Reproduzido do Twitter |
domingo, 22 de março de 2020
Covid-19: desconfie das estatísticas (infelizmente a situação pode ser pior)
Benjamin Disraeli, ex-primeiro ministro britânico no século 18, é autor da frase abaixo:
- "Existem três tipos de mentiras, aquela com pernas, aquela com pernas longas e as estatísticas".
Disraeli, se vivo fosse, acrescentaria um quarto tipo: as estatísticas do coronavírus. Se os números da economia que sustentam os comentários dos jornalistas de mercado costumam ser furados pela dura realidade - sejam os da suposta "retomada" do crescimento, os do desemprego, os da venda no varejo etc - imaginem as cifras da atual pandemia.
Entre os mortos no Brasil há mais de um caso de pessoas que sequer constavam do número de infectados. A Itália registra problema semelhante. A revista Panorama apontou situações não detectadas pelas autoridades locais e citou um exemplo: o de um cidadão que telefonou para o seu médico particular dizendo que estava com febre, foi aconselhado a tomar remédio à base de paracetamol. Mesmo assim, no dia seguinte a febre subiu, acompanhada de uma leve dificuldade para respirar. O médico, por telefone, diagnosticou Covid-19 e mandou que ele ficasse em quarentena e só fosse ao hospital no caso de agravamento da respiração. Lá, os serviços públicos não são informados de casos desse tipo. Aqui, um hospital em São Paulo deixou de relatar pelo menos cinco doentes.
Quer dizer, existe o doente clandestino.
Não importa sua idade, siga os conselhos dos médicos: fique em casa, cumpra rigorosa quarentena, lave bem as mãos e desinfecte produtos recebidos.
Fique de olho em uma controvérsia não muito esclarecida. Vários países aconselham o uso de máscaras por pessoas não infectadas, quando em público ou em contato com alguém. No Brasil, autoridades dizem que a máscara não protege, talvez por temer desabastecimento. Mas, mesmo em quarentena, faz sentido usar máscara ao atender entregas, por exemplo. Faça isso, se possível. Se os profissionais de saúde as usam nos seus ambientes de trabalho, significa que esse é um recurso válido de proteção.
- "Existem três tipos de mentiras, aquela com pernas, aquela com pernas longas e as estatísticas".
Disraeli, se vivo fosse, acrescentaria um quarto tipo: as estatísticas do coronavírus. Se os números da economia que sustentam os comentários dos jornalistas de mercado costumam ser furados pela dura realidade - sejam os da suposta "retomada" do crescimento, os do desemprego, os da venda no varejo etc - imaginem as cifras da atual pandemia.
Entre os mortos no Brasil há mais de um caso de pessoas que sequer constavam do número de infectados. A Itália registra problema semelhante. A revista Panorama apontou situações não detectadas pelas autoridades locais e citou um exemplo: o de um cidadão que telefonou para o seu médico particular dizendo que estava com febre, foi aconselhado a tomar remédio à base de paracetamol. Mesmo assim, no dia seguinte a febre subiu, acompanhada de uma leve dificuldade para respirar. O médico, por telefone, diagnosticou Covid-19 e mandou que ele ficasse em quarentena e só fosse ao hospital no caso de agravamento da respiração. Lá, os serviços públicos não são informados de casos desse tipo. Aqui, um hospital em São Paulo deixou de relatar pelo menos cinco doentes.
Quer dizer, existe o doente clandestino.
Não importa sua idade, siga os conselhos dos médicos: fique em casa, cumpra rigorosa quarentena, lave bem as mãos e desinfecte produtos recebidos.
Fique de olho em uma controvérsia não muito esclarecida. Vários países aconselham o uso de máscaras por pessoas não infectadas, quando em público ou em contato com alguém. No Brasil, autoridades dizem que a máscara não protege, talvez por temer desabastecimento. Mas, mesmo em quarentena, faz sentido usar máscara ao atender entregas, por exemplo. Faça isso, se possível. Se os profissionais de saúde as usam nos seus ambientes de trabalho, significa que esse é um recurso válido de proteção.
Na capa da Veja: as últimas trincheiras da vida
A Veja cobriu a rotina no Albert Einstein, um hospital de ponta. A chamada principal é verdadeira. Os profissionais de saúde estão na linha de frente da luta contra o coronavírus.
Pode-se dizer que, em termos de dramaticidade, a Veja não viu nada ainda.
Nos últimos dois dias, surgiram suspeitas de contaminação em grandes favelas. Segundo os infectologistas, essa será a grande inflexão da pandemia no Brasil, quando campo de batalha se transfere para a saúde pública sucateada pelo fundamentalistas do "teto de gastos" dos últimos anos.
Para não esquecer: há 30 anos o Collorvírus assolava o Brasil...
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Há 30 anos, Collor tomava posse. A foto mostra o eleito e sua facção descendo a rampa e, simbolicamente, levando o Brasil para um buraco econômico e moral. Foto de Elza Fiúza/Agência Brasil |
A data passou praticamente em branco. O coronavírus ocupa todos os espaços.
Mas em 15 de março de 1990, há 30 anos, uma praga assolava o Brasil. Fernando Collor tomava posse. Logo no dia seguinte, mandou confiscar a poupança de milhões de brasileiros. O neoliberalismo do novo governo logo seria potencializado com altas doses de corrupção.
O Collorvírus atacou todos os setores. Uma das medidas do "caçador de marajás" exaltado pela Veja , Globo, Manchete e outros veículos da direita - que aliás fizeram um evidente "jornalismo" de campanha, que lembrou muito o que elegeu o pai do Bananinha - foi acabar com uma secular estrutura pública de combate às edemias, presente em todos os estados brasileiros. Os guardas e médicos da Sucam, anteriormente chamada de Departamento Nacional de Endemias Rurais, combateram doenças como Chagas, malária, esquistossomose, febre amarela, filariose, tracoma, bócio endêmico, leishmanioses e dengue (em 1955 foi eliminado o último foco no país) nas pequenas cidades, nas áreas rurais e nas mais distantes fazendas e povoados. Uma organização que faz falta em dias como os atuais.
De resto, uma triste conclusão: o eleitor brasileiro não desenvolveu anticorpos nem imunidade contra esses profetas da incompetência que fazem do país uma das maiores ilhas de injustiça social do mundo.
sábado, 21 de março de 2020
A saideira...
O governo inglês vinha pedindo que as pessoas evitassem se aglomerar em pubs. A recomendação não pegou e os pubs continuaram lotados até que as autoridades decidiram fechá-los de vez.
The Sun publica as fotos acima com as casas cheias para a saideira, na véspera de começar a vigorar a proibição.
Os "agentes transmissores" do coronavírus...
Os âncoras da mídia conservadora se derramaram em elogios ao ministro da Saúde, Luiz Mandetta. Deve ter sido por carência. De tão agredida pelo Bananão, o pai do Bananinha, a mídia se deslumbrou com o tratamento mais civilizado que recebeu durante as primeiras coletivas sobre o coronavírus. Agora, a realidade mostra que, por inspiração do chefe que desacredita a pandemia sempre que pode, o governo rejeitou por tempo demais qualquer medida restritiva e jogou o Brasil no trágico modelo da Itália. Perdeu tempo que vai custa vidas. Mesmo com o avanço da Covid-19, o Planalto, para quem a pandemia é "gripezinha", continua praticamente ignorando a estratégia de colocar cidades em quarentena, de parar atividades não essenciais.
Por falar em atividades não essenciais, Mandetta fez um discurso, ontem, baseado em falsa premissa. Segundo ele, fechar rodovias e aeroportos significa impedir que insumos sanitários cheguem aos hospitais. Falso. Países que bloqueiam estradas e voos não impedem transporte de carga, nem de veículos essenciais. O objetivo e impedir ou reduzir a circulação de pessoas.
O twitter acima é do governador do Maranhão que faz há semanas um trabalho preventivo no estado. Ele havia pedido a interrupção - assim com o governador Wilson Witzel, no caso do Rio de Janeiro - de voos comerciais com passageiros. Seguindo o discurso ignorante de Brasília, um juiz negou a solicitação do governador do Maranhão. E a Anac nem considerou o pedido semelhante do governador do Rio de Janeiro. O Planalto desmiolado parece se candidatar a um crachá de agente transmissor do coronavírus no Brasil.
"O senhor me ouve bem, governador Zema? "'Ovo' muito bem"
O homem é do Partido Novo, mas o português é decadente. Em entrevista à CNN Brasil, o governador de Minas, Romeu Zema, respondeu ""Ovo" muito bem", quando a apresentadora deu-lhe as boas-vindas ao programa e perguntou-lhe se a ouvia bem. Veja AQUI
sexta-feira, 20 de março de 2020
Memória digital? Cuidado que o vento leva. Ou o que restou do NO.
Há muito se discute o risco de guardar textos e fotos apenas em memória digital. O prazer de folhear o álbum de família da sua infância, em versão analógica, talvez não seja experimentado pelo seu filho ou neto, a não ser que você mande imprimir as lembranças e as guarde bem. Claro que pode guardá-las em pen drives e em HDs internos e externos, que têm componentes que podem entrar em colapso. Ou em DVDs que, dizem, é mais seguro, ou ainda na nuvem que armazena arquivos em diversos servidores, mas não é infalível, pode sofrer invasões.
O álbum de família é um simples exemplo, mas a questão envolve aspectos gerais da memória histórica, jornalística, científica e cultural.
Veja este: na época da bolha da internet, na virada dos anos 1990 para Século 21, surgiu no Brasil um site que reuniu uma brilhante equipe de jornalistas. Era o NO. O No Ponto. Se teve grande audiência naqueles quase primórdios do jornalismo digital, não se sabe, mas foi certamente um nicho de qualidade na época. O site era bancado por um banco de investimentos que logo tirou o time de campo, como costuma acontecer nas iniciativas instáveis desses operadores financeiros. Com o fechamento, diz-se, todo o arquivo do NO. teria se perdido em algum desfiladeiro ou caverna impenetrável da internet.
Todo, não. Algumas páginas escaparam do "delete" fatídico.
Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete e ex-colaborador do NO. , desconfiou da perenidade dos seus escritos em ambiente não palpável e preferiu imprimir e encadernar seus textos. E alguma coisa escapou do site que sumiu misteriosamente.
Fotomemória: Elis Regina, a voz de um cometa. Por Guina Araújo Ramos
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Elis Regina no ensaio do show Transversal do Tempo - Rio, 1978 - Foto Guina Araújo Ramos |
por Guina Araújo Ramos
Neste difícil momento em que o Brasil, com a chegada ao país de uma pandemia, entra numa espiral que talvez seja mortal para muitos brasileiros, que seja também tempo de relembrar alguém que, vivendo a vida intensamente (que “viver é melhor que sonhar”), teria feito, neste 17 de março de 2020, exatos 75 anos: uma das nossas grandes vozes, Elis Regina, a “Pimentinha”, entre tantos outros epítetos elogiosos que mereceu.
Quem sou eu para “biografar” Elis Regina, uma estrela no luminoso céu da música popular brasileira... Diria apenas que, diante da rapidez e do brilho de sua trajetória, talvez seja mais preciso dizer que Elis Regina foi, para mim e para o Brasil, um verdadeiro cometa.
Conto abaixo apenas a parte que me coube do contato com esta luminosa presença musical.
Fotografei Elis Regina apenas uma vez, e não frente a frente mas à distância. Foi dos fundos da plateia vazia do Teatro Ginástico, no Centro do Rio de Janeiro, durante um ensaio do show Transversal do Tempo, que estrelou no bem muito distante ano de 1978.
O material publicado creio que se resumiu a esta curiosa foto em que Elis Regina canta quase esparramada no chão do palco do teatro, sentada à frente de uma estrutura de andaimes metálicos, usando um terno masculino, que lembra uma roupa de morador de rua.
Interessante que o crítico da Fatos & Fotos, onde foi publicada a matéria, não gostou nem um pouco do visual do show. Destacou a qualidade da intérprete e do show, “o melhor de Elis”, mas arrasou com a proposta do cenário, “o pior visual que um show poderia ousar”.
De minha parte, achei ótimo poder fazer uma imagem assim inusitada, ao menos para quem não viu o show. E conseguir pegar, por conta da espontaneidade dela, uma expressão tão vivaz de quem levou tão intensamente a vida.
Ou seja, Elis Regina (se) saiu muito bem na foto.
quinta-feira, 19 de março de 2020
Na coletiva dos insensatos: Mandetta avisa a Bolsonaro que repórter é "chata de galocha".
Na coletiva dos mascarados, o ministro Luiz Mandetta avisa a Bolsoanro que a repórter do Estadão, Jussara Soares, é "chata de galocha".
Claro que isso, para uma jornalista que lida com a facção no poder, é um tremendo elogio.
Veja o vídeo AQUI
Coletivas: "pega na mentira, corta o rabo dela, pisa em cima, bate nela"
Foto de Marcos Corrêa/PR |
Essa foto é, sem duvida, a mais ridícula da semana.
Bolsonaro e ministros fazem uma cenografia em rede nacional para mostrar suas "preocupações" com o vírus. O capitão inativo tem, na vida real, debochado da pandemia e dá a mínima para recomendações médicas, como evitar contato físico.
Isso depois de participar da comitiva presidencial mais contaminada do mundo. Ele diz, agora, que qualquer dia os brasileiros o verão no metrô lotado de São Paulo e na barca Rio-Niterói.
Mandetta foi o "rei das coletivas" antes de Bolsonaro tomar o seu papel. Foi elogiado pela "transparência". Sabe-se, agora, que o governo federal foi leniente em medidas mais restritivas (alguns os estados, como Rio e SP acabaram saindo na frente, mas a maioria ainda reluta em decisões mais rigorosas) e muito do que se falou naquelas coletivas não correspondia à realidade ou não estava em prática. O Brasil perdeu tempo em várias medidas, provavelmente por inspiração do chefe que achava que nada precisava parar e que a mídia espalhava pânico na população.
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Foto de Gervário Baptista |
Mas a coletiva do Bolsonaro e seus ministro bateu o recorde em encenação. Eles tiravam e botavam a máscara que o marketing governamental plantou para mostrar autoridades "conscientes". O mais desmiolado chegou a pendurar a máscara na orelha.
Talvez o reality show armado pelo Planalto só encontre semelhança com a foto dramaticamente ridícula de Tancredo Neves e sua equipe médica. A foto foi feita no dia 25 de março, no Hospital de Base, de Brasília, pelo saudoso Gervásio Baptista, então convidado para ser o fotógrafo oficial do presidente "eleito" pelo Colégio Eleitoral da ditadura.
Não foi exatamente uma coletiva, mas teve o mesmo efeito. Armada para mostrar que Tancredo estava se "recuperando bem", a foto foi imediatamente distribuída para todos os veículos. Apenas três horas depois de ser fotografado, Tancredo sofreu forte hemorragia e foi transferido para um hospital em São Paulo, onde morreu em 21 de abril de 1985.
A imagens são ridículas, mas, por favor, os fotógrafos não têm culpa. Apenas focalizaram o show.
Mídia: redações em tempo da Covid-19
por Júlio Lubianco (do blog Journalism in The Americas)
* Com colaboração de Teresa Mioli
Na medida em que o novo coronavírus se espalha pela América Latina, redações da região adotam medidas para prevenir o contágio e proteger suas equipes. Entre elas, colocar jornalistas que chegaram recentemente do exterior em quarentena, evitar apurações presenciais e, quando possível, adotar o home office.
Na América Latina, o primeiro caso do novo coronavírus foi registrado no Brasil, em 26 de fevereiro. A primeira morte ocorreu na Argentina, em 7 de março. Este mapa da Americas Society/Council of the Americas mostra a atual contabilidade de casos na região e mostra que a doença já está presente em praticamente todos os países.
O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), Christopher Barnes, recomendou aos veículos de mídia da região a implementar e observar os parâmetros de referência do protocolo de saúde. Em nota, ele escreveu:
“Lamentavelmente, diferentemente de nossos colegas do setor privado, estamos na linha de frente deste campo de batalha e não podemos encerrar completamente as operações. Não devemos subestimar as preocupações de nossa equipe com relação à exposição; empatia, comunicação e transparência no que diz respeito a isso ajudará bastante a mantê-los motivados a realizar seu trabalho crítico”.
No Brasil, os maiores jornais do país, como Folha, Estadão e O Globo, vêm adotando medidas preventivas, enquanto buscam manter o padrão da cobertura da crise. O maior país da região também tem a maior quantidade de casos do novo coronavírus.
Nesta terça 17 de março, o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado na Editora Globo, que edita os jornais O Globo e Extra, além da Revista Época e outras publicações. As medidas de prevenção começaram na semana anterior. Desde a sexta-feira, dia 13, os funcionários foram orientados a trabalhar de casa quando possível. O diretor de redação do Globo, Alan Gripp, estima que 40% da redação esteja nesta situação, o que ele acredita que deve aumentar nos próximos dias.
“Por ora, disponibilizamos máscaras para aqueles que se sentirem mais seguros, embora especialistas apontem que o uso só é recomendado para pessoas com sintomas. Também estamos adquirindo outros equipamentos sugeridos em protocolos internacionais montados para a cobertura da pandemia. Mas, como regra geral, evitaremos expor nossos funcionários a risco,” disse Gripp ao Centro Knight.
Na Argentina, todos os veículos do grupo Cimeco iniciaram nesta semana a testar um modelo de trabalho remoto em suas redações. A empresa edita os jornais La Voz del Interior (Córdoba), Los Andes (Mendoza), a revista Rumbos e o portal Vía País. O diretor editorial do grupo, Carlos Jornet, informou ao Centro Knight que as redações devem se tornar remotas quase que na totalidade nos próximos dias.
“Por enquanto, estamos realizando testes-piloto nos quais aproximadamente um terço da equipe das edições impressas trabalha todos os dias em casa. No caso de sites, em alguns deles a tarefa toda é remota. E em outros, apenas editores-chefes vão à redação,” disse Jornet.
Ele admite que um dos desafios é manter os níveis de qualidade e quantidade de reportagens e artigos enquanto essas medidas são implementadas.
“Na medida em que se restringe a circulação é restrita e o número de casos em nossas áreas de cobertura cresce, aumenta também a preocupação daqueles que precisam trabalhar em áreas críticas, como hospitais, laboratórios onde são realizados testes e aeroportos. Isso inclui jornalistas e fotógrafos. E para isso, desenvolvemos protocolos de ação que estamos começando a implementar,” disse.
Também na Argentina, o Diário Huarpe, de San Juan, iniciou nesta semana a adotar medidas de prevenção ao novo coronavírus. O próprio chefe de redação, Abel Escudero Zadrayec, está de quarentena obrigatória depois de voltar de viagem aos Estados Unidos.
“Existem várias ferramentas para fazer uma tarefa decente, mantendo a 'distância social': desde ligações telefônicas até redes sociais, serviços de mensagens e coleta de informações por outros meios (rádio, TV, sites etc.). Se houver algum caso especial, aplicamos os mecanismos de proteção recomendados pelos especialistas,” disse Zadrayec ao Centro Knight. "Até agora, não detectamos um impacto negativo. A redação do Diário Huarpe redobra seus esforços em tempos críticos para continuar a servir o público com jornalismo ético e de qualidade. Esse é o nosso mandato inalienável."
Na Colômbia, um dos maiores jornais do país, El Espectador, colocou quase todos os funcionários para trabalhar de casa, segundo o gerente digital Edwin Bohórquez Aya: “A maioria de nós está de home office por razões de saúde pública. Vale mesmo para design e correção de estilo, pois os jornalistas já estão acostumados.”
Além dos veículos tradicionais, muitas dos novos meios digitais que nasceram nos últimos anos na América Latina também estão adotando medidas preventivas. É o caso no Brasil, de Agência Pública, JOTA e Congresso em Foco. Os três estão com 100% das suas redações fechadas. No caso do Congresso em Foco, especializado na cobertura do Legislativo federal, os jornalistas estão proibidos de entrar no Congresso:
“Desde quinta-feira [12 de março], saímos do Congresso e, não voltamos mais, nem vamos voltar até passar o risco. A gente tem um acesso bom aos políticos, às fontes que a gente precisa, que são os parlamentares e seus assessores. (...) O Congresso representa um risco muito grande. Os parlamentares viajam muito, abraçam, beijam, pegam [crianças] no colo. É uma atividade de contato com o público,” disse ao Centro Knight Sylvio Costa, fundador e editor-chefe do site.
No JOTA, que cobre todos os ramos do governo, a medida foi facilitada pelo fato de a empresa, que tem cinco anos, já ter uma cultura forte de trabalho remoto, incluindo as suas principais lideranças. Apenas recentemente as redações de São Paulo e de Brasília se mudaram para um espaço próprio – até então, vinham trabalhando em co-workings.
“Nosso time de repórteres em Brasília fica nas instituições que cobre. Esse é o caso mais difícil de solucionar. Nossa orientação, enviada na semana passada, é para que todos trabalhem de casa e que as exceções sejam analisadas individualmente,” disse ao Centro Knight Felipe Seligman, sócio-fundador do JOTA e também Chief Revenue Officer. Ele disse também que como algumas das instituições cobertas pela equipe também suspenderam suas atividades, então a cobertura priorizará informações de bastidores e outros assuntos relacionados ao novo coronavírus.
Na Agência Pública, a principal medida foi suspender o trabalho na redação desde segunda-feira, dia 16 de março. “O mais importante, além da saúde da nossa equipe, é cumprirmos o nosso papel social para evitar que o pico do COVID seja tão prejudicial como foi em outros países afetados. Estamos focando nossa cobertura investigativa no tema, em especial em termos de dados, mas tudo está sendo coordenado remotamente. Pretendemos manter o ritmo e a qualidade das publicações desta maneira,” disse Natalia Viana, fundadora da Pública, ao Centro Knight.
Em La Voz de Guanacaste, da Costa Rica, a equipe de nove pessoas também foi orientada a trabalhar de casa. A ideia, assim como em outros meios, é testar como funcionará a produção remota e identificar e ajustar falhas que encontrem pelo caminho. No entanto, a diretora executiva Emiliana García antecipa um aumento de gastos não previstos caso a crise se prolongue: “Os jornalistas, ao trabalharem de casa, estão usando seus próprios telefones celulares e conexão à Internet, o que representa uma nova despesa que o La Voz vai cobrir e que não está dentro do nosso orçamento.,” disse ela ao Centro Knight.
* Com colaboração de Teresa Mioli
Na medida em que o novo coronavírus se espalha pela América Latina, redações da região adotam medidas para prevenir o contágio e proteger suas equipes. Entre elas, colocar jornalistas que chegaram recentemente do exterior em quarentena, evitar apurações presenciais e, quando possível, adotar o home office.
Na América Latina, o primeiro caso do novo coronavírus foi registrado no Brasil, em 26 de fevereiro. A primeira morte ocorreu na Argentina, em 7 de março. Este mapa da Americas Society/Council of the Americas mostra a atual contabilidade de casos na região e mostra que a doença já está presente em praticamente todos os países.
O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), Christopher Barnes, recomendou aos veículos de mídia da região a implementar e observar os parâmetros de referência do protocolo de saúde. Em nota, ele escreveu:
“Lamentavelmente, diferentemente de nossos colegas do setor privado, estamos na linha de frente deste campo de batalha e não podemos encerrar completamente as operações. Não devemos subestimar as preocupações de nossa equipe com relação à exposição; empatia, comunicação e transparência no que diz respeito a isso ajudará bastante a mantê-los motivados a realizar seu trabalho crítico”.
No Brasil, os maiores jornais do país, como Folha, Estadão e O Globo, vêm adotando medidas preventivas, enquanto buscam manter o padrão da cobertura da crise. O maior país da região também tem a maior quantidade de casos do novo coronavírus.
Nesta terça 17 de março, o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado na Editora Globo, que edita os jornais O Globo e Extra, além da Revista Época e outras publicações. As medidas de prevenção começaram na semana anterior. Desde a sexta-feira, dia 13, os funcionários foram orientados a trabalhar de casa quando possível. O diretor de redação do Globo, Alan Gripp, estima que 40% da redação esteja nesta situação, o que ele acredita que deve aumentar nos próximos dias.
“Por ora, disponibilizamos máscaras para aqueles que se sentirem mais seguros, embora especialistas apontem que o uso só é recomendado para pessoas com sintomas. Também estamos adquirindo outros equipamentos sugeridos em protocolos internacionais montados para a cobertura da pandemia. Mas, como regra geral, evitaremos expor nossos funcionários a risco,” disse Gripp ao Centro Knight.
Na Argentina, todos os veículos do grupo Cimeco iniciaram nesta semana a testar um modelo de trabalho remoto em suas redações. A empresa edita os jornais La Voz del Interior (Córdoba), Los Andes (Mendoza), a revista Rumbos e o portal Vía País. O diretor editorial do grupo, Carlos Jornet, informou ao Centro Knight que as redações devem se tornar remotas quase que na totalidade nos próximos dias.
“Por enquanto, estamos realizando testes-piloto nos quais aproximadamente um terço da equipe das edições impressas trabalha todos os dias em casa. No caso de sites, em alguns deles a tarefa toda é remota. E em outros, apenas editores-chefes vão à redação,” disse Jornet.
Ele admite que um dos desafios é manter os níveis de qualidade e quantidade de reportagens e artigos enquanto essas medidas são implementadas.
“Na medida em que se restringe a circulação é restrita e o número de casos em nossas áreas de cobertura cresce, aumenta também a preocupação daqueles que precisam trabalhar em áreas críticas, como hospitais, laboratórios onde são realizados testes e aeroportos. Isso inclui jornalistas e fotógrafos. E para isso, desenvolvemos protocolos de ação que estamos começando a implementar,” disse.
Também na Argentina, o Diário Huarpe, de San Juan, iniciou nesta semana a adotar medidas de prevenção ao novo coronavírus. O próprio chefe de redação, Abel Escudero Zadrayec, está de quarentena obrigatória depois de voltar de viagem aos Estados Unidos.
“Existem várias ferramentas para fazer uma tarefa decente, mantendo a 'distância social': desde ligações telefônicas até redes sociais, serviços de mensagens e coleta de informações por outros meios (rádio, TV, sites etc.). Se houver algum caso especial, aplicamos os mecanismos de proteção recomendados pelos especialistas,” disse Zadrayec ao Centro Knight. "Até agora, não detectamos um impacto negativo. A redação do Diário Huarpe redobra seus esforços em tempos críticos para continuar a servir o público com jornalismo ético e de qualidade. Esse é o nosso mandato inalienável."
Na Colômbia, um dos maiores jornais do país, El Espectador, colocou quase todos os funcionários para trabalhar de casa, segundo o gerente digital Edwin Bohórquez Aya: “A maioria de nós está de home office por razões de saúde pública. Vale mesmo para design e correção de estilo, pois os jornalistas já estão acostumados.”
Além dos veículos tradicionais, muitas dos novos meios digitais que nasceram nos últimos anos na América Latina também estão adotando medidas preventivas. É o caso no Brasil, de Agência Pública, JOTA e Congresso em Foco. Os três estão com 100% das suas redações fechadas. No caso do Congresso em Foco, especializado na cobertura do Legislativo federal, os jornalistas estão proibidos de entrar no Congresso:
“Desde quinta-feira [12 de março], saímos do Congresso e, não voltamos mais, nem vamos voltar até passar o risco. A gente tem um acesso bom aos políticos, às fontes que a gente precisa, que são os parlamentares e seus assessores. (...) O Congresso representa um risco muito grande. Os parlamentares viajam muito, abraçam, beijam, pegam [crianças] no colo. É uma atividade de contato com o público,” disse ao Centro Knight Sylvio Costa, fundador e editor-chefe do site.
No JOTA, que cobre todos os ramos do governo, a medida foi facilitada pelo fato de a empresa, que tem cinco anos, já ter uma cultura forte de trabalho remoto, incluindo as suas principais lideranças. Apenas recentemente as redações de São Paulo e de Brasília se mudaram para um espaço próprio – até então, vinham trabalhando em co-workings.
“Nosso time de repórteres em Brasília fica nas instituições que cobre. Esse é o caso mais difícil de solucionar. Nossa orientação, enviada na semana passada, é para que todos trabalhem de casa e que as exceções sejam analisadas individualmente,” disse ao Centro Knight Felipe Seligman, sócio-fundador do JOTA e também Chief Revenue Officer. Ele disse também que como algumas das instituições cobertas pela equipe também suspenderam suas atividades, então a cobertura priorizará informações de bastidores e outros assuntos relacionados ao novo coronavírus.
Na Agência Pública, a principal medida foi suspender o trabalho na redação desde segunda-feira, dia 16 de março. “O mais importante, além da saúde da nossa equipe, é cumprirmos o nosso papel social para evitar que o pico do COVID seja tão prejudicial como foi em outros países afetados. Estamos focando nossa cobertura investigativa no tema, em especial em termos de dados, mas tudo está sendo coordenado remotamente. Pretendemos manter o ritmo e a qualidade das publicações desta maneira,” disse Natalia Viana, fundadora da Pública, ao Centro Knight.
Em La Voz de Guanacaste, da Costa Rica, a equipe de nove pessoas também foi orientada a trabalhar de casa. A ideia, assim como em outros meios, é testar como funcionará a produção remota e identificar e ajustar falhas que encontrem pelo caminho. No entanto, a diretora executiva Emiliana García antecipa um aumento de gastos não previstos caso a crise se prolongue: “Os jornalistas, ao trabalharem de casa, estão usando seus próprios telefones celulares e conexão à Internet, o que representa uma nova despesa que o La Voz vai cobrir e que não está dentro do nosso orçamento.,” disse ela ao Centro Knight.
quarta-feira, 18 de março de 2020
O bloco dos anormais...
Donald Trump minimizou o coronavírus e os Estados Unidos perderam tempo no combate à pandemia. Para ele, não passava de uma simples gripe e a mídia exagerava.
O boneco de ventríloquo brasileiro, o desmiolado Bolsonaro, repetiu o conceito do americano. "É histeria", decretou, o capitão inativo que tem adeptos da teoria no Planalto e entre seus milicianos digitais.
Agora fica claro que as coletivas dadas pelo governo brasileiro não correspondiam inteiramente à realidade. Muito papo e pouca ação. Alguns governo estaduais e municipais foram mais realistas. As autoridades federais da saúde, como declararam insistentemente, foram contrárias por semanas demais, e em alguns casos continuam resistentes, a medidas que governos de outros países tomaram, como suspensão de atividades, controle rigoroso de aeroportos e portos, posterior fechamento de fronteiras, isolamento social, e testagem em massa da população.
Como a Itália, o Brasil perdeu tempo. E mesmo assim, o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, já está sendo fritado por Bolsonaro e até pelo presidente da Anvisa, Antonio Torres, que se contrapõe a medidas restritivas. É adepto da "teoria da histeria".
Boris Johnson, do Reino Unido, agora exagerou. Defende um dogma hitlerista, o da "seleção" da espécie humana. Ele, que também demora a tomar medias mais fortes, advoga a "imunização do rebanho". Significa que uma contaminação em massa poderia gerar um "imunização coletiva". Claro que muitas pessoas mais frágeis ficariam pelo caminho, mas em uma "seleção da espécie" sobreviveriam os mais fortes.
O que une essas figuras? São da ultra direita que prefere preservar ao máximo o mercado, antes das pessoas.
O boneco de ventríloquo brasileiro, o desmiolado Bolsonaro, repetiu o conceito do americano. "É histeria", decretou, o capitão inativo que tem adeptos da teoria no Planalto e entre seus milicianos digitais.
Agora fica claro que as coletivas dadas pelo governo brasileiro não correspondiam inteiramente à realidade. Muito papo e pouca ação. Alguns governo estaduais e municipais foram mais realistas. As autoridades federais da saúde, como declararam insistentemente, foram contrárias por semanas demais, e em alguns casos continuam resistentes, a medidas que governos de outros países tomaram, como suspensão de atividades, controle rigoroso de aeroportos e portos, posterior fechamento de fronteiras, isolamento social, e testagem em massa da população.
Como a Itália, o Brasil perdeu tempo. E mesmo assim, o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, já está sendo fritado por Bolsonaro e até pelo presidente da Anvisa, Antonio Torres, que se contrapõe a medidas restritivas. É adepto da "teoria da histeria".
Boris Johnson, do Reino Unido, agora exagerou. Defende um dogma hitlerista, o da "seleção" da espécie humana. Ele, que também demora a tomar medias mais fortes, advoga a "imunização do rebanho". Significa que uma contaminação em massa poderia gerar um "imunização coletiva". Claro que muitas pessoas mais frágeis ficariam pelo caminho, mas em uma "seleção da espécie" sobreviveriam os mais fortes.
O que une essas figuras? São da ultra direita que prefere preservar ao máximo o mercado, antes das pessoas.
Para ver e ouvir no confinamento...
Quando produziu o musical "A Noviça Rebelde" no Brasil, Claudio Botelho criou uma versão de "Me Favorite Things" que vale transcrever nesses tempos de confinamento e coronavírus.
Diante das grande ameaça, o refúgio na grandeza dos pequenos prazeres. É o que ensina o leitor que deu a dica ao blog.
De Richard Rogers e Oscar Hammerstein II / Versão Cláudio Botelho
"COISAS QUE EU AMO"
“Gota de chuva, bigode de gato
Laço de fita, cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Doce na mesa e sol na cozinha
Bico de pato e chapéu de palhinha
Banda passando e soando o clarim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Lona de circo e tapete de grama
Bola de neve, botão de pijama
Doces invernos chegando no fim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem
Gota de chuva, bigode de gato
Laço de fita, cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Língua de trapo e bochecha vermelha
Lua passando na fresta da telha
Brisa soprando e penteando o jardim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Bola de gude, nariz de cachorro
Uma igrejinha no alto do morro
Carta contando tintin por tintin
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto…
Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem”
VEJA A CENA NO MUSICAL E OUÇA KIARA SASSO E MIRNA RUBIN. AQUI
Diante das grande ameaça, o refúgio na grandeza dos pequenos prazeres. É o que ensina o leitor que deu a dica ao blog.
De Richard Rogers e Oscar Hammerstein II / Versão Cláudio Botelho
"COISAS QUE EU AMO"
“Gota de chuva, bigode de gato
Laço de fita, cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Doce na mesa e sol na cozinha
Bico de pato e chapéu de palhinha
Banda passando e soando o clarim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Lona de circo e tapete de grama
Bola de neve, botão de pijama
Doces invernos chegando no fim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem
Gota de chuva, bigode de gato
Laço de fita, cordão de sapato
Flor na janela e botão no capim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Língua de trapo e bochecha vermelha
Lua passando na fresta da telha
Brisa soprando e penteando o jardim
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Bola de gude, nariz de cachorro
Uma igrejinha no alto do morro
Carta contando tintin por tintin
Coisas que eu amo e são tudo pra mim
Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto…
Se a tristeza, se a saudade
De repente vem
Eu lembro das coisas que eu amo e então
De novo eu me sinto bem”
VEJA A CENA NO MUSICAL E OUÇA KIARA SASSO E MIRNA RUBIN. AQUI
terça-feira, 17 de março de 2020
1960, na Paris do Acossado • Por Roberto Muggiati
Exclusivo para o Panis Cum Ovum
Eu estava lá. Tinha 23 anos, quatro a menos que Michel Poiccard, um a mais que Patricia Franchini. Cheguei a Paris numa sexta-feira de outubro de 1960, as árvores queimando em tons amarelo, laranja, vermelho, ferrugem. Joguei as malas na Maison du Brésil e fui correndo a um concerto de jazz com Bud Powell.
No Acossado, Godard não faz um comentário político ou social sequer – coisa que faria obsessivamente nos filmes seguintes. Apenas uma piadinha cínica: quando quer levar Patricia para a cama, Michel alega que seria em nome da maior aproximação franco-americana, Naquele momento o Presidente Eisenhower visita Paris e Godard sacaneia o espectador com cenas do desfile captadas por entre as arvores: justo quando o carro presidencial embica na tela. uma árvore oculta a visão de Eisenhower e De Gaulle...
Na primavera de 61, outro presidente americano desfilava pelos Champs Élysées, os franceses se orgulhavam da ascendência de Jacqueline Bouvier Kennedy. Mas, um mês antes, JFK sujara sua biografia com a desastrada invasão da Baía dos Porcos em Cuba. Num café de calçada em Saint Germain, lembro a indignação do amigo Gregory Corso, o poeta beat.
Troquei a periférica Cité Universitaire pelo centro histórico de Paris, a Île de la Cité. Morava no 29, Place Dauphine – que o jornalista Jacques Lanzmann chamou “A Vagina de Paris” – numa mansarda do City Hôtel, onde o “Pai do Surrealismo” André Breton se acoitou nos anos 1920. Estudava no Centre de Formation des Journalistes, no 29, rue du Louvre, ia a pé, atravessava toda noite o fabuloso mercado Les Halles, que Zola chamou “O Ventre de Paris” (completando as metáforas fisiológicas da cidade: a Place de la Concorde, exaltada por Michel Poiccard em Acossado, é “O Umbigo de Paris”, lá o cutelo da guilhotina teve seu dia de glória na Revolução Francesa. Toda vez que passava pelos Champs Élysées, comprava o New York Herald Tribune, na esperança vã de que a vendeuse fosse Patricia Franchini, sem sutiã debaixo da camiseta amarela – Michel Poiccard aponta isso, com um dedo lascivo, no Acossado.
Eu estava lá. Tinha 23 anos, quatro a menos que Michel Poiccard, um a mais que Patricia Franchini. Cheguei a Paris numa sexta-feira de outubro de 1960, as árvores queimando em tons amarelo, laranja, vermelho, ferrugem. Joguei as malas na Maison du Brésil e fui correndo a um concerto de jazz com Bud Powell.
No Acossado, Godard não faz um comentário político ou social sequer – coisa que faria obsessivamente nos filmes seguintes. Apenas uma piadinha cínica: quando quer levar Patricia para a cama, Michel alega que seria em nome da maior aproximação franco-americana, Naquele momento o Presidente Eisenhower visita Paris e Godard sacaneia o espectador com cenas do desfile captadas por entre as arvores: justo quando o carro presidencial embica na tela. uma árvore oculta a visão de Eisenhower e De Gaulle...
Na primavera de 61, outro presidente americano desfilava pelos Champs Élysées, os franceses se orgulhavam da ascendência de Jacqueline Bouvier Kennedy. Mas, um mês antes, JFK sujara sua biografia com a desastrada invasão da Baía dos Porcos em Cuba. Num café de calçada em Saint Germain, lembro a indignação do amigo Gregory Corso, o poeta beat.
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Place Dauphine |
Roberto Muggiati escreve hoje na Folha de São Paulo sobre os 60 anos do filme "Acossado"
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Folha de São Paulo 17/3/2020. Clique 2x para ampliar |
Paris, 1960. Jean-Luc Godard dirige seu primeiro filme. As cenas são gravadas nas ruas da cidade, sem roteiro. Godard entrega algumas falas aos atores pouco antes de mandar a câmera rodar. Em apenas quatro semanas, conclui as filmagens.
Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, estudava no Centre de Formation des Journalistes e testemunhou o nascimento da Nouvelle Vague há exatos 60 anos.
Ele escreve na Folha, hoje, sobre À Bout de Soufle (Acossado).
Muggiati conta que em 1961 morava na Île de la Cité, no quinto andar do City Hôtel, janela para o Sena, quando viu uma mulher usando um vestido estilo belle époque se atirar, à noite, nas águas geladas do rio. "Só muito tempo depois, ao ver o filme, saquei que era a dublê de Jeanne Moreau em Jules e Jim".
Dessa época é a foto acima: "Caminho pela Place Dauphine (“le vagin de Paris”), France Soir na mão como o Michel Poiccard (o Belmondo no Acossado), sou acossado por um tira de imperméable, à esquerda ao fundo", recorda Muggiati.
Na foto acima, Belmondo e Jean Seberg e uma cena do clássico de Godard. Também à esquerda, ao fundo, um sujeito com pinta de flic disfarçado...
segunda-feira, 16 de março de 2020
Olga Kurylenko: a bond girl que não escapou do vírus vilão
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Olha Kurylenko ao lado do 007 Daniel Craig, no filme "Quantum os Solace". |
Tóquio 2020: campanha publicitária com atletas provoca polêmica
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A atleta Quenn Harrison é uma das modelos da campanha. Foto Agent Provocateur |
por Niko Bolontrin
Se vai acontecer ou não, a Olimpíada de Tóquio já tem pelo menos uma certeza: perdeu espaço na mídia para o coronavírus. Em tempos normais, a mídia já começava a se voltar para os Jogos. Ontem, por exemplo, passou quase despercebida a entrega da tocha olímpica, na Grécia, antes de percorrer vários países até chegar ao Japão.
Se chegar. o Comitê Olímpico ainda não decidiu se cancela ou adia as competições.
Por enquanto, o que ganhou espaço foi uma polêmica. A grife de moda íntima britânica Agent Provocateur fez sua campanha de lançamento da coleção Verão 2020 só com atletas. Nos Estados Unidos, os vídeos foram ao ar no Dia Internacional da Mulher. Feministas consideraram o tema e a oportunidade uma tremenda provocação.
De resto, tudo a ver com o nome da griffe.
Um dos destaques entre as modelos da marca é a bela Queen Harrinson, especialista em 400 metros com barreiras (foto no alto).
Outra que chama atenção é Alysha Newman, do salto com vara, vista aí enquanto se aquecia.
Foto Agent Provocateur.
VEJA O VÍDEO DA CAMPANHA, AQUI
Coronavírus: seu egoísmo pode matar
por Andrew Fishman (editor geral do Intercept Brasil)
É um crime gritar "fogo!" num teatro cheio. O resultado é criar um pânico em que pessoas inocentes – particularmente as mais vulneráveis – podem ser pisoteadas e mortas. Mas também deveria ser um crime gritar "está tudo ok, fiquem sentados e assistam à peça!" num teatro que está sendo consumido por chamas. As pessoas precisam saber do risco, levantar e caminhar com calma – mas rapidamente – para a saída.
Na pandemia de coronavírus que está se espalhando pelo mundo, estamos vendo respostas de todos os tipos. Sim, temos casos de pessoas irracionalmente empilhando papel higiênico. Mas, ao meu ver, a resposta ainda mais comum e perigosa é a negação do forte cheiro de fumaça que já podemos sentir.
O teatro está, sim, em chamas.
O balanço entre pânico e inércia é difícil de acertar, pois nunca vivemos uma situação assim na era contemporânea. Mas o importante é que todo mundo reconheça: desta vez não é como nas últimas vezes. Não é dengue, nem H1N1, nem febre amarela, e precisamos estar dispostos a mudar radicalmente nossos modos de vida – e talvez até o jeito que pensamos sobre a sociedade em que vivemos. E a razão, provavelmente, não é para proteger a si mesmo, mas para ajudar a sociedade como um todo e as pessoas mais frágeis e expostas. É hora de pensar nos outros de fato.
Em momentos de crise, as fissuras sociais e o caráter de todos nós são acentuados. Vivemos em tempos de extremo capitalismo em que os Guedes, Temers e Trumps querem sucatear os serviços sociais e glorificar a privatização e o livre mercado – mas, concordando com eles ou não, o individualismo que é a base do nosso sistema socioeconômico já impregnou a consciência de todos nós. Vamos ter que repensar isso agora.
É socialmente irresponsável – uma negligência absurda – dizer e pensar "isso não vai me afetar", "eu não vou mudar a minha vida por causa disso" ou "não faço parte de grupos de alto risco, então estou de boas". É responsabilidade de todos levantar nossas vozes quando vemos esse tipo de discurso e corrigi-lo. Do mesmo jeito que ficar calado quando presenciamos racismo, sexismo, classismo e fascismo é compactuar com estes comportamentos, fechar os olhos para esse tipo de individualismo agora também é contribuir para sua existência.
Um exemplo horrível disso foi relatado na coluna do Lauro Jardim sobre o primeiro caso de transmissão local do novo coronavírus no Rio de Janeiro. Um "empresário" e sua esposa foram infectados e se colocaram em quarentena no seu apartamento em São Conrado, bairro de classe alta da zona sul. "A empregada do casal, cujo exame deu negativo, está trabalhando de avental, luvas e máscara", revelou a coluna.
Este casal exigiu que a empregada arrisque a vida dela e de sua família para trabalhar num ambiente infectado, usando medidas de prevenção que não impedem a transmissão. Se eles próprios não estivessem doentes, você acha que aceitariam trabalhar em um ambiente cheio de pessoas infectadas? Ou isso só é aceitável para as pessoas que os servem? Se a empregada ou alguém que mora com ela estivesse doente, eles manteriam ela trabalhando? Deixariam seus filhos fazerem isso? Será que a empregada realmente pôde fazer uma escolha livre ou estava preocupada com a possibilidade de perder o emprego caso se recusasse a servir o casal doente?
Todo mundo que tem um salário, que tem uma poupança, que tem um trabalho que pode ser feito remotamente, que vive em uma casa que comporta confortavelmente seus moradores, que tem um carro para não precisar usar transporte público – essas pessoas são privilegiadas neste cenário. Não por acaso, provavelmente são os mais privilegiados na sociedade também.
Enquanto escrevo isso, 126 mil pessoas foram confirmadas com o novo coronavírus no mundo (e muito mais gente assintomática está andando nas ruas sem perceber que precisa de um teste), incluindo 151 casos no Brasil. O número por aqui vai aumentar dramaticamente nos próximos dias e a pressão no sistema de saúde também. O único método que temos para conter os estragos e as mortes é a conscientização e a pressão para que os líderes de governos, empresas e movimentos sociais façam de tudo para as pessoas ficarem em casa e reduzir seu contato social – e isso é algo que todos nós podemos fazer.
Após o secretário de comunicação Fábio Wajngarten testar positivo para o novo coronavírus, foi muito correto que sua mulher retirasse seus filhos da escola e avisasse as outras mães do colégio. Por outro lado, foi extremamente irresponsável da parte de Bolsonaro, que viajou com Wajngarten e mais três pessoas que mostravam sintomas (como nós contamos aqui), parar em frente ao Palácio da Alvorada para apertar as mãos de apoiadores e tirar selfies com eles.
Mas, depois que a ficha caiu – quando bateu o medo de estar infectado –, Bolsonaro se submeteu a exames e fez sua live semanal no Facebook, ao lado do Ministro de Saúde, com máscaras e álcool em gel. Finalmente falou em medidas de prevenção de transmissão. Antes, o presidente havia se espelhado na negação de realidade do seu ídolo Donald Trump, chamando a reação ao novo coronavírus de "exagerada" e a pandemia de "uma fantasia".
Mas o comportamento do Bolsonaro é o da maioria das pessoas, na verdade: ele prefere viver negando os fatos até que alguém próximo ou ele mesmo tenha contato com o vírus. O problema é que se todo mundo espera para ter contato com o vírus para tomar medidas preventivas, elas já não serão mais preventivas. Já era. Seria o equivalente a só começar a usar camisinha depois de ficar grávida.
A Organização Mundial da Saúde declarou na sexta-feira que a Europa agora é o epicentro do vírus, e não a Ásia. Isso porque a China foi muito eficaz e organizada em suas medidas de contenção, e a Coreia do Sul também reagiu rapidamente para providenciar muitos testes e identificar casos logo, antes que a doença se espalhasse ainda mais. Japão, Taiwan, Singapura, Tailândia e Hong Kong foram ainda mais preparados.
Esses países asiáticos, devemos lembrar, foram muito afetados pela Síndrome Aguda Respiratória Grave, a Sars, em 2003. Por isso, se prepararam para a próxima crise. Em comparação, europeus e americanos estão sendo extremamente lentos na tomada de medidas percebidas como "drásticas". Os governos não queriam assustar os mercados financeiros, e os indivíduos não queriam acreditar que esse problema os envolvia. Agora, todos estão correndo atrás de novos testes e fechando escritórios, escolas, espaços públicos e, em alguns casos, até cidades inteiras. Tudo isso só depois que perceberam que estavam perdendo o controle. Parece o mesmo erro do Brasil agora.
Uma boa reportagem do BuzzFeed News nos EUA explica, com jeito de anedota, que as pessoas mais velhas, muitas vezes, são as mais propensas a negar os riscos de adoecer e a se recusar a mudar seus hábitos, mesmo que sejam também quem corre mais risco. Isso, explica a matéria, pode acontecer porque elas não querem se enxergar como "velhas" – mas é a obrigação dos mais jovens abrir os olhos delas sem assustá-las.
Então, o que você pode fazer para combater o novo coronavírus?
1. Insista que sua empresa ou escola tome medidas para prevenir o contato social;
2. Pense e exija que essas medidas também protejam as pessoas mais expostas, como seguranças, faxineiros e prestadores de serviços terceirizados;
3. Pare de ir a eventos e espaços cheios;
4. Pratique boa higiene;
5. Fique em casa por até 14 dias se você teve contato com alguém suspeito de ter coronavírus ou se você tem sintomas;
6. Só vá para o hospital se tiver sintomas graves ou tiver tido contato com alguém infectado;
7. Pare de apertar a mão e dar beijos de cumprimento nas pessoas;
8. Corrija todo mundo ao seu redor que não fizer isso.
Mas qual é o efeito de tudo isso? O vírus vai se espalhar de qualquer forma, né? Vai, mas olha esse gráfico mostra a taxa de mortalidade pelo surto de gripe espanhola de 1918 em duas cidades dos EUA. Saint Louis imediatamente fechou todos os espaços públicos após descobrir que a doença tinha chegado. Enquanto isso, a Filadélfia decidiu realizar uma grande festa de rua. Veja a diferença das taxas de mortalidade:
O outro efeito é limitar a pressão sobre o sistema de saúde. Veja esse gráfico tuitado por Max Roser:
Numa cidade como a Filadélfia em 1918, o sistema simplesmente não conseguiu tratar todos os casos graves, porque, além de o número ser maior, eles chegaram como uma inundação, todos ao mesmo tempo. O mesmo vale para a situação de agora: mais pessoas podem morrer desnecessariamente por falta de atendimento se muitas ficarem doentes num mesmo período.
Estamos juntos nisso, goste você ou não. Isso significa que uma manifestação em memória de Marielle precisa ser (e foi) cancelada, assim como o ato pró-Bolsonaro (que também foi), porque o vírus pode começar se espalhando nesses eventos – e, depois, ele não reconhece lado político.
Agora temos um inimigo maior em comum.
É um crime gritar "fogo!" num teatro cheio. O resultado é criar um pânico em que pessoas inocentes – particularmente as mais vulneráveis – podem ser pisoteadas e mortas. Mas também deveria ser um crime gritar "está tudo ok, fiquem sentados e assistam à peça!" num teatro que está sendo consumido por chamas. As pessoas precisam saber do risco, levantar e caminhar com calma – mas rapidamente – para a saída.
Na pandemia de coronavírus que está se espalhando pelo mundo, estamos vendo respostas de todos os tipos. Sim, temos casos de pessoas irracionalmente empilhando papel higiênico. Mas, ao meu ver, a resposta ainda mais comum e perigosa é a negação do forte cheiro de fumaça que já podemos sentir.
O teatro está, sim, em chamas.
O balanço entre pânico e inércia é difícil de acertar, pois nunca vivemos uma situação assim na era contemporânea. Mas o importante é que todo mundo reconheça: desta vez não é como nas últimas vezes. Não é dengue, nem H1N1, nem febre amarela, e precisamos estar dispostos a mudar radicalmente nossos modos de vida – e talvez até o jeito que pensamos sobre a sociedade em que vivemos. E a razão, provavelmente, não é para proteger a si mesmo, mas para ajudar a sociedade como um todo e as pessoas mais frágeis e expostas. É hora de pensar nos outros de fato.
Em momentos de crise, as fissuras sociais e o caráter de todos nós são acentuados. Vivemos em tempos de extremo capitalismo em que os Guedes, Temers e Trumps querem sucatear os serviços sociais e glorificar a privatização e o livre mercado – mas, concordando com eles ou não, o individualismo que é a base do nosso sistema socioeconômico já impregnou a consciência de todos nós. Vamos ter que repensar isso agora.
É socialmente irresponsável – uma negligência absurda – dizer e pensar "isso não vai me afetar", "eu não vou mudar a minha vida por causa disso" ou "não faço parte de grupos de alto risco, então estou de boas". É responsabilidade de todos levantar nossas vozes quando vemos esse tipo de discurso e corrigi-lo. Do mesmo jeito que ficar calado quando presenciamos racismo, sexismo, classismo e fascismo é compactuar com estes comportamentos, fechar os olhos para esse tipo de individualismo agora também é contribuir para sua existência.
Um exemplo horrível disso foi relatado na coluna do Lauro Jardim sobre o primeiro caso de transmissão local do novo coronavírus no Rio de Janeiro. Um "empresário" e sua esposa foram infectados e se colocaram em quarentena no seu apartamento em São Conrado, bairro de classe alta da zona sul. "A empregada do casal, cujo exame deu negativo, está trabalhando de avental, luvas e máscara", revelou a coluna.
Este casal exigiu que a empregada arrisque a vida dela e de sua família para trabalhar num ambiente infectado, usando medidas de prevenção que não impedem a transmissão. Se eles próprios não estivessem doentes, você acha que aceitariam trabalhar em um ambiente cheio de pessoas infectadas? Ou isso só é aceitável para as pessoas que os servem? Se a empregada ou alguém que mora com ela estivesse doente, eles manteriam ela trabalhando? Deixariam seus filhos fazerem isso? Será que a empregada realmente pôde fazer uma escolha livre ou estava preocupada com a possibilidade de perder o emprego caso se recusasse a servir o casal doente?
Todo mundo que tem um salário, que tem uma poupança, que tem um trabalho que pode ser feito remotamente, que vive em uma casa que comporta confortavelmente seus moradores, que tem um carro para não precisar usar transporte público – essas pessoas são privilegiadas neste cenário. Não por acaso, provavelmente são os mais privilegiados na sociedade também.
Enquanto escrevo isso, 126 mil pessoas foram confirmadas com o novo coronavírus no mundo (e muito mais gente assintomática está andando nas ruas sem perceber que precisa de um teste), incluindo 151 casos no Brasil. O número por aqui vai aumentar dramaticamente nos próximos dias e a pressão no sistema de saúde também. O único método que temos para conter os estragos e as mortes é a conscientização e a pressão para que os líderes de governos, empresas e movimentos sociais façam de tudo para as pessoas ficarem em casa e reduzir seu contato social – e isso é algo que todos nós podemos fazer.
Após o secretário de comunicação Fábio Wajngarten testar positivo para o novo coronavírus, foi muito correto que sua mulher retirasse seus filhos da escola e avisasse as outras mães do colégio. Por outro lado, foi extremamente irresponsável da parte de Bolsonaro, que viajou com Wajngarten e mais três pessoas que mostravam sintomas (como nós contamos aqui), parar em frente ao Palácio da Alvorada para apertar as mãos de apoiadores e tirar selfies com eles.
Mas, depois que a ficha caiu – quando bateu o medo de estar infectado –, Bolsonaro se submeteu a exames e fez sua live semanal no Facebook, ao lado do Ministro de Saúde, com máscaras e álcool em gel. Finalmente falou em medidas de prevenção de transmissão. Antes, o presidente havia se espelhado na negação de realidade do seu ídolo Donald Trump, chamando a reação ao novo coronavírus de "exagerada" e a pandemia de "uma fantasia".
Mas o comportamento do Bolsonaro é o da maioria das pessoas, na verdade: ele prefere viver negando os fatos até que alguém próximo ou ele mesmo tenha contato com o vírus. O problema é que se todo mundo espera para ter contato com o vírus para tomar medidas preventivas, elas já não serão mais preventivas. Já era. Seria o equivalente a só começar a usar camisinha depois de ficar grávida.
A Organização Mundial da Saúde declarou na sexta-feira que a Europa agora é o epicentro do vírus, e não a Ásia. Isso porque a China foi muito eficaz e organizada em suas medidas de contenção, e a Coreia do Sul também reagiu rapidamente para providenciar muitos testes e identificar casos logo, antes que a doença se espalhasse ainda mais. Japão, Taiwan, Singapura, Tailândia e Hong Kong foram ainda mais preparados.
Esses países asiáticos, devemos lembrar, foram muito afetados pela Síndrome Aguda Respiratória Grave, a Sars, em 2003. Por isso, se prepararam para a próxima crise. Em comparação, europeus e americanos estão sendo extremamente lentos na tomada de medidas percebidas como "drásticas". Os governos não queriam assustar os mercados financeiros, e os indivíduos não queriam acreditar que esse problema os envolvia. Agora, todos estão correndo atrás de novos testes e fechando escritórios, escolas, espaços públicos e, em alguns casos, até cidades inteiras. Tudo isso só depois que perceberam que estavam perdendo o controle. Parece o mesmo erro do Brasil agora.
Uma boa reportagem do BuzzFeed News nos EUA explica, com jeito de anedota, que as pessoas mais velhas, muitas vezes, são as mais propensas a negar os riscos de adoecer e a se recusar a mudar seus hábitos, mesmo que sejam também quem corre mais risco. Isso, explica a matéria, pode acontecer porque elas não querem se enxergar como "velhas" – mas é a obrigação dos mais jovens abrir os olhos delas sem assustá-las.
Então, o que você pode fazer para combater o novo coronavírus?
1. Insista que sua empresa ou escola tome medidas para prevenir o contato social;
2. Pense e exija que essas medidas também protejam as pessoas mais expostas, como seguranças, faxineiros e prestadores de serviços terceirizados;
3. Pare de ir a eventos e espaços cheios;
4. Pratique boa higiene;
5. Fique em casa por até 14 dias se você teve contato com alguém suspeito de ter coronavírus ou se você tem sintomas;
6. Só vá para o hospital se tiver sintomas graves ou tiver tido contato com alguém infectado;
7. Pare de apertar a mão e dar beijos de cumprimento nas pessoas;
8. Corrija todo mundo ao seu redor que não fizer isso.
Mas qual é o efeito de tudo isso? O vírus vai se espalhar de qualquer forma, né? Vai, mas olha esse gráfico mostra a taxa de mortalidade pelo surto de gripe espanhola de 1918 em duas cidades dos EUA. Saint Louis imediatamente fechou todos os espaços públicos após descobrir que a doença tinha chegado. Enquanto isso, a Filadélfia decidiu realizar uma grande festa de rua. Veja a diferença das taxas de mortalidade:
O outro efeito é limitar a pressão sobre o sistema de saúde. Veja esse gráfico tuitado por Max Roser:
Numa cidade como a Filadélfia em 1918, o sistema simplesmente não conseguiu tratar todos os casos graves, porque, além de o número ser maior, eles chegaram como uma inundação, todos ao mesmo tempo. O mesmo vale para a situação de agora: mais pessoas podem morrer desnecessariamente por falta de atendimento se muitas ficarem doentes num mesmo período.
Estamos juntos nisso, goste você ou não. Isso significa que uma manifestação em memória de Marielle precisa ser (e foi) cancelada, assim como o ato pró-Bolsonaro (que também foi), porque o vírus pode começar se espalhando nesses eventos – e, depois, ele não reconhece lado político.
Agora temos um inimigo maior em comum.
Se segura, malandro...
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Reprodução |
O Ministério da Saúde foi elogiado nos meios de comunicação, até com repetitiva ênfase e pressa, pela transparência, pela comunicação e pelos anúncios iniciais de
preparação dos serviços públicos para enfrentar a pandemia.
Mas começa a recebe as primeiras críticas.
Especialistas agora admitem que o governo deixou exposto seu nervo neoliberal ao não tomar medidas restritivas logo no começo. Foi a a linha "o Estado não deve se meter na vida do cidadão", defendida por Demétrio Magnoli em participações na Globo News.
Assim aeroportos, portos e demais fronteiras ficaram abertos, sem vigilância, sem controle. E esse método, o da Casa da Mãe Joana, em que o Brasil é único, foi várias vezes defendido em coletivas. Ora, se até o capitão inativo diz que a epidemia é exagerada pela mídia e distribui cumprimentos em aglomeração de pessoas, porque seus auxiliares iriam na contramão do pensamento do chefe?
Só agora, governos estaduais começam a fechar escolas, proibir grandes eventos etc. Para autoridades federais, a palavra até agora foi apenas "recomendação" e não proibição.
O Globo de hoje, no estilo ficha caindo, aponta que a evolução de casos no Brasil segue "tendência do fracasso europeu". "Só um grupo de países asiáticos conseguiu evitar o crescimento exponencial do novo coronavírus", diz o jornal. Esses países foram rigorosos ao decretar medidas restritivas, decretar, não "recomendar".
Um dos efeitos do último verbo o Rio viu ontem nas praias e botecos lotados, apesar da "recomendação" do governo do estado.
domingo, 15 de março de 2020
Você quer se voluntariar para ser infectado por coronavírus e descolar uma grana?
O laboratório Queen Mary BioEntreprises precisa de voluntários para testes de vacinas contra o covid-19. Após a inoculação do vírus, o candidato passará a quarentena em Londres. Para quem acha que vai ser contaminado de graça mesmo pode ser uma alternativa. A informação está no Mashable.
De carona no vírus...
Veja errou. O Brasil é que precisa se proteger de certos administradores.
Paulo Guedes agora usa o vírus como pretexto para aprovar suas reformas neoliberais. O governo também fala em vender até 300 estatais até o fim de 2020. Vai ter festa na Casa Grande. O novo coronavírus derrubou o valor das empresas e o que já era preço de bacia das almas vai virar a maior black friday de bens públicos do planeta.
Coronalobby?
Viu isso? Deu no G1. Seriam indicações de que no Brasil não vai ser fácil implantar medidas restritivas à propagação do covid-19?
Outro dia, um comentarista neoliberal argumentou na TV que "nas democracias" os governos devem dar a cada cidadão o direito de escolher como vai se defender da pandemia. Como se as democracias não tivessem a obrigação de proteger a população baseadas em questões técnicas e científicas e não ideológicas.
A ação do lobby também é um risco. Depois de decidir que cruzeiros marítimos estão suspensos e recomendar que passageiros de voos internacionais que desembarquem no Brasil devem permanecer nas suas casas ou hotéis por sete dias, o Ministério da Saúde recuou.
Vários setores no Brasil ainda não caíram na real sobre a pandemia. Acham que podem relativizá-la. Parar o país vai acarretar problemas, claro, mas será pior atender o lobby setorial agoroa e, daqui a dois ou três meses, verificar que o vírus solto é muito mais destruidor da economia e da vida, principalmente, do que a suspensão temporária de atividades.
Outro dia, um comentarista neoliberal argumentou na TV que "nas democracias" os governos devem dar a cada cidadão o direito de escolher como vai se defender da pandemia. Como se as democracias não tivessem a obrigação de proteger a população baseadas em questões técnicas e científicas e não ideológicas.
A ação do lobby também é um risco. Depois de decidir que cruzeiros marítimos estão suspensos e recomendar que passageiros de voos internacionais que desembarquem no Brasil devem permanecer nas suas casas ou hotéis por sete dias, o Ministério da Saúde recuou.
Vários setores no Brasil ainda não caíram na real sobre a pandemia. Acham que podem relativizá-la. Parar o país vai acarretar problemas, claro, mas será pior atender o lobby setorial agoroa e, daqui a dois ou três meses, verificar que o vírus solto é muito mais destruidor da economia e da vida, principalmente, do que a suspensão temporária de atividades.
Ainda os idos – março de 64 • Por Roberto Muggiati
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Com Fernando Sabino e Narceu de Almeida. |
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Sob as luzes de Magritte |
Chegamos no comecinho da noite de quarta-feira, 1º de
julho de 1964, é verão, quase dez horas da noite, em terra já escureceu, mas,
acima das árvores frondosas, o céu é claro como o dia, como na tela de Magritte
O Império das Luzes (1954). Sem
celular, GPS ou internet ficamos sabendo que Vinicius não está em casa, mas no
restaurante La Feijoada, na Île de Saint-Louis, com o parceiro da hora, Baden
Powell, e a musa da hora, Odete Lara.
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No Chez André, |
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...discussão sobre o adesismo em forma de livro. |
Vinicius mora no seizième, estamos num hotel dos Champs
Élysées, vamos almoçar – eu, Narceu e Sabino – no Chez André, um prestigiado
restaurante de executivos na Rue Marbeuf. Degustando as entrées – o prato principal não chega antes de meia hora – Sabino
se põe a elogiar empolgado um livro que acaba de ser lançado là-bas, à Riô, Os idos de março e a queda em
abril. Nove autores de centro (em cima do muro) – o coitado do Callado
se deixa cooptar – fazem uma crítica arrasadora da esquerda, uma atitude
equivalente a mijar em cachorro morto e também – queiram ou não – adesista ao
regime militar. Começo a rebater o Sabino, a discussão se torna cada vez mais
violenta, quase chegamos aos tapas. Sabino estava em Londres nomeado adido cultural
do Brasil pela ditadura, enquanto o aguerrido Di Cavalcanti acabava de ser
demitido pelos militares como adido cultural em Paris.
Sabino e eu ficamos estremecidos pelo resto da viagem. Saboreei a vingança num detalhe pífio, favorecido por minha estrela. Na free shop do ferry do Canal, voltando para Londres, comprei uma garrafa de licor de menta para minha velhinha protetora da BBC, Lucy Ward – socorria-me sempre com um pequeno empréstimo nas horas mais criticas – e Sabino comprou uma garrafa de conhaque, Rémy-Martin ou Henessey. Na alfândega inglesa, passei sem problemas, Sabino foi pesadamente taxado.
O tempo cura todas as
feridas. Trinta e cinco anos depois, quando eu estava para lançar meu romance A contorcionista mongol pela Record, o
Sérgio França, ex- Bloch, assessor da diretora editorial Luciana Villas-Boas,
promoveu um encontro com o Sabino, também da Casa. Um almoço no maravilhoso
restaurante que existia então no primeiro andar no Palácio do Catete, dando
para os jardins, Depois de muito uísque antes, vinho durante e conhaque depois
– a refeição, por mais genial que fosse, ficou em segundo plano. Saímos de lá
trôpegos depois das seis, já anoitecia. Foi a última vez que vi o Sabino, era
catorze anos mais velho. Libriano como eu, morreu em 11 de outubro de 2004, um
dia antes de completar 81 anos. Humano, muito humano, com todos os seus
defeitos e idiossincrasias. Afinal, como dizia Rimbaud, “Quel âme est sans défaut?”
sábado, 14 de março de 2020
Cuidado com os idos de março! • Por Roberto Muggiati
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1954, Curitiba, Gazeta do Povo * Sentado à direita durante movimento que reivindicou melhores condições de trabalho na redação. |
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1961, Berlim • Estudante de jornalismo em Paris, visitando o Muro, erguido quatro meses antes. |
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1964, Londres* No Serviço Brasileiro da BBC, com Floriano Parreira e Nemércio Nogueira |
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1968, São Paulo • na linha de frente da Veja, na extrema esquerda. |
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1977, Rio de Janeiro • O editor da Manchete e a brilhante equipe na famosa foto da Santa Ceia. |
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1986, Londres • Sempre repórter, no Palácio de Buckingham, cobrindo o casamento do Príncipe Andrew. |
Ouvi a expressão pela primeira vez em Júlio César de Shakespeare, o filme de 1953, com Marlon Brando, dirigido por Joseph Mankiewicz. Um vidente alertava César: “Cuidado com os idos de março!” A caminho do Senado. César passa pelo vidente e o provoca: “Os idos de março já chegaram”. O vidente, chamado Spurinna –um arúspice que fazia adivinhações examinando as entranhas de animais sacrificados – replica: “Mas ainda não se foram...” Não deu outra: César é apunhalado por sessenta senadores, na conspiração liderada por Brutus e Cássio. Eu imaginava que os idos de março – pela forma plural da expressão – fossem o final do mês. Só muito tempo depois fiquei sabendo que os idos de março (em latim Idus Martiae, era um dia do calendário romano que correspondia a 15 de março, marcado por várias práticas religiosas e notável para os romanos como o prazo final para a quitação de dívidas.
Inadvertidamente, foi nos idos de março, dia 15, no ano de 1954, uma segunda-feira, que subi os 22 degraus do casarão na Praça Carlos Gomes, 4, em Curitiba, adentrando pela primeira vez a redação da Gazeta do Povo e iniciando uma carreira jornalística que fecha, neste turbulento 2020, 66 anos de muitas aventuras e emoções. Deixei a Gazeta em 1960 para estudar jornalismo em Paris durante dois anos; passei três anos em Londres no Serviço Brasileiro da BBC; de volta ao Rio em 1965, comecei uma temporada de 35 anos na Manchete, descontados os dois anos que passei em São Paulo na equipe inicial de Veja, em 1968-69.
Daqui para onde? Se eu viver mais alguns anos – com saúde sem motivo justo – em 2025, aos 88 anos, começo a superar os setenta anos de carreira de um jornalista esportivo paulista, de sobrenome Nicolino, morto recentemente aos 90, que detém o recorde internacional do Livro Guinness como o jornalista mais longevo na profissão.
Mas isso não chega a ser uma meta para mim.
O que conta são os dias que correm, um de cada vez, em que me ocupo de compartilhar com o próximo minha experiência como jornalista e cidadão – meu livro de memórias chama-se A vida é uma reportagem – esta gentil mistura de vida e escrita que supera todas as pedras do caminho.
Da Itália: o Covid-19 não é mais forte do que a união e a solidariedade
A MENSAGEM ABAIXO VIRALIZA NAS REDES SOCIAIS.
É O EMOCIONANTE DEPOIMENTO DE UMA BRASILEIRA
QUE RESIDE EM ROMA.
"Caros amigos,
Essa é nossa segunda semana de quarentena coletiva em Roma. Primeiro foram as escolas e muita gente passou a trabalhar em casa, deixar as crianças com os avós não é uma opção. Fomos orientados a não sair e evitar lugares fechados e aglomerados.
Até que essa semana o governo “fechou” a Itália.
Agora somos autorizados a sair apenas para trabalhar (os que ainda saem para trabalhar), fazer compras ou ir para o hospital. Nada mais.
A natação e a capoeira das crianças estão fechadas, o dentista desmarcou a consulta do meu filho e sábado não vai ter o jogo do campeonato de futebol dele, a cia aérea cancelou minha passagem para Madrid, também não vai ter o show da Gal, a faculdade avisou que tampouco tem data para a próxima prova. As escolas já trabalham com a possibilidade de seguirem fechadas até maio.
O país inteiro fechou.
Nós também nos fechamos nesse novo arranjo doméstico porque eu ainda tenho que estudar, Gui ainda tem que trabalhar e Gael tem o cronograma da escola para cumprir. A professora tem nos orientado remotamente sobre o conteúdo de cada dia e nos vemos professores dos nossos filhos, ás voltas com o neolítico e os verbos auxiliares. Não sei o que seria de nós sem o Google.
Anita se encarrega de dar o toque de fim de mundo colocando a casa abaixo enquanto eu mando ela deixar Gael terminar o compiti de italiano.
Passamos o dia de pijama. Vi uma vizinha receber o correio de luvas, ninguém mais pega o mesmo elevador, sobe um vizinho de cada vez, é o protocolo.
Ontem fui ao mercado. Na rua, as poucas pessoas usavam luvas cirúrgicas e, na falta de máscara, lenço ou cachecol cobrindo o nariz. Fila na porta, todos respeitando a orientação de manter distância uns dos outros, a entrada contingenciada, mais gente fora do que dentro do mercado. Cinco de cada vez.
Ninguém reclama.
Pela primeira vez em 6 anos não sou a única com carrinho lá dentro, os italianos, em geral, só compram o que podem carregar, mas agora estão fazendo dispensa e já faltam alguns produtos nas prateleiras. Um corredor para cada pessoa, ninguém se esbarra, o alto-falante fica repetindo para respeitarmos a distância mínima. Na volta pra casa, reparo o comércio fechado, os poucos cafés abertos espaçaram as mesas mas estão desertos. Estamos todos isolados em casa.
Ontem, depois do anúncio da OMS decretando a pandemia, outros países começaram a adotar as mesmas medidas para deter o avanço do vírus que, por menos letal que seja, contamina tanto que mata muito. Na maioria dos casos, idosos e pessoas com imunidade baixa e doenças pregressas. Mas não só elas.
A flor no asfalto é a solidariedade. Não vejo, entre as pessoas de meu convívio, pânico de ficar doente ou medo pelas nossas crianças que, ao que parece, não são páreo para o coronavírus. Mas estamos todos cuidando de quem não tem defesas suficientes para ele. Eu cuido do morador de rua que dorme no frio, embaixo da marquise do meu prédio, das senhorinhas que cumprimento no mercado, do senhor da loja de molduras. E, aqui em Roma, essas pessoas viraram a prioridade de todos. Pensamos coletivamente numa onda de cuidado com o outro, esse desconhecido, que eu nunca tinha vivido antes. As crianças aprenderam a “tossir nos cotovelos” e o fazem até em casa. Foram ensinadas que são estratégicas para conter a ameaça.
É triste, mas também é bonito, sabem?
Como escreveu por aqui meu amigo Francesco, não há saída que não passe pela reconstrução paciente de uma resposta coletiva aos desafios. Talvez seja didático estarmos vivendo, todos, ao mesmo tempo, essa crise. Fica evidente que o engajamento de cada um de nós, pessoa a pessoa, é a melhor, se não a única, defesa diante a pandemia. Ninguém pode dar-se ao luxo de ser negligente. Acho que ficaremos com um aprendizado importante depois que tudo isso passar.
Também pela primeira vez testamos uma nova organização do trabalho. Ao mesmo tempo pessoas do mundo todo estão trabalhando de casa, empresas e repartições com carga horária e staff reduzidos. Talvez esteja sendo estabelecido um novo paradigma. Ainda não sabemos qual será o saldo, a história nos ensina que evolução nem sempre é progresso. Mas eu, que não posso evitar a esperança, acredito que tiraremos proveito desses dias de isolamento, quando não podemos sequer nos abraçar, tocar e beijar. E, apesar disso, acredito que esse vírus também possa desencubar a humanidade em nós.
Mas faremos esse balanço depois.
Por hora, lavem as mãos, ensinem as crianças, cuidem dos idosos e, se puderem, amigos, fiquem em casa. E mandem seus funcionários para casa. Não viajem. É preciso identificar e curar os que contraíram a doença antes que ela se espalhe. O vírus já está aí, no nosso Brasil, não o subestimem. Cobrem das autoridades, não acreditem em quem diz que “é só uma gripe”, - eu já fui essa pessoa - não é! Não paguem para ver porque o preço é a vida dos mais frágeis entre nós. As teorias conspiratórias só distraem até que os médicos comecem a escolher quem, entre os necessitados, irão entubar. Até que morra a avó de um amiguinho dos nossos filhos. Até que o colega de trabalho safenado fique entre a vida e a morte numa UTI.
O momento não é de pânico, mas de cuidado e responsabilidade. E união e solidariedade.
Essa mensagem é também um agradecimento pela preocupação e carinho que tenho recebido nos últimos dias. Muito obrigada, aqueceu meu coração nesse inverno que ainda persiste por aqui. Mas estamos todos diante o mesmo desafio, meus caros, é preciso assumir esse compromisso.
Há um mês a China era longe, há três semanas a Lombardia também era. Quando começou a quarentena eu também me revezava, junto com outras mães e pais, nos grupos de WhatsApp, entre o desespero de ter que encaixar as crianças, de repente, nos compromissos dos dias úteis e os memes - como nós, os italianos também reagem com bom humor às adversidades. Hoje, em Roma, já não podemos ignorar que o mundo diminuiu e que hoje somos todos vizinhos.
Desejo que meus conterrâneos não deem chance para a doença no calor de nossa terra.
Cuidem-se. Uns dos outros. Fiquem firmes. Sairemos melhores dessa."
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