terça-feira, 22 de maio de 2018

Memórias da redação: Bloch veta João Saldanha na capa da Fatos & Fotos e Alberto Dines pede demissão (1932-2018)

por Roberto Muggiati (*)

Quando o presidente Médici quis interferir na escalação do selecionado para a Copa de 70, o técnico João Saldanha renunciou. Esse foi também o momento de uma das crises folclóricas de Fatos&Fotos.

A rotina da revista, já mencionei, era totalmente esquizóide. De manhã, Alberto Dines, “padrinho” de F&F e marido de Rosaly, sobrinha do Adolpho, fazia uma reunião com a redação e definia a pauta. Seguia depois para o Jornal do Brasil, onde era o editor todo-poderoso (é bom lembrar que, na época, o JB tinha muito mais prestígio do que O Globo.) À tarde, os sobrinhos ociosos que o Adolpho não deixava pastarem na Manchete iam brincar no quintal da Fatos&Fotos. E derrubavam toda a pauta do Dines.

Imaginem a dificuldade do editor, obrigado a fazer uma revista por semana, para conciliar todos estes egos em choque. A crise culminou quando Dines decidiu que a capa daquela semana seria João Saldanha, que deixara o cargo de técnico da seleção. No momento de escolher a capa — com Dines na Avenida Brasil, enfrentando a guerra diária do JB — os caciques da Bloch preferiram publicar na capa de Fatos&Fotos uma foto de Paulo José e Dina Sfat, registrando a vitória do filme Macunaíma no Festival de Cinema de Mar del Plata. Comuniquei imediatamente a Dines por telex a decisão dos Karamablochs. Dines, que já estava em rota de colisão jornalística e conjugal com a família, detonou curto e grosso em outra mensagem de telex: “Já que não aceitam minha opinião editorial, vou fazer como o nosso bom Saldanha e tirar meu time de campo.”

Foi assim que Alberto Dines nunca mais voltou a pisar no sacrossanto território da Praia do Russell.

(*) Reprodução de um trecho de uma matéria que Roberto Muggiati publicou neste blog em 6 de março de 2012.

Alberto Dines: o jornalista que fez diferença

Alberto Dines/ Foto: Reprodução EBC/TV Brasil

O Observatório da Imprensa está preparando uma edição especial sobre Alberto Dines.

Sua vida e legado jornalístico não caberiam nas poucas linhas da nota em que o instituto anunciou a morte do jornalista nesta manhã, aos 86 anos, no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Dines deixa marcas profundas no jornalismo brasileiro. Seu nome está ligado à evolução e ao aperfeiçoamento da mídia, à ética, à liberdade de imprensa e às referências de várias gerações de profissionais da imprensa. Nas últimas décadas, foi o teórico, sem nunca se afastar da prática, que questionou os rumos do jornalismo.

A prometida edição especial do Observatório da Imprensa certamente contará aos jovens jornalistas que enfrentam atualmente os desafios dos novos modelos e plataformas a trajetória de Dines e suas valiosas lições.




Aqui, registramos dois momentos que ficaram na memória dos tempos difíceis, quando a censura nada virtual era a "ferramenta" que atormentava editores e repórteres. Tentar um drible nos coronéis que ficavam de sentinela nas redações era uma obrigação. Esse jogo gerou pelo menos duas inesquecíveis primeiras páginas do Jornal do Brasil editadas por Alberto Dines.  Uma, quando a  ditadura lançou o AI-5, em 1968, e o recado possível foi dado no quadradinho da previsão do tempo no alto da página. Outra, ao noticiar a queda e morte de Salvador Allende, em 1973. O JB recebera ordem expressa para não publicar foto do sangrento golpe no Chile. E a opção por dar a capa sem foto, com texto em destaque, sem título, obteve maior impacto dramático, exatamente o que os coronéis queriam evitar. Os censores saíram da história pela porta dos fundo, aquela primeira página ficou".

DINES NA MANCHETE E NA FATOS & FOTOS

Alberto Dines chegou à Manchete em 1957 como subeditor e secretário de redação. Não demorou muito foi para o Última Hora, mas já em fins de 1960 voltou à Bloch para dirigir a nova revista semanal da editora de Adolpho Bloch, a Fatos & Fotos.

No livro Maysa, o escritor Lira Neto dedica algumas linhas a uma capa da Manchete editada por Dines.



Em maio de 1957, pela primeira vez Maysa era capa de revista. O então assistente de redação da Manchete, Alberto Dines, encantou-se com os olhos da cantora, captado pelas lentes do fotógrafo Gervásio Batista. Dines não teve dúvidas: rompeu com a tradição dos planos americanos das capas da publicação e estampou um close de Maysa. Resultado: levou um sabão do dono da editora, Adolfo Bloch, que achou um exagero dar tamanho destaque a uma cantora em início de carreira. Mas a capa revelou-se profética. Dali a menos de um ano, Maysa já seria uma das cantoras mais famosas - e mais controvertidas - do país".

domingo, 20 de maio de 2018

Esquece! Nem 007 daria conta da missão de apagar antigas fotos de Meghan Markle na internet...

por Ed Sá 

O casamento de Harry e Meghan foi cheio de simbolismos. Atriz, divorciada, ativista, filha de mãe negra e pai branco, ela não tem escândalos do currículo - como vários dos Windsor -, mas guarda naturalmente um passado não protocolar que a realeza até tentou repaginar.

A mídia noticiou que uma força tarefa foi encarregada de revisar imagens da carismática noiva nas redes sociais.



Meghan Markle no papel de Rachel Zane em Suits,
onde contracenou com o ator Patrick Adams. A foto de divulgação
foi republicada recentemente pelo britânico Mail on Line, que afirmou esperar que
a família real tivesse visto essa imagem. O que o jornal quis dizer com isso? Sabe-se lá...

Missão quase impossível. Entre 2005 e 2016, Meghan Markle fez sete filmes e dezenas de participações em séries de TV. Como qualquer atriz, atuou em cenas quentes. A web registou e, nos últimos meses, tais fotos foram compartilhadas milhões de vezes. Ela, pela postura independente que demonstra, não parece estar nem aí pra isso.

Há alguns anos, uma revista francesa publicou fotos de Kate Middleton de topless. O Palácio de Buckingham processou a publicação que foi obrigada a pagar uma alta indenização. Mas nem por isso as fotos sumiram da internet. Trump ameaçou o jornal que publicou antigas fotos de Melania Trump nua, o que só chamou mais atenção sobre o ensaio da ex-modelo. Nem os bilhões de dólares de Onassis impediram que a nudez de Jackie Onassis na ilha de Skorpios se espalhassem pelo mundo. E a internet nem existia.

Esse tipo de revisionismo fotográfico não é apenas coisa da família real, a não ser que se consideremos "reis" dois ídolos brasileiros; Pelé e Roberto Carlos. Contavam os corredores da velha Bloch que, nos idos do anos 1980, a direção da editora entregou gentilmente aos dois centenas de fotos originais das suas então mulheres, respectivamente, as modelos Xuxa e Miriam Rios. Queriam garantir que os vários ensaios que elas fizeram para a revista masculina EleEla não mais fossem publicados. De fato, não foram. Na mídia impressa. Mas o zelo dos então maridos não impediu que a internet e a digitalização resgatassem a beleza das suas ex.

Bobagem, o que acontece na internet, fica na internet.

sábado, 19 de maio de 2018

Copa do Mundo 2018: ao contrário da Copa passada, seleção brasileira não vai mais morar na psicologia...

por Niko Bolontrin 

A Folha de São Paulo publica hoje um texto de Eduardo Geraque sobre a relação - que ele define como conturbada - entre a psicologia e a seleção brasileira.

Recorrer a psicólogos para avaliar e ajustar cabeças de boleiros foi prática que começou em 1958. O Brasil vinha de um derrota traumática, a de 1950, e de uma participação sofrível na Copa de 1954, quando a seleção foi desclassificada nas quartas de final. Ainda nos treinamentos, o psicólogo João Carvalhaes reprovou Garrincha em um teste psicológico. O "conflito" começou aí. Felizmente, a comissão técnica que via Mané em grande forma, fazendo chover no Botafogo, não deu bola para o diagnóstico. Em 1962, Copa do Chile, de onde o Brasil trouxe o bi, a psicologia não entrou em campo. Aparentemente, não há registro de motivadores psicológicos no tri, no tetra e no penta. Devem ter achado melhor deixar como estavam as cucas de Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Romário, Bebeto, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, etc.

Em 1998, vai ver fez falta. Na crise do Ronaldo Fenômeno talvez ele e toda a comissão técnica precisassem de ajuda no vestiário do Stade de France. Ninguém escapou daquele vexame.

Em 2014, a psicóloga Regina Brandão foi convidada a monitorar cabeças na Granja Comary.
Se os seus métodos foram ou não eficientes não nos cabe dizer, mas aquele seleção deve ter sido a mais chorona que já representou o Brasil. Lágrimas de esguicho, como diria Nélson Rodrigues já rolavam antes mesmo do desastre do 7X1 contra a Alemanha. Talvez fossem um prenúncio do colapso. 

Escaldado, Tite não vai levar psicólogo nem divã para a Rússia. Para ele, segundo a Folha, "a Copa do Mundo é curta e não há tempo hábil para um trabalho mais profundo".

Os jogadores vão se concentrar em outra esfera: a bola

Pensa que a vida está fácil? Mônica e Cebolinha são "estatizados" e viram garotos-propaganda do governo

Pesquisa CNT/MDA divulgada na semana passada mostrou que a Justiça está sendo levada em condução coercitiva para a impopularidade. Nada menos do 89,3% não confiam na atuação do Poder Judiciário e e 90,3% afirmam que a "dama vendada", que nada tem de cega, não trata todos de maneira igual. A percepção da população faz sentido e vai muito além da Lava Jato e sua intensa divulgação pela mídia. Trata-se da realidade das prisões abarrotadas de detentos sem julgamento, de outras centenas que têm seus processos parados e muitas vezes já deviam estar soltos, da impunidades, da influência daqueles que podem contratar bancas milionárias de advogados e até de bandidos violentos que mesmo quando condenados passam pouco tempo na cadeia, são liberados e voltam a chefiar organizações criminosas, sem falar nos privilégios do tipo auxílio-moradia, paletó, transporte, educação, saúde etc. O povo vê tudo isso, mesmo que a grande mídia nem sempre mostre.

Para tentar tirar a imagem do atoleiro, o Poder Judiciário recorre a Mônica e Cebolinha. A presidente do STF encomendou ao empresário Mauricio de Souza 400 mil exemplares de um revista em quadrinhos onde Mônica, Cebolinha e turma mostram como funciona a corte suprema.

Na mesma pesquisa, as Forças Armadas são bem avaliadas pelos brasileiros, têm credibilidade. A preocupação dos militares é outra: valorizar a indústria da Defesa.

A crise e a Lava Jato, que enquadrou verbas e empresas, praticamente travaram projetos importantes. Daí, a solução encontrada pelos marqueteiros foi recorrer a Mônica e Cebolinha. Almanaque da turma de Maurício de Souza, com tiragem de 200 mil exemplares,focaliza a indústria da Defesa e o papel das Forças Armadas.

Se essa ofensiva de marketing vai funcionar, só futuras pesquisas de imagem dirão.

Por enquanto, como se vê nas capas, Mônica e Cebolinha estão sorrindo à toa.


sexta-feira, 18 de maio de 2018

Foi armação! Michel Platini confessa que manipulou sorteio dos grupos na Copa de 1998.

A Copa de 1998, a da França, já entrou para a história da seleção brasileira como uma das mais controversas. A mídia esportiva jamais conseguiu explicar claramente tudo o que aconteceu na concentração poucas horas antes da final e no vestiário do Stade de France, a minutos da bola rolar.

Talvez só Arséne Lupin, do escritor Maurice Leblanc, fosse capaz de desvendar o mistério.

O choro e a convulsão de Ronaldo, os relatos dramáticos do seus companheiros de quarto, o atendimento de urgência em hospital, sistema de som do estádio anunciando a escalação de Edmundo, os jogadores que não aparecem em campo para o aquecimento, Ronaldo surpreendentemente confirmado e, finalmente, a apatia do camisa 9 e o apagão do time em campo.

Claro que Zidane & Cia jogaram muito naquele 12 de julho, mas o jornalista italiano Stefano Barbetta definiu a postura de Ronaldo em campo como a de um "ectoplasma ambulante" e escreveu no livro "La Biblia dei Mondiale" que patrocinadores da seleção o constrangeram a jogar. Barbetta ainda registra o que chamou de "alheamento" dos demais jogadores brasileiros, preocupados com as condições de Ronaldo.

Pois 20 anos depois a Copa do "mistério" acaba de ganhar mais uma controvérsia. O ex-jogador Michel Platini, que era co-presidente do Comitê Organizador da Copa de 1998, confessou hoje que manipulou o sorteio dos grupos para impedir que a França cruzasse com o Brasil antes da final. "Quando organizamos o calendário, fizemos um pequeno truque", disse. A notícia está no Diário de Notícias, de Lisboa.

Platini não detalha o método usado para falsificar o sorteio. Uma pista: em 2016, o ex-presidente da Fifa Joseph Blatter deu uma entrevista ao "La Nacion", da Argentina, confirmando o uso bolas quentes e frias em sorteios de competições de futebol. Não convenceu quando afirmou que na Fifa isso não acontecia, mas revelou a jogada. "As bolinhas são colocadas antes na geladeira. A mera comparação entre umas e outras com o toque determina as bolas frias e quentes. Quando tocamos, sabemos o que é".

Com a manipulação de Platini, a França acabou campeã - mereceu, apesar da ajuda. Pena que o Brasil foi à final para ganhar a "taça" do vexame. Melhor seria ter sido eliminado com dignidade uma semana antes, quando ficou no 1x1 contra a Holanda e foi salvo na decisão por pênaltis.

O Brasil é penta, vai tentar o hexa, mas é tri em vexames em Copas: o maracanazzo de 1950, a desastrada escalação de um jogador que praticamente saiu da emergência de um hospital para calçar as chuteiras, em 1998, e o time-zumbi massacrado pela Alemanha no pastelão do 7X1 de 2014.

Que a Rússia poupe a seleção de Tite dos "dribles da vaca" da história... 


quinta-feira, 17 de maio de 2018

Viu isso? Curso gratuito sobre análise de dados na cobertura das eleições


(Conteúdo transcrito do Knight Center)

Mais de 140 milhões de brasileiros vão às urnas este ano eleger seus representantes. Jornalistas que souberem analisar dados dos candidatos e dos resultados dos pleitos, pesquisas de intenção de votos e enxergar o que desperta o interesse do eleitorado vão sair na frente na cobertura. Para ajudar neste desafio, o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), em parceria com a Google News Initiative, lançam o curso online gratuito "Como cobrir eleições sem errar: dados e pesquisas para entender o eleitor".

O curso reunirá grandes especialistas no tema, sob a coordenação de José Roberto de Toledo, editor da revista Piauí que leva no currículo a cobertura das últimas 17 eleições. Além dele, os alunos contarão com a experiência de Keila Guimarães, editora de dados do Google News Lab, Cláudio Weber Abramo, co-fundador da Dados.org e ex-diretor-executivo da Transparência Brasil, e Daniel Bramatti, presidente da Abraji e editor do Estadão Dados.

VEJA MAIS, CLIQUE AQUI

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Copa do Mundo 2018 - Federação argentina ensina como pegar russas. Manual também instrui jornalistas a "molhar a minhoca"... Os hermanos pisaram na bola



por Niko Bolontrin

Garrincha não falava um só palavra em sueco e mesmo assim pulou o muro da concentração e descolou uma loura escandinava. Deixou até um filho no terreiro dos vikings.

Eram outros tempos, de dominação machista.


A seleção de Messi ainda não está escalada mas já sabe como se dar bem com a mulherada graças a um manual para evitar problemas de comunicação na Rússia.


A Federação Argentina de Futebol esqueceu que o tempo passou - mais exatamente  60 anos desde as peripécias do Mané - e incluiu no seu manual para a Copa da Rússia, "consejos para seducir a mujeres rusas".

O tutorial da pegação é destinado a dirigentes, jornalistas, comissão técnica e jogadores. “Qué hacer para tener alguna oportunidad con una chica rusa”, é um dos tópicos do livrinho. As russas são lindas, informam os cartolas hermanos, mas devem ser abordadas com cuidado, já que a maioria reclama que os homens logo querem levá-las para a cama.

Não se sabe se a AFA, a CBF da Argentina, mandou emissários á Rússia para investigar o comportamento feminino local e pesquisar as melhores estratégias.

A manual da azaração pegou mal e repercute internacionalmente.

A AFA diz que o trecho foi impresso "por equívoco". A culpa foi de um estagiário tarado.

Goleiro é flagrado no Whatsapp... Era campanha do Uber

 Foto do goleiro Santos, do Atlético Paranaense, conferindo  o celular em campo no jogo contra o Atlético Mineiro, onde sua equipe perdeu por 2x1, repercutiu nas redes sociais. Alguns comentários: "ele esqueceu de dar boa tarde no grupo da família"; "tá mandando mensagem pro juiz". Na verdade, Santos participava de uma campanha do Uber destinada a conscientizar a população sobre os perigos de se usar celular no trânsito.

...e Tom Wolfe não se perdeu na Avenida Brasil, onde a Favela da Maré não é o Bronx

Na célebre capa branca da Time
em novembro de 1998
O escritor e jornalista Tom Wolfe veio ao Rio em 2005, como convidado da Bienal do Livro. Hospedou-se no Copacabana Palace.  Durante uma entrevista coletiva concorrida - até a Caras estava lá -, fizeram-lhe a pergunta inevitável sobre o jornalismo literário.

Wolfe, um dos papas do New Journalism, talvez estivesse cansado do tema e logo desmistificou o gênero: "Já nasceu morto. Qualquer coisa dita como nova logo sai de moda", disse.

Antes de provocado sobre outra questão, acrescentou: "Hoje, sobrevive apenas nos livros. A (revista) Rolling Stone, que ainda faz experimentos, é a única exceção".

Os repórteres mudaram de assunto, alguém perguntou o que faria no Rio. De terno branco, seu figurino sulista tradicional, o escritor comentou que iria ao bondinho do Pão de Açúcar e que gostaria de conhecer uma casa de samba. Boa escolha. Uma rota turística e segura. Nada que o tirasse do caminho e o levasse a um drama urbano como o do personagem de A Fogueira das Vaidades. Lembrando que no livro que virou filme, com Tom Hanks no papel principal, o executivo de Wall Street Sherman McCoy pega uma saída errada da autoestrada e, em vez de ir para Manhattan, vai parar no violento e empobrecido Bronx. Um simples erro que muda a vida do milionário.

Ainda na entrevista, Tom Wolfe mostrou-se curioso em conhecer aspectos - ele chamou de "status" - da desigualdade social tão evidente no Brasil. Ainda bem que não saiu dirigindo por aí. Alguém deve ter alertado o escritor sobre o Rio que não é o Bronx. Aqui, se Sheman McCoy errasse o caminho e entrasse em uma favela morreria na primeira página da Fogueira das Vaidades.

Tom Wolfe não se perdeu na Avenida Brasil, sobreviveu ao Rio e morreu ontem, aos 88 anos, em Manhattan.

terça-feira, 15 de maio de 2018

A paz impossível...


O NewYork Times publica hoje um vídeo que reúne imagens de dois acontecimentos separados por pouco mais de 60km.

Menos pela distância geográfica e muito mais pelo afastamento político o clipe resume a impossibilidade da paz na região.

Líderes dos dois lados que em algum momento da História chegaram perto do sonho da convivência entre dois povos ficaram no passado.

O mapa do caminho da paz, também.

Veja o vídeo https://www.nytimes.com/2018/05/14/world/middleeast/israel-gaza-jerusalem-embassy.html?hp&action=click&pgtype=Homepage&clickSource=story-heading&module=a-lede-package-region&region=top-news&WT.nav=top-news

Governo admite: "Brasil voltou 20 anos em 2"

Foto Lula Marques
por O.V.Pochê 

Vamos combinar que Temer não precisa de ajuda pra dar mancada. O homem já chamou de "rei da Suécia", o monarca da Dinamarca, por aí se avalie o índice de vacilos.

Ontem, ao homenagear o cineasta Roberto Farias, o "presidente" ilegítimo resolveu citar como um dos grandes filmes do cineasta falecido "Toda Nudez Será Castigada". Não é. O filme que ele deve ter visto no cineminha do Porto de Santos é de Arnaldo Jabor, que está vivo embora não pareça, pelo que escreve.

Temer e mais meia dúzia de amigos resolveram comemorar os dois anos de gestão do estadista do Tietê. O marqueteiro Elsinho Mouco (seu repentista de frases há 15 anos e que é capa da Época dessa semana. A revista o chama de Grilo Falante de Temer) criou o slogan "O Brasil voltou, 20 anos em 2".

Mais coerente com a situação, quem lê deixa pra lá a vírgula tresloucada. Claro. "O Brasil voltou 20 anos em 2".

Sem querer, o Mouco criou a maior verdade da sua vida.  Um estagiário ou um entregador de mala no Planalto, de passagem, deve ter notado a falha e a cúpula do governo, os que ainda estão soltos, evidentemente, se reuniu às pressas na "sala de crise" para resolver a questão. 

Depois de uma reunião mais demorada do que a de Churchill para decidir a invasão do Dia D, saiu a nova frase: “Maio de 2016 - Maio de 2018 - O Brasil Voltou”.

Na frase original do Mouco a vírgula ainda aliviava a mancada. Nessa nova versão, nem isso. Os gênios tiveram um ataque de sinceridade e continuam alardeando que o Brasil andou pra trás.

Pelo menos, não é fake news.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Copa da Rússia: a hora é Hexa...

Arte CBF/Divulgação


por Niko Bolontrin

Aí estão os 23 jogadores da seleção de Tite com passagem comprada para Moscou. Sem surpresas. Como o próprio treinador afirmou na coletiva de hoje na sede da CBFa, é o grupo que se encaixa na sua concepção de jogo.

Na próxima segunda-feira, eles se apresentam em Teresópolis, onde treinam até no dia 26. Em 27 embarcam para Londres, para mais uma etapa de preparação que inclui dois amistosos: contra  a Croácia, no dia 3 de junho e Liverpool; e a Áustria, em Viena, no dia 10. Em seguida, o time parte para Sochi, na Rússia, para os ajustes finais antes da estréia na Copa, dia 17, contra a Suíça, em Rostov, às 15h, horário do Brasil.

Depois disso, é o Hexa ou o Nada.


Confira a lista:

GOLEIROS:
Alisson – AS Roma (ITA)

Cássio – Corinthians-SP

Ederson – Manchester City (ING)

DEFENSORES:

Danilo – Manchester City (ING)

Geromel – Grêmio-RS

Filipe Luís – Atlético de Madrid (ESP)

Marcelo – Real Madrid (ESP)

Marquinhos – Paris Saint Germain (FRA)

Miranda – Internazionale de Milão (ITA)

Fagner – Corinthians-SP

Thiago Silva – Paris Saint Germain (FRA)

MEIO CAMPISTAS:

Casemiro – Real Madrid (ESP)

Fernandinho – Manchester City (ING)

Fred – Shakhtar Donetsk (UCR)

Paulinho – Barcelona (ESP)

Philippe Coutinho – Barcelona (ESP)

Renato Augusto – Beijing Guoan (CHI)

Willian – Chelsea (ING)

ATACANTES:

Douglas Costa – Juventus (ITA)

Firmino – Liverpool (ING)

Gabriel Jesus – Manchester City (ING)

Neymar – Paris Saint Germain (FRA)

Taison – Shakhtar Donetsk

A capa e a Copa: Vogue russa escala Daniel Alves para ensaio de moda, mas chega às bancas com o brasileiro já fora do Mundial da Rússia


A lesão no joelho que tirou Daniel Alves da seleção de Tite afetou a Vogue russa. Como recordistas de títulos nos campeonatos europeus, o lateral brasileiro foi escalado no time da capa da revista alusiva à Copa da Rússia.
Daniel Alves posou ao lado da modelo Natalia Vodianova e dos jogadores Julian Draxler, alemão, e Fedor Smolov, da seleção russa.
Quando a revista chegou às bancas, os jornais já noticiavam a contusão do jogador do PSG e sua consequente exclusão da Copa.

domingo, 13 de maio de 2018

Memórias da redação: ...e Jussara Razzé assinou a Lei Áurea na Manchete

Foto de Orlando Abrunhosa

Em 1988 eram comemorados os 100 anos da Lei Áurea. A Manchete preparou um reportagem sobre o tema e o fotógrafo Orlando Abrunhosa foi escalado para fazer a foto de abertura.

Inicialmente, pensou-se em uma foto da sacada vazia do Paço Imperial, o local exato de onde a Princesa Isabel anunciou a libertação dos escravos. Mas o saudoso Orlandinho era detalhista e não embarcava necessariamente na primeira ideia. Ele propôs subir a serra rumo ao Museu Imperial de Petrópolis e refazer a cena histórica.

Lei Imperial 3353. Reprodução
Com um detalhe:  a assinatura seria simulada, mas o documento e a pena autênticos.

E assim foi feito.

A modelo escolhida foi Jussara Razzé, jornalista que trabalhava nos Serviços Editoriais da Bloch e era habitualmente "modelo de mãos" das revistas femininas desde que foi "descoberta" por Kiki Moretti, então editora da revista Mulher de Hoje.

Na pressa, a equipe só percebeu no local que faltava um figurino de época para envolver o braço direito da modelo e compor a cena. Orlandinho pediu uma peça de renda, algo assim. Ninguém menos do que D.Pedro Gastão, do ramo imperial de Petrópolis, neto da Princesa Isabel, foi o "produtor" que providenciou uma toalhinha de linho branco a título de manga e resolveu o problema.

A foto acima é uma Polaroid, do teste de luz que os fotógrafos costumavam fazer. A imagem original assinada por Orlandinho foi página dupla na Manchete.

Os créditos da reportagem: foto de Orlando Abrunhosa, produção de D. Pedro Gastão, modelo Jussara Razzé. O texto da matéria foi de Tarlis Batista.

Os acessórios da produção - a Lei Imperial n.º 3.353 e a pena cravejada de brilhantes - são aqueles que foram colocados à mesa da Princesa no Paço Imperial no dia 13 de maio de 1888, que Jussara Razzé "assinou" de novo 100 anos depois.

sábado, 12 de maio de 2018

Mãe 'empoderada' à espera de um longa-metragem...

por O.V.Pochê

"Ela é a dona de tudo/Ela é a rainha do lar/Ela vale mais para mim/Que o céu, que a terra, que o mar/Ela é a palavra mais linda/Que um dia o poeta escreveu/Ela é o tesouro que o pobre/Das mãos do senhor recebeu"

Marluce. Foto: Reprodução
Os versos acima são da famosa canção "Mamãe", de Agnaldo Timóteo, lançada em 1966. Tente imaginar Geddel Vieira de Lima entoando tal poesia, amanhã, em homenagem a Marluce Vieira Lima a empoderada mãe do ex-ministro e do deputado federal Lúcio Vieira de Lima.

O trio acaba de se tornar réu, segundo o STF, por crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Sei lá porque, mas o fato é que quando vejo foto de dona Marluce me lembro da Mama Fratelli, a vilã do filme "Os Gonnies", de Steven Spielberg, interpretada pela atriz Anna Ramsey.

A corrupção brasileira tem rendido uma série de filmes-louvação, todos muito politicamente engajados, sérios e moralistas. Falta um cineasta menos coxinha para captar que as peripécias dos irmãos Vieira de Lima e da Mama Marluce rendem uma mega comédia. Physique du role eles têm de sobra.

Anna Ramsey, a Mama Fratelli dos Gonnies
Foto Divulgação
Em "Os Gonnies", garotos tentam encontrar um tesouro mas são perseguidos por uma família de bandidos, os Fratelli, liderados por Mama Fratelli, que é uma senhora linha-dura e não hesita em embolachar a cara dos filhos quando estes dão mancada.

A saga de Geddel, Lúcio e Mama Marluce é praticamente um roteiro à espera de um diretor.

Além da Mama, uma personagem pronta para rodar um longa, tem tesouro - os 51 milhões de reais encontrados em um apartamento-bunker, tem os porões da política (Geddel era o Francis Underwood, de House of Cards, de Michel Temer), conta com uma impagável Mama Fratelli e episódios de traição. Geddel fez parte do escândalo dos "Anões do Orçamento" e  cinema adora anões, ainda mais anões vilões. Até sexo dá para encaixar. O mundo político de Brasília, sem ofensas e considerando as exceções, é um bordel a céu aberto. E tem o lado emotivo. Depois de preso, Geddel chora a toa. E o "drama" humano. Mama Marluce já disse que o filho é "doente'. A "doença" não foi especifica, pode ser  "síndrome da mão leve", patologia comum na política, mas é um elemento que dará ao filme dos Fratelli baianos um toque "humano'.

Falta só alguém falar "luz, câmera, ação".

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Neymar em recuperação, Daniel Alves fora da Copa. Alô, Tite, manda a seleção fazer um pit stop nos Barbadinhos...

por Niko Bolontrin

Contusão em véspera de Copa do Mundo é um fantasma que assusta muitos craques. Os problemas de Neymar, que após cirurgia retoma preparação no PSG, e Daniel Alves, com lesão no joelho e já afastado da seleção, deixam Tite em alerta e o obrigam a refazer planos.

O drama que Daniel Alves vive já atingiu diversos outros jogadores brasileiros a caminho de Copas.

Careca, por exemplo, cuja vocação de artilheiro teria sido decisiva na Espanha, em 1982, sofreu estiramento e foi sacado da lista. Ruptura de menisco tirou o volante Edmilson da Alemanha, 2006. O meia Juninho Paulista fraturou a perna pouco antes da Copa de 1998, na França. Clodoaldo, também por estiramento, não foi para a Alemanha, em 1974. Ricardo Gomes foi cortado já nos Estados Unidos, em 1994: sofreu contusão em um jogo-treino e não se recuperaria a tempo. O corte de Romário em 1998 foi mais polêmico. Ele se machucou e foi logo detonado por Zagallo. Na versão do jogador, a desconvocação foi política ou pessoal. Ele garantia que estaria recuperado na época do embarque. Deve ter mais. Emerson,  acho, não foi à Copa de 2002 porque se lesionou quando brincava de goleiro em um treino recreativo.

Melhor Tite levar o time nos Barbadinhos. Fica logo ali, no Centro do Rio. Antes de subir para os treinos em Teresópolis é só mandar o ônibus dar uma passadinha por lá e pedir a benção dos Capuchinhos. Não custa nada.

Documento da CIA revela mecanismo de assassinatos montado por Médici, Geisel e Figueiredo

O Globo foi o único grande jornal que estampou a denúncia com destaque na primeira página.

A Folha foi discreta. E coerente: o jornal defende que a ditadura foi "ditabranda". E preferiu usar
"avalizar" em vez de "autorizar"


Estadão também minimizou a notícia e sublinha o "aval' de Geisel. Só na pequena chamada usou o verbo "autorizar"

O Zero Hora deu minúscula chamada e preferiu dizer que Geisel "tinha controle".
por José Esmeraldo Gonçalves 

O passado ressurge, hoje, nas primeiras páginas dos jornais brasileiros. Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas, revela o dramático conteúdo de um memorando da CIA, parte de um acervo que perdeu desde 2015, nos Estados Unidos, a classificação de "reservado".

No memorando de 11 de abril de 1974 o ex-diretor da CIA William Colby comunica ao Secretário de Estado Henry Kissinger que Ernesto Geisel - que tomou posse em março do mesmo ano -  foi informado da execução de 104 opositores do regime militar como ação rotineira do governo de Garrastazu Médici e autorizou a continuação do mecanismo oficial de extermínio de "subversivos".

Da reunião que validou o Estado como assassino participaram, além do próprio Geisel, João Figueiredo, que assumia a chefia do SNI, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Dantas de Paula Avelino. Figueredo, como se sabe, sucedeu Geisel e sob o seu governo aconteceu o atentado a bomba no Riocentro. Mas essa é outra história que algum memorando a ser retirado, no futuro próximo, de uma gaveta qualquer da CIA ou do Departamento de Estado americano revelará.

Aqui, como o Exército informa, hoje, documentos desse tipo foram destruídos.

Pesquisador há vinte anos, Spektor declara que o memorando do agente Colby é "perturbador". De fato, é uma folha de papel que tem o poder de demolir o castelo de cartas que alguns escritores, parte da mídia, muitos cientistas políticos, apoiadores da ditadura, filhotes e descendentes dos seus beneficiários ajudaram a construir. Um grande jornal foi até mais direto na elaboração do mito. A Folha de São Paulo - que muito além do apoio ao regime foi participante, contribuindo até com viaturas cedidas para a repressão - instituiu o conceito de "Ditabranda" para classificar o suave espectro cor-de-rosa que seus editores desenharam sobre uma das mais trágicas eras da história política do Brasil. Seria a tese de que nada existiu: a tortura era cordial, a censura foi amiga, o exílio era turístico e os assassinatos cenográficos.

O documento da CIA cita Geisel e os três generais fardados. Mas caberia muito mais gente nas salas do Planalto quando o assassinato político foi admitido como estratégia de governo. Gente civil, de paletó e gravata. Desde a década anterior os governos militares vinham erguendo conjunto de leis, como o Ato Institucional n° 5 e a própria instituição da pena de morte para crimes políticos (esta nunca aplicada oficialmente, mas, vê-se agora, imposta em segredo), como respaldo ao endurecimento do regime. O método que a CIA descreve tem muitos coadjuvantes. Basta ler a lista de ministros, governadores nomeados, altos funcionários, embaixadores, juízes, chefes de agências de segurança, comandantes, executivos de corporações que colaboraram com a repressão etc.

Muitos, desgraçadamente, permaneceram influentes na vida política do Brasil.

Não há inocentes no organograma de um regime capaz de fazer um macabro workshop para decidir mortes em massa. Seus sobrenomes estão aí em nomes de cidades, de ruas, de viadutos... E seus legados sobrevivem em artigos de jornais, nas redes sociais e até no programa de governo de certos candidatos a presidente neste sombrio 2018.

EM 1985, MATÉRIA DA REVISTA FATOS RELATAVA MÉTODOS 
DE EXTERMÍNIO DA DITADURA

Reprodução Fatos, 1985. 
É surpreendente que documentos como esse sejam revelados em toda sua extensão apenas 44 anos depois. Ao longo desse tempo, muitos jornalistas, escritores e pesquisadores enfrentaram barreiras para expor o passado. Mesmo assim, dezenas de reportagens aqui e ali montaram parte do mapa da violência política. O jornalismo investigativo se esforçou - e conseguiu - localizar centros de tortura e testemunhas dos efeitos da "política de governo" que o memorando da CIA oficializa. Se mais não conseguiu foi pela quase impossibilidade de encontrar documentos. A maioria das reportagens se baseava em depoimentos de ex-participantes dos órgãos de segurança e de sobreviventes. Os documentos, como a Fatos afirmou em 1985 e o Exército repete agora, foram destruídos. É preciso constatar também que a Anistia, assim como perdoou crimes como esse que a CIA conta, instaurou em muitos setores uma espécie de pauta do esquecimento. Mesmo assim, repito, embora pontas tenham ficado soltas, o método que o memorando revela foi exposto por vários repórteres em vários veículos em um jornalismo de resistência que levou à instauração da Comissão da Verdade.

 O Brasil é que, aparentemente, não quis puxar esse fio desencapado.

PARA SABER MAIS SOBRE A MATÉRIA DA FATOS, CLIQUE AQUI

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Conselho de Comunicação do Congresso Nacional aprova a criação do Observatório da Violência contra Comunicadores. Durante reunião, presidente da ABI diz que país atravessa pior momento para o exercício da profissão e afirma que na época do regime militar havia "um profundo respeito entre o ditador de plantão e a classe jornalística". Oi?

Reprodução Jornalistas & Cia

por José Esmeraldo Gonçalves

Dados da organização Repórteres Sem Fronteiras apontam o Brasil, isso há anos, entre os países que mais matam jornalistas. Na América Latina só fica atrás do México. Na sua imensa maioria, os jornalistas brasileiros assassinados são geralmente radialistas do interior, editores de jornais regionais ou blogueiros independentes que desafiam oligarquias locais, políticos, corruptos, traficantes, criminosos ambientais, fazendeiros, posseiros etc. Longe dos grandes centros, são mortes tão frequentes quanto silenciosas.

O Conselho de Comunicação do Congresso Nacional se reuniu para discutir o assunto e a criação de um Observatório da Violência contra Comunicadores. A iniciativa é oportuna. Exigir dos poderes Executivo e Judiciário a investigação dos assassinatos e a punição dos criminosos são prioridades absolutas. A maioria dos atentados contra profissionais no interior fica impune. Espera-se que esse seja um foco tão urgente quanto combater a onda de agressões não letais mas igualmente condenáveis de jornalistas de grandes veículos em coberturas de manifestações e protestos políticos.

Para o conselheiro Domingos Meirelles, atual presidente da Associação Brasileira de Imprensa, o momento é mais dramático para o exercício da profissão do que o período da ditadura militar.

Chama atenção um trecho da avaliação do presidente da ABI:

- "Naquela época, havia um profundo respeito entre o ditador de plantão e a classe jornalística. É uma contradição que em pleno estado democrático de direito o jornalista viva toda sorte de violência, o que não acontecia na ditadura", disse ele, segundo publicou o Portal dos Jornalistas. 

Oi?

Vladimir Herzog foi uma vítima desse "profundo respeito". Além da censura, centenas de  jornalistas perderam seus emprego por pressão do militares, muitos outros foram presos. A Comissão da Verdade contabilizou mais de vinte jornalistas assassinados pela ditadura. Muitos foram impedidos de trabalhar. É fato conhecido entre os jornalistas que viveram a época que Roberto Marinho e Adolpho Bloch empregaram nas suas redações, em desafio ao regime, vários dessa lista dos excluídos. Jornais alternativos foram deliberadamente sufocados. Não é preciso ir muito longe. Ali mesmo, na ABI, há provas de que esse "profundo respeito" não existiu. Maurício Azedo, ex-presidente da ABI, foi preso e torturado; Milton Coelho da Graça, que foi membro do Conselho da ABI, também foi preso e torturado.

Profundo respeito?

Duas fotos e um fato...

Acampamento para desabrigados por terremoto em El Salvador. Abril/2018
Foto Presidência da República de El Salvador/Fotos Públicas 

São Paulo: desabrigados pelo incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida. Maio/2018. Foto de Paulo Pinto/Fotos Públicas
El Salvador não é nenhuma superpotência. Mas aparentemente abrigou com mais dignidade as pessoas atingidas por recente terremoto.

Já São Paulo exibiu ao mundo o modo tucano de lidar com emergência social após o incêndio e queda de um edifício ocupado por pessoas que não tinham onde morar.

Os sem teto estão assim, no Largo do Paissandu, há mais de uma semana. Não há solução à vista e não há nem banheiros químicos na área. Daí imagina-se a degradação no entorno.

A prefeitura diz que não instala o equipamento porque "as condições da praça são insalubres".

Insalubres são a prefeitura, seus ocupantes e métodos de (falta de) trabalho.

Copa da Rússia: coxinhas sequestraram o uniforme da seleção. E aí, você vai vestir camisa amarela e sair por aí?

Camisa da seleção versão  Copa da Rússia.
Foto Nike/Divulgação
por Niko Bolontrin

Falta pouco mais de um mês para a seleção brasileira estrear na Copa da Rússia e uma polêmica ronda as redes sociais.

A camisa amarela da CBF será unanimidade nas ruas ou a metade do Brasil dividido que não que ser confundida com os coxinhas das passeatas vai rejeitar o uniforme?

Os "homens de bem" e as "mulheres de bem" que levaram Michel Temer ao poder se apropriaram do verde-amarelo ou quem faz oposição ao ilegítimo enrolado com a lei dará a mínima pra isso e vai torcer vestido de canarinho?

Por falar em Michel Temer, se o Brasil for campeão ele vai surfar no hexa e partir para a reeleição?  Temer é o Garrastazu Médici do século 21, vai sair do 1% em popularidade e se tornar bem-amado se Tite trouxer a taça?

Um pouco de história à margem das quatro linhas. Até 1953, a seleção brasileira usava uniforme branco. Jogou assim a Copa de 1950. A derrota para o Uruguai marcou a camisa. "Deu azar,", imaginou a torcida. O jornal Correio da Manhã detectou esse sentimento e organizou um concurso para a escolha de um novo uniforme a tempo de ser usado nas eliminatória para a Copa de 1954, na Suíça. O gaúcho Aldyr Garcia Schlee venceu entre 200 concorrentes ao sugerir um modelo com as cores da bandeira do Brasil: camisa amarela, golas e mangas verdes, calção azul, meiões brancos. A seleção não brilhou em 1954, mas foi campeã em 1958 (naquela copa estreou o uniforme azul, como segunda camisa, no jogo contra a Suécia, que usava o verde-amarelo também) e bi em 1962. A camisa amarela se consagrou. Com o tri, em 70, virou lenda. Nem o vergonhoso 7 x 1 de 2014 contra a Alemanha levou a torcida a exigir mudança de cores.

O risco agora está fora de campo: é vestir amarelo e ser confundido com coxinha. Vai encarar?


Acima de tudo, vamos torcer para que Temer não reedite o twit que postou pouco antes do desastre contra a seleção alemã no Mineirão, e ainda por cima com uma camisa amarela personalizada. Aquilo deu um azar danado. Naquele dia fatídico, ele vaticinou que o Brasil ia ganhar de 2 x 1.

A expectativa agora é ver o que a torcida vestirá nas ruas e bares na tarde de domingo, 17 de junho, às 15 horas, quando a seleção pisar o gramado da Rostov Arena, na cidade de Rostov-on-Don, Rússia.

Eu já separei o uniforme B do Brasil, o azul, menos contaminado.

Mas cogito usar também a camisa azul da simpática e neutra Islândia. Aquele país onde, para a maioria dos jogadores, futebol era até pouco tempo o segundo emprego de dentista, cineasta, economista etc. Esse tempo de atleta de meio período ficou para trás. Com o sucesso na Eurocopa de 2016, quando chegou às quartas-de-final, muitos dos seus jogadores foram contratados por grandes clubes europeus.

Mas se não perdeu a alma de viking peladeiro, a Islândia deverá ser uma das mais alegres atrações da Copa da Rússia. 

Em 10 de maio de 1933, nazistas queimaram livros em praça pública. Na dobra do tempo, 85 anos depois, a cultura também é atacada no Brasil

Há 85 anos, nazistas organizavam queima de livros na Alemanha.

No dia 10 de maio de 1933, nazistas organizaram uma grande queima de livros na Alemanha. Em todo o país, obras de escritores judeus e comunistas foram levadas ao fogo em eventos públicos que se prolongaram por mais de um mês. Foi há 85 anos. No dia 13 de maio serão comemorados os 130 anos da Lei Áurea, que marca a abolição da escravidão, pelo menos no padrão oficial e até então legalizado e praticado pelo regime monárquico.

O Brasil pós-golpe e o consequente avanço da direita radical fazem essas duas datas/fatos se interligarem em uma dobra do tempo.

Na Alemanha, livros de Walter Benjamin, Bertolt Brecht, Karl Marx, Sigmund Freud, Albert Einstein e Thomas Mann, entre centenas de autores, alimentaram as fogueiras em praças e esquinas. Aqui, facções sob várias denominações condenam obras de Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, livros que tratam de questões raciais, feministas, de gênero e de educação sexual, além de clássicos de sociologia e filosofia.

Os adeptos de movimentos como o Escola sem Partido ainda não organizaram fogueiras públicas, mas condenam livros, invadem salas de aula e intimidam professores. Peças teatrais e exposições também entraram na alça de mira dos fundamentalistas, como se viu em ações de "comandos" fascistas em várias cidades.

Leis municipais em alguns estados já institucionalizam a censura e a perseguição ao pensamento. Se aprovado, projeto federal inspirado pela facção e em tramitação no Congresso impedirá, por exemplo, que professores e alunos reflitam em salas de aula sobre temas como a escravidão ou o trabalho escravo em vigor ainda hoje no Brasil nos setores de agronegócio, confecções, construção civil e até em lanchonetes, entre outras atividades. 

Inegável é que pelo menos uma "disciplina" já é introduzida pelas tropas do Escola sem Partido nas salas e corredores das instituições de ensino: a do medo.

Qualquer semelhança com a Alemanha nazista não será mera coincidência.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Após criticar o trabalho dos repórteres setoristas, Juninho Pernambucano deixa o Sportv

André Rizek lê a nota oficial em que a Globo defende seus setoristas. Reprodução 

Juninho responde no ar e mantém as críticas. Reprodução

O ex-jogador e comentarista do SporTV Juninho Pernambucano pediu demissão da Globo. Estava com passaporte na mão para cobrir a Copa da Rússia, mas já foi substituído por Roger Flores. Ele teria alegado falta de "clima" para continuar no canal.

No último dia 30, quando o programa Seleção Sportv comentava a agressividade da torcida do Flamengo, que atacou o meia Diego, Juninho criticou a cobertura da mídia, especialmente o trabalho dos repórteres setoristas. Na visão do comentarista, algumas matérias incitam a violência. "Os setoristas são muito piores hoje em dia. Eu sei que eles ganham mal, mas cada um tem o caráter que tem. Se eu sou setorista, o que eu ia fazer: tentar fazer um ótimo trabalho para tentar ir para outra etapa, subir", disse. "Já vi isso também de olhar para você, um jogador que é profissional, não tem formação e ganha R$ 100 mil. Tem um cara que está ali, estudou quatro anos, fez de tudo para se formar jornalista, para ser setorista e ganha mal. Talvez ele leve isso em consideração", completou.

Pouco depois, o âncora André Rizek leu um comunicado da direção de jornalismo da Globo rebatendo a crítica. "Temos mais de 30 setoristas trabalhando hoje no Grupo Globo e eles recebem aqui nossa confiança e nossa solidariedade. Muitas vezes são eles que mais sofrem com o desequilíbrio e a eventual violência dos torcedores", diz a nota. Após a leitura, Juninho manteve sua opinião.

Segundo o UOL Esporte, três dias antes da polêmica declaração, o ex-jogador também mandou via rede social umas bolas de efeito no gol dos setoristas. “Matéria no sábado, o cara do UOL escreveu que os jogadores exigiram a troca de ônibus do Flamengo porque quicava. Mentira. Exige a troca porque ninguém quer sair com a bandeira do clube. Você é louco de sair com a bandeira e correr o risco de levar uma pedrada? Aí o cara irresponsavelmente, porque tem relação com o dirigente, setorista, vai e põe uma pilha dessa. Os setoristas são muito piores hoje em dia. Eu sei que ganham mal, mas cada um tem o caráter que tem”,  criticou.


Em fevereiro, durante o jogo Botafogo X Flamengo pela Taça Guanabara, Juninho foi alvo de xingamentos e recebeu ameaças de morte porque criticou o comportamento do rubro-negro  Vinicius, que fez gestos provocativos para torcida do Botafogo. Em função das ameaças, o comentarista não participou da transmissão de Flamengo x Boavista, pela final do turno.

A função de setorista já provocou muitas polêmicas em redações. Jornalistas que recebem essa missão se aproximam de dirigentes, de treinadores e dos próprios jogadores. Muitos setoristas são levados a cultivar contatos que lhes dão as informações exclusivas que os editores cobram diariamente. Esse tipo de relacionamento tem um preço. Omitir determinados fatos pode ser um deles. Veicular preferencialmente as versões oficiais do clube, outro.

Por outro lado, a imprensa esportiva registra casos de profissionais que foram afastados da cobertura diária de determinados clubes a pedido de dirigentes. Cartolas já boicotaram setoristas que, na opinião deles, "não se comportaram bem".

Houve um época em que o Jornal do Brasil acabou com o setorista fixo nos clubes e implantou um rodízio, convencido de que era melhor perder eventualmente uma noticia exclusiva do que comprometer a isenção e se pautar pela assessoria dos clubes ou pelos interesses da cartolagem.

Entre os ex-jogadores que se tornaram comentaristas, Juninho, ao lado de Caio, é um dos melhores.
Não há ainda informação do seu destino, se outro canal o levará a Moscou ou se o corporativismo prevalecerá e as demais opções se solidarizarão com os seus setoristas.

O setorismo e o medo de perder a fonte geram distorções não apenas no esporte. Política e economia estão aí para provar.

De qualquer forma, setoristas não têm vida fácil. Juninho tocou em um ponto sensível da mídia, mas errou ao generalizar. Ele mesmo ressaltou depois que não estava generalizando, há bons e maus. E deu como exemplo até experiência pessoal, quando voltou ao Vasco após longa temporada na Europa, já com 36 anos, e foi ofendido e até "perseguido", segundo ele, por um setorista a quem processou.

VEJA O VÍDEO COM A NOTA OFICIAL DA GLOBO E A REAÇÃO DE JUNINHO PERNAMBUCANO. CLIQUE AQUI

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Fotomemória da redação: em 1968, a Fatos & Fotos registrou a lua-de-mel de Rita Pavone no Rio. 50 anos depois a cantora volta à cidade



Fotos de Zulema Rida - Reprodução Fatos & Fotos N° 376
Em 1968, a Itália, como muitos outros países, estava em chamas. Na região central de Roma, estudantes e polícia entravam em choque.

Embora já não fosse o símbolo da rebeldia que em 1962 o sucesso Datemi un martello sugeria, Rita ainda provocava polêmica.

A cantora havia acabado de se casar com Teddy Reno, 41, também cantor, que tinha o dobro da sua idade e era recém-separado. A Itália não aprovara ainda o divórcio e o casamento foi realizado na Suíça. Em meio a críticas e forte julgamento moral por parte da imprensa italiana, Rita e Reno vieram passar a lua-de-mel no Rio. Em em junho de 1968, a cidade também explodia em contestação e violência, mas as passeatas agitavam o Centro e não chegavam até o Copacabana Palace onde a repórter Helena Beltrão e a fotógrafa Zulema Rida, da Fatos & Fotos, foram encontrar o casal.

Eles continuam casados. Teddy com 91 anos e ela com 72.

Cinquenta anos depois da cena acima, na varanda do Copa, Rita Pavone volta ao Brasil. A cantora faz turnê em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e, no dia 19, se apresenta no Vivo Rio.
 

Childish Gambino na América, Porta dos Fundos aqui: já viu o vídeo do "traficante gospel"? Tem um milhão e meio de visualizações...


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Childish Gambino em "This is America": um clipe denuncia racismo, violência e os estereótipos do rap. Tudo isso junto quebra a internet e agita o país do Tio Trump



Reproduções You Tube

Em pouco mais de 24 horas, um vídeo lançado pelo rapper, cantor de soul e comediante Childish Gambino (nome artístico de Donald Glover) acumulou mais de 18 milhões de visualizações. O clipe "This is America" ganhou elogios da crítica, é considerado um dos melhores de 2018, e há quem o veja tão antológico quanto o célebre "Thriller", mas ao contrário da fantasia de Michael Jackson este é uma guerrilha satírica bem real com um certo clima de Black Panther, não o filme, o movimento revolucionário dos anos 1960.

Gambino detona a violência armada, o racismo, a ostentação de carrões e correntes de ouro por artistas blacks e outros estereótipos do rap. Tudo isso em um grande cenário - um armazém onde acontece um motim - e embalado por vistosa coreografia.

O rapper abusa das poses grotescas, caretas, gestos caricaturais e estereotipados e, para quem vê o clipe, é bom não se distrair com isso: ao fundo acontecem cenas que compõem  a fuzilaria irônica em tempos fascistas do tipo "America Great Again".

O rapper também atira contra a forma como a polícia vê os negros - o que seria uma referência ao assassinato de Stephon Clark, morto por um "cop" que viu uma arma na mão da vítima quando era apenas um iPhone -, remete ao movimento Black Lives Matter e lança frases como "Você é apenas um homem negro neste mundo / Você é apenas um código de barras".

Donald Glover é um artista multimídia: além de rapper, é roteirista do seriado 3D Rock e criou e atuou no seriado Atlanta, com o qual ganhou dois Emmys, de Melhor Diretor e Melhor Ator.

VEJA O VÍDEO DE "THIS IS AMERICA", CLIQUE AQUI

domingo, 6 de maio de 2018

20 ANOS DEPOIS • Uma visita aos fantasmas do Teatro Adolpho Bloch – Por Roberto Muggiati

"Vinte anos depois, revi o espaço. Ele continua ali, imutável.
Mas o tempo no seu entorno se esfacelou completamente"
(RM). Foto: Divulgação

Cena do Musical da Bossa Nova, que tem no elenco Marcelo Várzea, Cláudio Lins, Nicola Lama, Stephanie Serrat, Tadeu
Freitas, além de  Eduarda Fadini, Andrea Marquee, Ariane Souza e Juliana Marin. Foto Divulgação.


por Roberto Muggiati

Algo como a abertura de Rebecca me perseguiu durante anos: “Na noite passada sonhei que voltei a Manderley.” A protagonista retorna para encontrar a faustosa mansão senhorial arrasada por um incêndio, com suas ruínas cobertas pelo mato.

No teatro reaberto. Foto Rodrigo

Durante vinte anos sonhei que voltava ao Teatro Adolpho Bloch. Ontem à noite, não foi um sonho, foi tudo real: voltei fisicamente ao teatro da  Manchete, reaberto pela primeira vez desde que a empresa pediu falência em 1º de agosto de 2000. Não encontrei a sala em escombros, mas vistosa como sempre, com suas paredes e pisos de madeiras nobres e as confortáveis poltronas de veludo vermelho.

Portal do Teatro Adolpho Bloch, que se integrava à piscina e ao antigo restaurante do terceiro andar
do prédio da Rua do Russell. Reprodução Manchete

Enquanto assistia ao simpático show O Musical da Bossa Nova, foram passando por minha cabeça os principais momentos que vivi naquela bolha cenográfica cheia de memórias, cujos imensos portais ao fundo do palco se abriam, ao final do espetáculo, para a piscina e a esplanada de mármore onde aconteciam as grandes recepções da Manchete.

Bibi Ferreira, Grande Otelo e Paulo Autran em O Homem de La Mancha.
Reprodução Manchete

O Teatro Adolpho Bloch foi inaugurado em grande estilo num sábado, 13 de janeiro de 1973, com o musical O Homem de La Mancha, com Paulo Autran, Bibi Ferreira e a genial atuação, no papel de Sancho Pança, de Grande Otelo (o apelido foi dado pelo grande Orson Welles.). A paixão de Adolpho pelo palco vinha da infância, quando seu pai, um gráfico na Ucrânia, imprimia libretos musicais que o menino distribuía na Ópera de Kiev. Corre até a lenda de que, antes de liberar com o arquiteto Oscar Niemeyer as plantas do prédio da Rua do Russell, onde instalaria sua editora – em terreno escavado com dinamite anos a fio numa pedreira que chegava quase à beira-mar – Adolpho fez questão de examinar meticulosamente os detalhes do teatro, que ainda se dava ao luxo de ser rodeado por paisagismo de Burle Marx.

Fascinado por seu novo brinquedo, Adolpho deixou algum tempo de lado as revistas e até as preocupações bancárias.  Num gesto espantoso, liberava-nos mais cedo nas quintas-feiras, com a condição de que fôssemos assistir à matinê do Homem de la Mancha – e não havia como escapar, os espias do DP (Departamento do Pessoal, na Bloch nunca se pensou em Recursos Humanos...) ficavam de olho para que ninguém escapasse. No dia seguinte, com os olhos brilhando, pedia nossas impressões sobre o musical.

Por conta da canção O sonho impossível, houve até um episódio insólito, que só poderia acontecer mesmo na Bloch. Adolpho costumava reunir seu petit comité no fim da tarde das sextas-feiras para a leitura e aprovação do seu artigo semanal. Cony era o encarregado de botar no papel, mas as ideias da coluna eram exclusivas da cabeça ímpar do grande Adolpho. Ele chegava com as laudas e pedia que eu lesse o artigo, “na sua voz da BBC...”, valorizando o fato de que eu trabalhara três anos no Serviço Brasileiro da rádio estatal britânica. O grupo incluía Murilo, Zévi, Arnaldo, Cony e um ou outro incauto que passava desprevenido pelo corredor. No auge da Manchamania, Adolpho cismou de incluir no seu artigo um trecho da canção O sonho impossível. Nenhum de nós, intelectuais de fina estirpe, conhecia a letra. O Cony lembrou que uma recepcionista do teatro sabia a música de cor e não se cansava de entoá-la. Convocou-se incontinenti a Mary, que era irmã do Lourival, chefe da fotocomposição – o nepotismo funcionava em todos os escalões na Bloch. Com seu uniforme azul claro que lembrava o de uma aeromoça das linhas estatais da Albânia, muito séria, em posição de sentido, Mary escandiu à perfeição a letra do Sonho impossível. No dia seguinte, era promovida para um cargo administrativo num dos andares mais altos da empresa.

Pippin,1974. Musical levou ao palco do Teatro Adolpho Bloch  Marília Pêra, Marco Nanini, Maria Sampaio, Tetê Medina e Carlos Kroeber e bailarinos. Reprodução Manchete

O Pagador de Promessas, com Tony Ramos, Fátima Freire e Carlos Koppa, entre outros atores. Reprodução Manchete

Christiane Torloni em Salomé. No elenco, nomes como Luís Mello, Tuca Andrada, Claudia Schapira e Caco Ciocler.
Foto Vania Toledo/Divulgação

Seguiram-se no repertório do teatro outros sucessos, nenhum tão retumbante quanto O Homem de la Mancha. Veio Pippin, algo meio estranho à nossa cultura. Depois, a comédia de Neil Simon Tudo bem no ano que vem, com Glória Menezes e Tarcísio Meira. E então o bem brasileiro O pagador de promessas. E o musical sobre Mozart, sucesso da Broadway, Amadeus. Depois de um período difícil, o teatro reabriu em 1997 com Salomé, de Oscar Wilde, uma vitrine para Cristiane Torloni, no auge da carreira.

Lembro a noite do casamento, no Teatro Adolpho Bloch, da filha do Oscar Bloch Sigelmann, Eveline, com o filho da Lily Safra, Cláudio Cohen, herdeiro do Ponto Frio. O padrasto do noivo, Edmond Safra, presidente do American Express, fretou um avião para trazer celebridades europeias às núpcias. Cabeças cobertas de quipás importados de Nova York. O noivo quebrando nas tábuas do palco a taça envolta em guardanapo de linho, aos gritos de “Mazel tov!” Horas depois, três da madrugada, Cláudia, a irmã da noiva, morre tragicamente num acidente de carro na Gávea.

Houve uma noite atípica em 1996, quando a Bloch, para fazer média com Antônio Ermírio de Moraes, programou sua peça Brasil S.A. O grande empresário se ungira da missão de explicar o país para os leigos através de uma trilogia teatral. A lembrança é vaga, mas foi numa segunda-feira, depois do fechamento da Manchete. Um verdadeiro dilúvio abateu-se sobre o Rio, lembro apenas dos comes-e-bebes, mas creio que, por motivos logísticos, a peça não chegou a ser apresentada.

Tivemos ainda projeções de filme no teatro, programadas pelo próprio Adolpho. A epopeia Masada, sobre a resistência heroica dos judeus no ano de 66 numa fortaleza localizada no topo de um penhasco rochoso isolado, na extremidade ocidental do deserto de Judeia, onde cerca de 800 zelotes travaram a última batalha contra cerca de 5000 romanos. Pior é que, antes da escolha do filme, fomos vê-lo na cabine da Universal, num beco ao lado do consulado americano no Rio. O filme tinha quase quatro horas de projeção. Passei a grafar seu nome como Maçada. Outro filme importante que passou no teatro foi A lista de Schindler. Por mais comovente que fosse a cinematografia de Steven Spielberg – ou talvez por isso mesmo – não foi uma noite muito alegre. Revivemos com o coração dilacerado toda a maldade sadista dos nazistas e a noção de como o ser humano pode ser cruel para com o próximo.

A última vez que estive no Teatro Adolpho Bloch também não foi das mais recreativas. Em 1998, logo depois que o Brasil perdeu a Copa na França e as bolsas do mundo começaram a despencar após a derrocada dos tigres asiáticos – e a folha de pagamentos da Bloch travou – tivemos uma reunião de toda a empresa no Teatro Adolpho Bloch. Teoricamente, os patrões tranquilizariam os empregados sobre seu des(a)tino. Adolpho e Oscar tinham morrido em 1995. Jaquito estava hospitalizado nos Estados Unidos fazendo uma cirurgia cardíaca. A empresa era representada ali, no vermelho  simbólico daquelas poltronas de veludo, por Jacqueline Kapeller e Carlinhos Sigelmann, que não encontravam palavras para dizer... o que? E a plebe rude via apenas uma luz no fim do túnel que, na verdade, era um trem expresso que vinha a mil na contramão para atropelá-la.

Vinte anos depois, revi o espaço. Ele continua ali, imutável. Mas o tempo no seu entorno se esfacelou completamente. Por esse motivo, eu seria o último a ridicularizar os relatos recorrentes de que, na calada da noite, os fantasmas do Adolpho e do Oscar – e de outros menos cotados – são vistos passeando por estas plagas. Acredito piamente nisso.