janeiro na calçada que margeia o rio – Gene Kelly dançou ali com Leslie Caron em Sinfonia de Paris – e de repente uma cena bizarra nos arranca do nosso enlevo: uma mulher com vestido da belle époque se atira no rio do alto da ponte ao lado da catedral de Notre Dame. Só um ano depois, num cinema de São Paulo, fiquei sabendo que era uma dublê de Jeanne Moreau na filmagem de Jules e Jim.


Com Helena Costa nos buquinistas do Sena [Arquivo pessoal]

Lembro do Sena nos primeiros dias de fevereiro, morando já no City Hôtel, flanando pelos cais e vasculhando os buquinistas com Helena Costa, minha colega da Maison du Brésil, “máquina de morar” projetada por seu pai, Lúcio Costa, em parceria com Le Corbusier – Helena elegante e severa com sua capa de grife cinzenta. Parecia que o Brasil tinha se mudado para Paris, eu via sempre as meninas Kubitschek, Márcia e Maria Estela, nos concertos de jazz do Olympia. O país já desgovernado a partir de Brasília, depois do tresloucado gesto de Jânio, marcharia inexoravelmente para o desastre.

No início de fevereiro, de temperaturas historicamente amenas, parisienses acorriam para nadar nas águas do rio.

Lembro do Sena no início da primavera lambendo os galhos dos salgueiros chorões no Square du Vert-Galant, onde eu sentava num banco de madeira para ler os novos lançamentos dos autores beat da City Lights Bookshop de San Francisco, comprados ali perto, também às margens do Sena, diante da majestosa rosácea da Notre Dame, na livraria Le Mistral , hoje Shakespeare and Company . (É no Vert Galant que se passa o conto de Júlio Cortázar Las babas del diablo, inspiração do filme Blow-Up, que Antonioni ambientou na Swinging London. Bolsista em Paris em 1951, Cortázar rompeu com a ditadura argentina e ficou na França até morrer, em 1984.)

Lembro as águas do Sena, os beats estavam em Paris, num hotel decrépito na viela medieval Gît-le-Coeur, a poucos passos do rio. A viúva Rachou não tinha sequer um nome para sua espelunca, que virou Beat Hotel, sugestão do poeta Gregory Corso. William Burroughs ficava no quarto, afagando o gato e se drogando. Allen Ginsberg morava com o companheiro Peter Orlovsky, eu o abordei um dia – todo de preto, a gola da camiseta branca sobressalente lhe dava um ar de clérigo – esquivou-se e sumiu correndo.

Bombom Campos Malle no seu apartamento em Paris, anos 70 [Arquivo pessoal]

Lembro as águas do Sena naquele abril, eu tinha ouvido Thelonious Monk no Olympia com Bombom, Maria de Lourdes Campos. Lenda viva da côterie brasileira em Paris, Bombom é retratada por Danuza Leão na sua autobiografia Quase tudo: “Muito inteligente, Bombom entendeu logo que, sendo brasileira e baiana, para ser chique em Paris devia se vestir como uma inglesa e assim fez, até o fim da vida. E tinha os seios lindos, tão lindos que volta e meia, num restaurante, numa loja ou numa boate, sempre tinha alguém que dizia: ‘Bombom, mostra os peitos’. Com a maior tranquilidade ela levantava o suéter, mostrava, e a conversa continuava como se nada tivesse havido. Nesse período ela já namorava Bernard Malle, irmão de Louis. O namoro não ia nem para a frente nem para trás e uma noite eles brigaram feio. Bombom pegou todos os livros de Bernard – que era colecionador de livros antigos – jogou na rua e fez uma fogueira (e dizem que dançou nua em volta dela, em pleno inverno). No dia seguinte marcaram a data do casamento e ficaram juntos por mais de trinta anos.” 

A verdade do affaire Bombom-Bernard eu conheci bem mais de perto, na carne: Bombom decidiu ter um caso comigo só para enciumar o amante. Podres de rico, os Malle eram fornecedores de açúcar de beterraba do Imperador desde os tempos de Napoleão. Bombom deu o cheque-mate numa noitada comigo no New Jimmy’s, a discoteca da Régine. Bebemos o melhor champanhe e Bombom pendurou a despesa na conta de Bernard. Nunca mexa com o bolso de um francês. O plano de Bombom deu certo e ela já estava de casamento marcado com Bernard naquela tarde em que ouvimos de mãos dadas Monk tocar ao piano April in Paris, um solo genial de um minuto e quinze segundos, cada nota e cada silêncio perfeitos, a gravação sempre me reconduz àquele momento mágico. Bombom me abandonou como um traste velho sem deixar um traço, nem mesmo um pentimento do seu Chanel N° 5, e partiu para a Índia, onde o irmão trabalhava na embaixada do Brasil. Viciado naquela doce vida de sexo, vinho e jazz, vi meu mundo desabar. Bebi o dia inteiro e naquela noite caminhei até o Sena no local onde existia a Torre de Nesle, do alto da qual as devassas princesas de Borgonha – as irmãs Blanche, Marguerite e Jeanne de Navarra – mandavam jogar seus jovens amantes depois de uma noite de orgia. Desci os degraus até o rio e fiquei a mirar o reflexo do meu rosto nas águas poluídas. Fui arrancado do meu torpor pelo som de um saxofone acariciando a mais bela melodia do jazz, Round Midnight. Era Barney Wilen, meu vizinho, com as janelas abertas na noite abafada. Hipnotizado pela canção, dei meia-volta, marchei rumo ao boulevard Saint-Germain e fui repensar a vida. Sentei-me num restaurante de calçada diante de uma travessa de ostras frescas e uma taça de vinho branco gelado. O francês é sábio: não há chagrin d’amour que resista ao instinto do bon goûter e da joie de vivre. Meu projeto de suicídio foi adiado sine die com relativo sucesso. 

Lembro as águas do Sena na noite de 24 de abril, os generais de direita da Argélia articulavam um putsch para invadir Paris e tomar o poder. Voltando do lançamento do livro American Express, de Gregory Corso, encontrei todas as pontes que levavam à Île de la Cité bloqueadas por fileiras de ônibus, sucata dos anos pré-guerra, e centenas de gendarmes – com suas casquettes e pélerines antiquadas – fazendo a triagem de cada passante: “Vos papiers, s’il vous plaît?” Felizmente, naqueles tempos conturbados, eu andava sempre com o passaporte e a Carte de Séjour de bolsista, e pude dormir o sono dos justos no meu quartinho do City Hôtel.

Na noite de autógrafos do Gregory Corso conheci uma francesa de vinte anos, Jacqueline. No dia 1º de maio, passeávamos de mãos dadas pelos Champs Elysées, o feriado era conhecido também como o dia do Muguet de Mai. Era costume a namorada colocar na lapela do seu jules um buquezinho de muguet (lírio-do-vale). Jaqueline comprou um num dos quiosques que se alinhavam pela avenida e espetou na lapela da jaqueta de camurça do meu figurino existencialista. Com feromônios e testosterona a mil, seguimos em direção do palacete do embaixador Paulo Carneiro, que tinha as portas literalmente sempre abertas. Logo Jacqueline e eu nos pusemos à vontade e deitamos e rolamos nos sofás do salão rococó. 

A mulher de Paulo não quis morar em Paris quando ele foi nomeado embaixador do Brasil junto à Unesco. Vivendo assim em confortável solteirice, Paulo sabia muito bem os usos galantes que sua entourage fazia de sua casa, por isso – um perfeito gentleman – costumava chegar sempre assobiando alto para alertar os eventuais transgressores. Jacqueline e eu nos recompusemos a tempo e saudamos o dono da casa, que apenas sorriu de leve. 

Maria Lúcia Dahl [Arquivo pessoal]

Marília Carneiro [Arquivo pessoal]

Na Páscoa, os saraus du côté de chez Carneiro foram abrilhantados pela chegada das irmãs Pinto, Maria Lúcia (depois Dahl) e Marília (depois Carneiro), 20 e 23 anos. Maria Lúcia era a garota mais bonita do Rio de Janeiro e me apaixonei de cara por ela. Tinha um concorrente sério, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade. Um trunfo a meu favor era convidar Maria Lúcia para concertos de jazz, graças a meu mágico talão de travelers. Depois de um show de Cannonbal Adderley no Olympia, Maria Lúcia e eu nos juntamos a uma turma dos saraus do embaixador no Harry’s New York Paris Bar, entre elas a Neusa Azambuja, que trabalhava na Unesco. Depois de muitas doses, tramamos uma travessura de repercussão internacional: sequestrar o monumento mais famoso de Bruxelas, o Manneken Piss, aquele anjinho que urina numa fonte. Entre umas e outras, discutíamos a estratégia da operação e as ferramentas necessárias. Neusa Azambuja tinha um carro, de Paris a Bruxelas eram três horas de estrada. Já raiava o dia quando o grupo se desfez depois que Neusa disse: “Mas eu não falei que meu carro estava na oficina?”

Caminhamos de mãos dadas às primeiras luzes daquele dia de primavera pelo Jardin des Tuileries, Joaquim Pedro e Maria Lúcia, eu e Marília, que casaria em breve com o filho do embaixador, Mário Carneiro, mas se sentia desculpada pelo noivo no outro hemisfério. 

Os três amigos no boulevard Saint-Germain: Olli Heikkinen,
Peter Jay Solomon e Roberto Muggiati [Arquivo pessoal]

Lembro as águas do Sena quando atravessava a ponte com meus amigos do City Hôtel, o finlandês e o nova-iorquino. Olli Heikkinen era filho de um operário numa fábrica de vidros nas lonjuras do Golfo da Finlândia, perto da fronteira soviética. Foi tentar a vida em Paris, mas não deu em nada, apenas esporádicas e suadas noites como carregador nos Halles. Era sustentado por uma mulher mais velha que morava no City, me levaram uma noite para ouvir o saxofonista Jackie McLean na boate Au Chat-Qui-Pêche. Peter Jay Solomon pertencia à notória família de banqueiros de Manhattan e estagiava num banco americano em Paris. Havia ainda uma Milady agregada a estes improváveis Três Mosqueteiros, uma sueca robusta e coxuda que tinha sido dançarina do Folies Bergères, Inger Margaretha Wegge. Lembro de uma tarde no hipódromo de Longchamps, deitados na grama, minha cabeça fazendo a barriga generosa da Inger de travesseiro. E uma noite memorável no estádio do Parc des Princes vendo o Santos de Pelé arrebatar o Torneio de Paris diante de 40 mil pessoas ao vencer o Racing por 5x4.

Foto com o jornal sobre a morte de Hemingway [Arquivo pessoal]

Lembro as águas tépidas do Sena naquele domingo de verão, 2 de julho. Sentado na amurada de pedra ao lado do Pont Neuf eu fumava uma erva tibetana com Ruth Fleming, ex-amante de Olli, que tinha voltado para a Finlândia. Na casa dos trinta, negra, professora primária em Nova York, cultora dos beats, Ruth era abusada. Não hesitou em abordar o ator Farley Granger no intervalo de uma peça e assim conversei com um de meus atores favoritos, o mocinho do Pacto Sinistro de Hitchcock. Só Ruth para descolar um baseado ungido por um lama do Tibet. Com a mente esvaziada, tudo zen, contemplávamos o sol que mergulhava em câmera lenta no rio. Só muito tempo depois nos demos conta de que estávamos imersos na mais absoluta escuridão. Compartilhamos sonhos tibetanos no hotel de Ruth, o Scandinavia, com sua temática medieval de elmos, armaduras, paredes caiadas e vigas expostas. De manhã, ao pisar na calçada, fui agredido pelas manchetes dos jornais: HEMINGWAY DEAD. Enquanto fumávamos nosso cigarro exótico às margens do Sena, na distante Ketchum, em Idaho, estourava os miolos com uma espingarda de cano duplo o escritor que mais amara e cantara a cidade de Paris. Busquei de alguma forma registrar o momento. Com um exemplar do Daily Mail improvisei uma pré-selfie na cabine automática de fotos de identidade.  As imagens mostram exatamente o que eu sentia naquela manhã da primeira segunda-feira de julho de 1961. 

Em meus seis meses de City Hôtel, por contingências monetárias, ocupei vários quartos. O melhor foi uma mansarda no quinto andar com vista para o Sena e o Museu do Louvre. Na última etapa, acabei relegado a um cubículo de 4×4 metros, sem janelas, com um piso de lajotas de argila hexagonais. (Ironicamente, a França é conhecida como Hexágono, pela forma do seu mapa.) Numa tarde de verão, dublê de cinéfilo e jazzófilo, decidi ir a um cineminha do Boul’Mich’ assistir ao filme do fotógrafo da revista Life Bert Stern, Jazz on a Summer’s Day, a mãe de todos os rockumentários sobre os festivais do final dos anos 60, como Monterey Pop, Woodstock e Altamont. Filmado durante o Festival de Jazz de Newport de 1958, entrelaçava as apresentações musicais com detalhes pitorescos da plateia e cenas do cotidiano da pacata ilha, que protagonizava nos dias do grande evento. Antes de sair do quarto, dei os últimos repasses na pia, onde lavava meias e cuecas com sabão em pó – uma operação de rotina que batizei de “a espuma dos dias” – mil perdões, Boris Vian, pelo uso tão banal do título de seu belo romance.

Apesar de sua sordidez, o City Hôtel mantinha no térreo um simpático Salon de Thé Le Rigaudon, no lugar do que deveria ser a portaria. Era cuidado por três vieilles dames, assistidas por Monsieur Marcel, seu pau-para-toda-obra, em todos os sentidos.  Acolheram-me com chacotas. Tinha acontecido o pior: eu deixara a torneira da pia aberta. O chão do meu pequeno bunker alagou e a água infiltrou para o quarto inferior, caindo nas malas de uma turista sobre um armário. O estrago só não foi pior porque a inquilina estava no quarto.

Alors, mon jeune homme, on fabrique du papier mâché dans sa chambre? – perguntou uma das garces num tom de deboche. A alusão era à pilha de jornais entulhados num canto do quartinho e que ficaram totalmente encharcados. Explico: meu pai, apesar do orgulho de ter um filho bolsista em Paris, receava que eu perdesse as “raízes” curitibanas, e me abastecia regularmente pelo correio com exemplares da Gazeta do Povo, o jornal onde eu trabalhara durante seis anos, antes de embarcar para Paris. Aqueles tentáculos bairristas me perseguiriam nos dois anos de residência na França e nos três anos seguintes em que trabalhei no Serviço Brasileiro da BBC de Londres.

Esqueci rápido meu vexame, cooptando a frase majestática de Luís 15, “Après moi le déluge!” (“Depois de mim o dilúvio!”). Eu tinha pela frente as férias de verão, o Grand Tour nórdico, Holanda, Escandinávia e Finlândia do sol-da-meia-noite (onde vivi um domingo inesquecível na ilha de Kaunisaari) e o Grand Tour mediterrâneo, o sul da França e a Itália de cabo a rabo, incluindo a Sicília. 

Grafito numa ponte do Sena: “Aqui afogamos os argelinos” [Reprodução]

Lembro das águas do Sena ensanguentadas pelo Massacre de 17 de Outubro de 1961, quando mais de 200 operários argelinos morreram afogados. Desarmados, eles marchavam da periferia para o centro de Paris em protesto contra o toque de recolher que só atingia “franceses muçulmanos da Argélia”. Os policiais surraram os manifestantes e os jogaram agonizantes nas águas gélidas do rio. Numa das pontes os assassinos rabiscaram acintosamente ICI ON NOIE LES ALGÉRIENS. Naquele dia eu estava a quase mil quilômetros de Paris, namorando uma italianinha na saída de um curso de inglês diante do túmulo de Dante Alighieri em Ravena, o poeta morreu e foi enterrado no exílio. Só fiquei sabendo da chacina dos argelinos quando voltei a Paris em novembro. O terrorismo de direita prosseguia com violência, mas não conseguiu impedir a independência da Argélia, proclamada em 5 de julho de 1962. 

Meu último momento mágico em Paris foi em 19 de novembro de 1961, um sábado, quando assisti ao quarteto de John Coltrane, acrescido do saxofonista, clarinetista e flautista Eric Dolphy, na sua primeira turnê europeia. Era a nova fase de Coltrane, experimentando a sonoridade diferente do sax soprano e improvisando por mais de meia hora sobre o tema My Favorite Things, do musical da Broadway The Sound of Music. 

Tive a sorte naquela noite de presenciar um espetáculo extramusical no intervalo dos shows. Numa épicerie ao lado do Olympia, num smoking bem cortado, Coltrane exercitava os dedos e os dentes num ovo duro. Do lado de fora, uma pequena multidão se comprimia para assistir ao espetáculo – os fãs mais açodados com o nariz colado à vitrina. Flagrar o ídolo numa atividade banal é um privilégio raro. Guardo com carinho a lembrança daquela noite, principalmente porque os dois gênios se foram cedo: Dolphy em 1964, aos 36 anos; Coltrane em 1967, aos 40.

Ao voltar, encontrei o horizonte brasileiro sobrecarregado com as nuvens do golpe militar iminente. Ainda guardava, intensas em mim, as memórias de Paris e daqueles tempos tumultuados, mas felizes, em que as águas do Sena assistiam a tudo impassíveis e soberanas. Ninguém descreveu o rio lendário melhor do que o poeta Jacques Prévert, nascido em Neuilly-sur-Seine: “La Seine n’a pas de soucis/Elle se la coule douce/Le jour comme la nuit/Et s’en va vers le Havre/Et s’en va vers la mer/En passant comme un rêve/Au milieu des mystères/Des misères de Paris". Em tradução literal: “O Sena não tem apreensões/ Ele corre docemente/De dia e de noite/E segue rumo ao Havre/E segue rumo ao mar/Passando como um sonho/Em meio aos mistérios/Às misérias de Paris.”