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sábado, 7 de janeiro de 2023

Memórias da redação - Vinícius de Moraes e suas mulheres apaixonadas

 






Revista Manchete (2 de janeiro de 1980)

Depoimento a Reynivaldo Brito e Tarlis Batista

Fotos Manchete (*)

Não nasceu para negócios, mas para o amor e para a vida. No dia 19 de outubro de 1913, na Rua Lopes Quintas, 114, Gávea, o nascimento de Marcus Vinícius da Cruz de Melo Moraes trouxe alegria e preocupação. O pai tinha algum dinheiro, fizera maus negócios na ocasião, com o nascimento do garoto teve de emigrar, procurar vida mais barata. A família deixou a aristocracia da Gávea e foi para o Cocotá, na Ilha do Governador, então muito bucólica, sem ponte e sem praias poluídas.

Ali, o menino Vinícius tomou contato com a natureza, à vida desinibida e livre dos pescadores e dos pobres. Nunca perderia esse chão de infância.

Mas havia que estudar e na ilha não havia bons colégios. Vinícius é matriculado no Santo Inácio, onde reinicia, gradualmente, seu retorno à Zona Sul, mais precisamente, à Gávea, onde, aos 66 anos, morreria.

No colégio dos jesuítas, a fase espiritualista, católica, conservadora, as influências de pias leituras e, mais tarde ainda, na Faculdade de Direito, a influência de Santiago Dantas e Octavio de Faria. Vinícius não chegou nunca a ser um reacionário, mas andou perto.

Como acontecia naquele tempo, falsificava-se facilmente a idade para um menino precoce poder cursar a faculdade. Com 16 anos, já acadêmico de Direito, faz a primeira letra, Loura ou Morena, música de Haroldo Tapajós, gravada em disco Colúmbia pelos Irmãos Tapajós: Paulo e Haroldo, Ano do evento: 1932. Repetiu a dose com os mesmos parceiros, fazendo foxtrotes que tiveram algum sucesso. Mas não dava para ganhar a vida. Com 19 anos, já formado, sonda o mercado de trabalho e verifica que não dá para advogado. Preferia ficar lendo, num bar, tomando um chopinho, e, sobretudo, vendo passar na calçada às moças cheias de graça.

Anos mais tarde, eternizaria esse hábito e essas moças na figura da Garota de Ipanema. Sempre influenciado pelo catolicismo, ele publica seu primeiro poema na revista A Ordem, fundada por Jackson de Figueiredo. A Transfiguração da Montanha foi levada por Octavio de Faria a Alceu Amoroso Lima, que dirigia a revista. Todos pareceram gostar inclusive o próprio Vinícius, que no ano seguinte estréia em livro: Caminho Para a Distância. Seu amigo Octavio de Faria dedica-lhe um ensaio em que estuda a ainda escassa obra de Vinícius ao lado de outro estreante, Augusto Frederico Schmidt. Relembrando essa fase, Vinícius não teve piedade de si mesmo: “Minha poesia inicial tinha de ser esotérica e metafísica. Era muito artificial. Felizmente, minhas curtições de menino criaram em mim um nódulo natural de resistência contra os erros da minha formação, que me permitiram, quando mais adulto, optar por uma simplificação de meu instrumento de trabalho, no sentido de comunicar-me mais e melhor”.

O segundo livro se enquadra dentro desse período sombrio e tem um título óbvio: Forma e Exegese (1935). Apesar de tudo, é um poeta desempregado, até que consegue o seu primeiro emprego sério: o de censor de filmes, de 1936 a 1938, ocupação pouco brilhante e democrática da qual logo procurou se livrar. Arranjou uma bolsa-de-estudo. Aos 24 anos, o primeiro casamento, por procuração. A noiva, Tati, morava em Londres. Foi o início da outra e da mais comprida obra do poeta: o amor.

O casamento durou bastante, foi o mais longo. Vindo do exterior, o casal foi morar no Leblon, numa casinha da Rua General São Martin. Ali se reunia uma turma de amigos, mas a boca-livre era moderada pois o dono da casa continuava sem emprego. Aí apareceu a opção do Itamarati. Naquele tempo não existia o severo vestibular do Instituto Rio Branco. Mesmo assim, havia um concurso e Vinícius passou uns tempos estudando seriamente, só conseguiu passar na segunda tentativa. Deve a sua carreira diplomática à influência de sua mulher Tati e de seus amigos diplomatas Jaime Azevedo Rodrigues e Lauro Escorel. Em 1943 recebe o primeiro posto no exterior: Los Angeles. Serviria na carreira diplomática durante 25 anos, mas nunca levou a sério a função.

Mas importante do que tudo foi à viagem que fez pelo interior do Brasil em companhia do polonês Waldo Frank. A intimidade com o Brasil de verdade provocou a virada total em sua vida: na poesia, na ideologia, na maneira de viver e, até, no modo de amar. Libertou-se gradativamente das amarras e entrou de cabeça na vida. Para Viver.

Daí em diante, a vida de Vinícius se confunde com a do tempo em que viveu, nos setores da música popular, do espetáculo, da badalação e até mesmo da política.

Duas importantes vertentes se formam na obra viniciana, dividida esquematicamente em dois segmentos básicos: a poesia em termos eruditos ou em letras de canções populares; e o roteiro infinito de suas andanças amorosas, sintetizadas em nove casamentos e diluídos em diversos casos, sobretudo, na imagem do grande amante que, de uma forma ou outra, influencia homens e mulheres de duas gerações.

Como poeta, ele conseguiu ser maravilhosamente fiel às mulheres com as quais se casou e amou enquanto o amor foi amor

A série de casamentos iniciada com Tati prolongou-se, em 1952, com Regina. Seguiram-se: Lila Bôscoli, Lúcia Proença, Nelita Abreu Rocha, Cristina Gurjão, a baiana Gesse, a argentina Martinha e Gilda, a última. Mais do que um rosário de nomes, foi uma vivência de amor que ele esboçara, pela primeira vez em letra de forma, numa edição de MANCHETE, em 1955, na seção intitulada A poesia é Necessária. Ilustrado por Carlos Thiré, aparecia Receita de Mulher, com a indicação: “Poema inédito, enviado de Paris especialmente para esta página.” O poema tornou-se famoso, principalmente pelo seu citado começo: “As muitas feias que me perdoem/ mas beleza é fundamental.”

A ruptura de Vinícius com o mundo acertado e frio é total. Pouco a pouco, ele abandona uma série de convenções, a gravata, o paletó os cabelos corretamente cortados, engorda e emagrece conforme a vida vai levando, curte corajosamente suas fossas, atola-se no amor (“O que mais gosto é do agarramento”), participa de movimento bossa-nova, onde logo conquista o lugar que ninguém lhe tira: o de melhor letrista. Ao mesmo tempo que muda de mulher, muda de parceiros e ele próprio admite que há alguma analogia na parceria de uma vida e na parceria de uma canção: o mesmo ciúme, o mesmo gostar muito e, finalmente, a exaustão, o não ter mais nada a dizer.

Antônio Carlos Jobim, Carlos Lira, Baden Powell, Toquinho – ele influencia diretamente todos demais letristas e se torna o Poetinha das rodas boêmias, o adulto maldito da sociedade bem-comportada.

Em 1968, já famoso internacionalmente através de seu filme Orfeu do Carnaval e de algumas letras que percorriam o mundo, Vinícius é aposentado a força de suas funções de diplomata – que, aliás, ele próprio era o primeiro a desprezar. Dá expediente, então de boêmio, em regime full time. Deixa o Rio por uns tempos, considerando a cidade em que nascera muito cruel e agressiva. Vive uns tempos na Bahia, jura que nunca mais sairá de lá, “a Bahia está mais perto da verdade”, mas o sonho dura o que duraram suas paixões e ele volta ao mundo e ao Rio. Só conseguiu ser fiel ao grande amor, que para ele não estava numa mulher ou numa situação, mas num clima interior.

“Vinícius havia chegado a Paris, em 1956” – conta Cristina Gurjão – “e o Ronaldo Bôscoli me apresenta a ele. Na época Vinícius estava casado com Lila Bôscoli. Eu tinha 16 anos e fiquei deslumbrada com a possibilidade de frequentar a casa dele. Acabei me tornando amiga do casal. Mas nada havia entre nós. Depois ele se separou de Lila e se casou com Lucinha Proença. Eu só me casei com ele em 1968. Foi um casamento que durou quase três anos e nesse período tivemos uma filha, Maria, hoje com 10 anos. Vinícius foi um dos seres humanos mais perfeitos que conheci. Foi, inclusive, um bom pai. Todas as vezes que vinha ao Rio encontrava tempo de se dedicar a Maria. A influência dele está se refletindo agora em nossa filha, cujo temperamento é bastante parecido com o de Vinícius”.

Além de distribuir amor, Vinícius distribuiu talento e alegria com seus numerosos parceiros e amigos da música, do teatro e da vida

“Meu primeiro encontro com Vinícius – diz a baiana Gesse – foi durante a filmagem de Sol Sobre a Lama, dirigido por Alex Vianny e cuja trilha sonora era de Pixinguinha e dele. Foi um simples conhecimento, não um contato estreito. Em 1969, quando Vinícius colocou as mãos sobre o cinema da calçada da fama, em Ipanema, segui com Maria Bethânia e alguns outros amigos baianos para uma boate. Vinícius foi conversando com todos, de repente estávamos ele e eu sozinhos, fomos para uma boate onde Luizinho Eça tocava ao piano. Vinícius começou a cantar canções para mim. E assim tudo começou. No dia seguinte voltei para a Bahia e pouco tempo depois recebi um telegrama pedindo que eu viesse ao Rio. Arrumei as malas e vim ao seu encontro, seguindo com ele para o Uruguai. Ele iria realizar uma temporada por lá. E lá nos casamos. Foi, aliás, o nosso primeiro casamento. O segundo aconteceu em 1973, no candomblé. Nos sete anos que durou nossa ligação, ele foi muito feliz. Vinícius me cercava de muitas atenções e carinho. Sei que muitas mulheres povoaram a sua vida durante o nosso casamento. Ele viajava, em temporadas pelo interior, eu telefonava para o quarto dele, uma mulher atendia, dizia que era a camareira, a arrumadeira, mas eu sabia que era outra amada. Não me aborrecia. Afinal, o seu amor era eterno enquanto durava. O nosso, enquanto durou, foi eterno. Recebia flores de todos os cantos do mundo, fui carregada no colo e tive todas as minhas vontades realizadas pelo homem maravilhoso que um dia me amou”.

Vinícius não fazia por menos. A um repórter confessou um dia: “O que eu gostaria mesmo é de reunir a mulherada toda, desde Tati, todas as minhas namoradas, mulheres, casos, flertes, encher a casa com elas, fazer aquele porão de Fellini em Oito e Meio, a promiscuidade total, o amor total”.

Para um homem assim, para um poeta simples e consumado, a vida não podia estar dissociada de sua obra. Mais do que escrever poesia, ele vivia a própria poesia em sua vida, em sua paixão e em sua glória.

(*) Infelizmente, a edição não deu crédito para os fotógrafos. 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

O repórter e o ministro

Foto Fernando Cussate

No auge do sucesso de "Pantanal", Manchete e Amiga (em 1990, a Fatos & Fotos já não era semanal, saia apenas em edições especiais), publicavam capas e reportagens sucessivas sobre a novela. As revistas pegavam carona na novela e se davam bem na venda em bancas. Tudo que vinha do meio rural era notícia. Nessa ofensiva pantaneira, o eficiente repórter Tarlis Batista foi escalado para entrevistar o ministro da Agricultura Antonio Cabrera, do desastrado governo Collor de Mello. O "gancho", o ministro era fazendeiro. Tarlis foi encontrar o entrevistado em casa. Agora fala sério. na foto acima quem está embecado como ministro? Tarlis Batista. Sobre essa foto que chamou a atenção da redação (que normalmente era feita para ilustrar o sumário da revista), a história conta que Tarlis envergava um blazer de lã mista irlandesa, calças de algodão Oxford e mocassins italianos. O ministro propriamente dito posa com figurino de tecido sintético da rua 25 de Março, sapatos Vulcabrás. Bom, vá lá, eram os tempos bregas e complicados da Era Collor, Casa da Dinda, camisetas com dizeres "não me deixem só", PC Farias, Zélia Cardoso de Mello que, naquela chanchada, fazia par romântico com Bernado Cabral...  E o pior é que estamos em 2020 e o Brasil não aprende...

domingo, 6 de outubro de 2019

O dia em que Frank Sinatra conheceu Tarlis Batista. Por J.A. Barros

1980: Tarlis e Sinatra. Reprodução
por J.A. Barros

Eu não sabia que o Tarlis Batista dominava a língua inglesa tão bem, mas o fato é que desempenhou
seu apoio a essas duas estrela de primeira grandeza de Hollywood, Bo Derek  e seu marido. A habilidade de anfitrião de repórter da Manchete se repetiu por ocasião do show que Frank Sinatra fez no Estádio do Maracanã, na sua turnê ao Brasil em 1980. Na primeira noite em Frank Sinatra saiu do hotel para ir para o Maracanã, Tarlis sai acompanhado pelo nosso o Frank Sinatra com uma das mãos sobre os seus ombros. Ninguém sabe, pelo menos até hoje, como o Tarlis conseguiu se infiltrar no hotel e criar essa amizade com um dos mais famosos cantores do mundo. O inglês do Tarlis deveria ser muito afiado para encarar o inglês perfeito do Frank Sinatra, o que se identifica nas suas canções.

sábado, 5 de outubro de 2019

Fotomemória da redação: Bo Derek visita Manchete e Tarlis Batista foi mais do que anfitrião

Rio, 1980: John Derek, Tarlis Batista e Bo Derek
No verão de 1980, a atriz  Bo Derek, então com 24 anos, veio ao Brasil para promover o lançamento do filme "Mulher Nota 10". Ela, que antes só havia atuado em papel secundário em "Orca, a baleia assassina", experimentava o sucesso mundial. A Manchete, como se sabe, era uma espécie de parada obrigatória dos astros e estrelas de Hollywood em visita ao Rio. A belíssima Bo Derek, que estava acompanhada do marido, o diretor John Derek, não só posou especialmente para a revista como foi à redação acompanhar a escolha da foto para capa. Nunca o escurinho da cabine de projeção de fotos, no oitavo andar, esteve tão lotado. Bo Derek saiu incólume do local. O mesmo, a julgar pelo comentários de corredor, não se pode dizer quando, fora do território do Russell, a atriz circulou pela Barra da Tijuca e pela noite carioca conduzida pelo repórter Tarlis Batista. Trinta anos mais velho, John Derek teria trocado algumas dessas incursões pelo conforto da suíte do hotel em que o casal estava hospedado. Tarlis ficou com a exclusiva. Se foi verdade ou não, fica valendo a máxima jornalística: "a versão é sempre melhor do que o fato".

domingo, 18 de novembro de 2018

Zico, Flamengo e memórias de um fotógrafo-torcedor. Por Guina Araújo Ramos

Zico e Bruno, 1978 - Foto de Guina Araújo Ramos
E, da mesma sequência, a imagem que virou capa da
Manchete Esportiva. Foto de Guina Araújo Ramos



por Guina Araújo Ramos

A data real de fundação do Clube de Regatas do Flamengo é 17 de Novembro de 1895, mas seus fundadores, certamente influenciados pela ainda recente Proclamação da República, registraram como data oficial o 15 de Novembro, o que é, talvez, a primeira das muitas contradições deste clube de elite que se tornou o mais popular do Brasil, quiçá do mundo...

Além do esforço por sucesso na nobreza das regatas, os primeiros atletas flamenguistas logo se voltaram para o futebol, prática mal vista pela elite carioca. Por alguns anos o time apenas disputou amistosos, até a chegada de um time inteiro de futebol, dissidência de outro clube ainda mais esnobe, o Fluminense.

A mudança progressiva no perfil dos torcedores (não o da diretoria...) foi efeito não só das vitórias, a partir dos anos 1920, mas da expansão do rádio, com a formação de cadeias nacionais para a transmissão dos jogos, que tornaram conhecidos os times cariocas em todo o Brasil. Cresceram principalmente, com os bons resultados nas décadas de 1940 e 1950, as torcidas de Vasco e Flamengo, e esta, no Rio, também era estimulada pela Charanga, uma bandinha irritante na arquibancada...

A partir de meados dos anos 1970 e até início dos anos 1990, o Flamengo novamente recebe uma onda de torcedores: outra excelente fase de vitórias!... É então que brilha o maior de todos os jogadores lendários do Flamengo: Zico.

A partir da Era Zico, o Flamengo continua a sua epopeia, sempre na primeira divisão nacional, com seis títulos brasileiros (incluindo o nacional de 1986) e até ultrapassando o velho rival Fluminense em campeonatos cariocas, muitos já no século XXI, com destaque para o show do gringo Petkovic, em 2001, na final contra o Vasco.

A esta altura, Zico (Arthur Antunes Coimbra), maior artilheiro do Flamengo, que também jogara na Itália e Japão, tornara-se técnico de futebol, trabalhando nos mais inesperados países.

Com esta história, simplesmente o Flamengo acumulou a maior torcida no mundo, cerca de 40 milhões de torcedores... Inclusive eu, desde os cinco anos de idade, ao ver o Fla tricampeão (1953-54-55), e justo sobre o América, para o qual meu pai me catequizava (tema, emulando Guimarães Rosa, do premiado conto Grã Decisão: Viradas).

Meus primeiros contatos com Zico se deram nos tempos em que trabalhava na Bloch Editores, em matérias para a revista Manchete Esportiva, onde, em geral, cobria esportes amadores (a concorrência fotográfica era grande...). Desta vez, a tarefa era uma foto bem posada, típica das revistas da Bloch Editores, de Zico com o seu recém nascido filho Bruno, ambos com camisas do Flamengo, é lógico. Apesar da forte sombra do flash direto, de certo modo uma falha técnica (desculpável, talvez, pela minha pouca experiência ou pela emoção de torcedor), a foto foi capa da revista.

Outra passagem na Bloch que levo divertidamente na memória é a de um plantão de fim de ano (1978, 1979?), em que me colocaram de acompanhante do tão efusivo quanto sério do repórter Tarlis Batista, “o repórter das missões impossíveis”... Íamos cobrir um réveillon de luxo, se não o do Copacabana Palace, o de algum outro luxuoso salão do bairro. Só que ele sempre inventava algo mais... Veio logo avisando que iríamos registrar também a passagem do ano na casa do Zico, na Barra. Precisando estar tanto na Barra quanto em Copacabana no mesmo momento, à meia-noite, foi necessário que fizéssemos, na casa do jogador, uma simulação (e nisso ele era muito bom, tinha prática). Depois viemos da Barra em desabalada carreira, na medida em que o engarrafamento nos permitia, para cumprir a pauta da cobertura do réveillon, a contagem regressiva, o espocar de champanhe, em Copacabana. É claro que chegamos um pouco atrasados, mas nada que uma nova simulação não resolvesse...

Em Junho de 1980, me transferi para o Jornal do Brasil e passei a cobrir, com certa frequência, os treinos do Flamengo. Num deles, na saída dos jogadores, vendo o alvoroço em torno de Zico, me aconteceu de, pela primeira e única vez, pedir um autógrafo a um dos meus fotografados (aliás, a qualquer pessoa, exceto escritores), que de repente senti que era uma oportunidade única... Na época, até presidentes faziam questão de conhecer Zico, que o diga João Figueiredo, que o encontrou após o jogo Brasil 1 x 0 Alemanha, no Maracanã, em 1982.

Zico sob abraços. A foto da comemoração  da vitória sobre o Cobreloa, no Maracanã, abriu o Caderno de Esportes do JB.
Foto de Guina Araújo Ramos

Outro momento de associação entre nós, eu e Zico, ainda que à distância, aconteceu no primeiro jogo da final da Taça Libertadores da América, em 1981, contra o Cobreloa do Chile, no Maracanã. Deixei de fazer a foto do gol Zico, em que driblou vários e entrou pela área para fazer o gol, simplesmente porque estava torcendo... Ainda bem que fiz uma bela foto da comemoração, todos em cima dele, abriu a página de Esportes. Conto a história no livro A Outra Face das Fotos, mas devo reconhecer que realmente a paixão pelo Flamengo me atrapalhava um pouco como fotojornalista...

MATÉRIA COMPLETA E MAIS FOTOS NO BLOG BONECOS DA HISTÓRIA, AQUI

domingo, 13 de maio de 2018

Memórias da redação: ...e Jussara Razzé assinou a Lei Áurea na Manchete

Foto de Orlando Abrunhosa

Em 1988 eram comemorados os 100 anos da Lei Áurea. A Manchete preparou um reportagem sobre o tema e o fotógrafo Orlando Abrunhosa foi escalado para fazer a foto de abertura.

Inicialmente, pensou-se em uma foto da sacada vazia do Paço Imperial, o local exato de onde a Princesa Isabel anunciou a libertação dos escravos. Mas o saudoso Orlandinho era detalhista e não embarcava necessariamente na primeira ideia. Ele propôs subir a serra rumo ao Museu Imperial de Petrópolis e refazer a cena histórica.

Lei Imperial 3353. Reprodução
Com um detalhe:  a assinatura seria simulada, mas o documento e a pena autênticos.

E assim foi feito.

A modelo escolhida foi Jussara Razzé, jornalista que trabalhava nos Serviços Editoriais da Bloch e era habitualmente "modelo de mãos" das revistas femininas desde que foi "descoberta" por Kiki Moretti, então editora da revista Mulher de Hoje.

Na pressa, a equipe só percebeu no local que faltava um figurino de época para envolver o braço direito da modelo e compor a cena. Orlandinho pediu uma peça de renda, algo assim. Ninguém menos do que D.Pedro Gastão, do ramo imperial de Petrópolis, neto da Princesa Isabel, foi o "produtor" que providenciou uma toalhinha de linho branco a título de manga e resolveu o problema.

A foto acima é uma Polaroid, do teste de luz que os fotógrafos costumavam fazer. A imagem original assinada por Orlandinho foi página dupla na Manchete.

Os créditos da reportagem: foto de Orlando Abrunhosa, produção de D. Pedro Gastão, modelo Jussara Razzé. O texto da matéria foi de Tarlis Batista.

Os acessórios da produção - a Lei Imperial n.º 3.353 e a pena cravejada de brilhantes - são aqueles que foram colocados à mesa da Princesa no Paço Imperial no dia 13 de maio de 1888, que Jussara Razzé "assinou" de novo 100 anos depois.

sábado, 14 de outubro de 2017

Memórias da redação: O da esquerda é Tarlis Batista, o repórter das missões impossíveis. O da direita não sabemos quem é....

Em janeiro de1980, quando Sinatra veio ao Rio, o repórter
Tarlis Batista, da Manchete, ganhou a simpatia do cantor,
que não era figura fácil para jornalistas. Em função disso,
a equipe da Manchete, com o próprio Tarlis e os fotógrafos Frederico Mendes 

Paulo Scheunsthul, foi recebida no camarim, com exclusividade, após o histórico
 show do Maracanã. Tarlis acompanhou Sinatra em vários outros momentos durante a 
temporada carioca e fez matérias exclusivas no hotel que hospedou o americano 
e seu staff. Carlos Heitor Cony já escreveu sobre o Tarlis, que o impressionava pela ousadia 
e determinação de faz-tudo. "Já o vira em condições e situações mais transcendentes. 
Conhecia todo mundo em todos os lugares, diziam que comera a atriz Bo Derek e que 
Julio Iglesias só fazia o que ele mandava". O bom papo do Tarlis para abrir portas (às vezes, pé na porta, mas quem nunca?), como no caso do camarim do Sinatra, também foi citado por Cony em texto na Folha de São Paulo: 
"Tenho absoluta certeza de que um dos seus crachás, pendurado sempre no pescoço, dava-lhe o direito de entrar fulminantemente no reino dos céus. Deve está se fartando com as 11 mil virgens..." 





REPRODUÇÃO MANCHETE, CLIQUE NA IMAGEM PARA PARA AMPLIAR

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Memórias da redação: Há 40 anos, morria JK. Ficaram a história e dois grandes mistérios ligados à Manchete...

Há 40 anos, no dia 22 de agosto de 1976, um domingo, todos os repórteres da Manchete e Fatos & Fotos foram convocados às pressas para ir às redações, na Rua do Russell, onde diretores e editores das revistas iriam distribuir pautas para a cobertura da morte, velório e enterro de Juscelino Kubitscheck. Tudo era urgente, estavam previstas edições especiais que deveriam ir para as bancas em cerca de 48 horas.
Com o país sob o impacto da morte do ex-presidente em um acidente na Via Dutra, as tiragens se esgotaram. Quatro décadas depois, em tempo de Rio 2016 e turbulências políticas, a data não foi registrada pela mídia. JK é história, seu legado político já foi visto e revisto.
O que não se desvendou foram certas e misteriosas circunstâncias que cercaram seu velório no antigo prédio da Manchete. Os jornalistas Carlos Heitor Cony e José Esmeraldo Gonçalves descrevem, abaixo, os estranhos e insondáveis compassos da marcha fúnebre do ex-presidente na madrugada de 23 de agosto no hall do prédio da Manchete. São dois os mistérios: um envolve um surpreendente terceiro caixão que chega à rua do Russell mas se perde na madrugada. O outro levanta a suspeita de uma inesperada troca de caixões.


A edição especial da Fatos & Fotos e as equipes que cobriram o acidente, velório e enterro de JK.
(Clique na imagem para ampliar)



JK: O MISTÉRIO DO RABECÃO SEM RUMO

por Carlos Heitor Cony (*)


No dia 22 de agosto de 1976, fui com o Murilo Melo Filho ao Instituto Médico Legal no Rio de Janeiro, levar o recado de Sarah Kubitscheck, que desejava que  o velório do seu marido acontecesse no hall do edifício da Manchete, uma vez que o Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo, fora o local prévia e e apressadamente escolhido. No carro da empresa, ao passarmos pelo MAM, Murilo e eu vimos pessoas varrendo o enorme hall do térreo e cuidando dos primeiros preparativos para o velório.
Chegamos ao IML O carro com o logotipo da Manchete chamou a atenção da reportagem. Queriam saber o que dois diretores da revista estariam fazendo ali. Evidente que não estávamos ali como jornalistas, mas como emissários de Sarah às autoridades do Instituto sobre as últimas providências a respeito do velório e do traslado no corpo de JK para Brasília.
O repórter Tarlis Batista, o mais furão e devastador que conheci, valeu-se da condição de colega, afastou-se dos demais repórteres e quis saber o que nos levara até lá. Pertencendo a uma revista semanal, não furaria ninguém, nem rádio, TV e jornais que sairiam no dia seguinte. Se fôssemos raptar o corpo de JK ou verificar se ele havia mesmo morrido, Tarlis só poderia dar o furo depois de toda a mídia ter furado o furo dele.
Para resumir, disse que Sarah pedira que o corpo de JK e do motorista, Geraldo, fossem levados ao hall da Manchete, apenas isso. Até aí, a responsabilidade desse relato é minha, Carlos Heitor Cony, brasileiro, portador da carteira de identidade número tal etc.
Entra agora o espírito de porco do vidente cego Allan Richard Way. Ao ouvir o que lhe comunicara, Tarlis disse o famoso "deixa comigo", expressão generalizada em todo o mundo ocidental, mas que parece ter sido inventada por ele. E sumiu na multidão que se espremia na calçada do IML.
Subimos, Murilo e eu, atravessamos corredores sinistros, embaciados por lâmpadas mortiças que iluminavam corpos e pedaços de corpos. Fomos à sala onde estavam o genro do ex-presidente, Rodrigo Lopes, e o médico Guilherme Romano, cuja presença ali me causou tamanha estranheza que, anos depois, me levaria a escrever um livro com a repórter Anna Lee (O Beijo da Morte, Objetiva, 2004). Neste livro, colocamos em questão as diversas versões sobre a morte de JK, embora não assumindo nenhuma delas por falta de provas realmente comprovadas.
Demoramos no IML cerca de 15 ou 20 minutos.Ao sairmos e entrarmos no carro da Manchete que nos esperava, notei que o rabecão do próprio IML descia por uma das rampas laterais que dão para a Avenida Mem de Sá. Espantei-me ao ver Tarlis na boleia, ao lado do motorista. Com largos e enérgicos gestos, batendo com a mão na lataria da porta do veículo, como se marcasse o compasso imaginário de uma ordem policial, ele mandava que o pessoal ali aglomerado abrisse passagem para a viatura, tinha pressa: ele só realizava grandes missões e todas elas tinham pressa.
Na manhã de 23 de agosto de 1976, filas se formam
em frente ao prédio da Manchete para
o adeus a JK.
Reprodução da edição especial de Fatos & Fotos.
Nâo dei importância a Tarlis estar na boleia do rabecão. Já o vira em condições e situações mais transcendentes. Conhecia todo mundo em todos os lugares, diziam que ele comera a atriz Bo Derek e que o Julio Iglesias só fazia o que ele mandava, fora o único jornalista brasileiro que tivera acesso a Frank Sinatra na suíte ocupada pelo cantor no Rio Palace, hoje da rede de hotéis Sofitel. Nada demais que arranjasse carona num rabecão que ia para onde ele desejava ir naquela noite.
Murilo e eu voltamos a Copacabana para dar conta a d. Sarah de que havíamos transmitido sua vontade ao genro, que ali representava a família de JK. Ao passarmos pela Manchete, cerca de 3 horas da manhã, mesmo estando numa pista distante da portaria, vi que havia um rabecão e movimento de caixões. Confesso que não vi Tarlis, mas o adivinhei nas proximidades, ele sempre se anunciava à distância, como os tornados e as baterias das escolas de samba.
Confesso também que tive uma suspeita cruel, uma suspeita formidável, mas nada disse ao Murilo, que estava tenso e comovido com os últimos acontecimentos, que mexiam tão de perto com ele, amigo íntimo de longa data de JK.
Horas depois, voltei sozinho para a Manchete, levando dinheiro para comprar panos pretos a fim de montar no hall alguma coisa parecida com aquilo que os franceses chamam de les pompes funèbres. Dei o dinheiro ao Marechal, continuo especial do Adolpho, que percorreu as lojas da Rua do Catete, que esgotaram todos os estoques de panos pretos.
Armaram duas urnas simples, sem qualquer suntuosidade, cobriram com os panos pretos, que também foram espalhados aleatoriamente pelo hall, e o velório já estava em processo, com pessoas chorando junho aos caixões, inclusive Tarlis, que a lenda garante que estava chorando no caixão errado (era o único que não podia fazer isso).
Por volta das 5 ou 6 horas da manhã, o dia amanhecendo já com bastante gente espremida no hall e outras chegando, inclusive Elio Gáspari, vi entrar, em marcha lenta, um rabecão do IML Por Júpiter! Poucas vezes vi tamanhas caras de estupefação. Tanto o motorista quanto o ajudante que ia ao lado dele olhavam pasmos o velório em marcha, os dois caixões sendo pranteados, tudo nos modos e cômodos de um velório pungentemente sofrido e chorado.
O rabecão quase parou na porta principal, mas os funcionários do IML vendo, como Cristo, que tudo estava consumado, decidiram ir embora, levando a carga não sei para onde - acredito que nem eles sabiam. Pegaram o retorno da Rua Silveira Martins com a praia, junto ao Palácio do Catete, passaram em marcha lenta do outro lado da pista, vi ainda a cara pasmada do motorista olhando para o hall e não querendo acreditar no que via. Como os motoristas de ônibus que atropelam transeuntes e se evadem. O rabecão tomou rumo ignorado.
Não ouso acrescentar mais nada, tampouco concluir. Perdi contato com o vidente cego Allan Richard Way, de maneira que no momento em que lembro esses fatos não posso consultá-lo.


Os caixões de JK e Geraldo Ribeiro eram absolutamente iguais. Reprodução da edição especial de Fatos & Fotos


SURGE A DÚVIDA: QUEM GARANTE QUE O CAIXÃO 
DA ESQUERDA É MESMO  O DE JK? 


por José Esmeraldo Gonçalves (**)


Morre Juscelino Kubitschek no famoso acidente de carro da Rodovia Dutra. Domingo, fim de tarde, João Luiz Albuquerque, chefe de Reportagem da Manchete, convoca todos os repórteres. A notícia acabara de ser confirmada. Estavam previstas edições especiais da Manchete e da Fatos&Fotos. Cheguei à Redação, ouvi as instruções e logo fui às ruas conversar com políticos, gente que trabalhou com JK e alguns dos seus melhores amigos, como Oscar Niemeyer. Creio que já passava da meia-noite quando voltei ao Russell. Era madrugada de 23 de agosto de 1976. Havia uma agitação no hall do prédio. Tudo estava sendo preparado para o velório de JK e de seu motorista, Geraldo Ribeiro, que também morreu ao volante do Opala, mas logo ouvi que tinha uma pedra no meio do caminho. Niomar Muniz Sodré queria que o velório fosse no Museu de Arte Moderna, instituição que presidia. Briga de foice na madrugada pela honra de sediar as exéquias de JK. A Manchete tinha um repórter que, em campo, era um trator. Era Tarlis Batista, que tinha uma característica: era “entrão” e, pelo seu temperamento, desempenhava as missões mais difíceis. Se o acesso a determinado evento era proibido, melhor escalar Tarlis. Ele dava um jeito de furar esquemas e resistências. Era brigão também. Bom repórter. Claro que o saudoso Tarlis foi enviado ao IML, onde o corpo de Juscelino era preparado. Àquela altura, a disputa pelo velório já chegara às portas do Instituto Médico Legal. Pressões políticas, uma palavrinha de amigos influentes, valia de tudo. Murilo Melo Filho, então um dos mais importantes diretores da Bloch, contou recentemente ao repórter Timóteo Lopes do antigo site No Mínimo, que naquela madrugada teve até que subornar funcionários para apressar a liberação do corpo de JK. Adolpho Bloch que, no período em que JK era persona non grata dos poderosos, o recebeu e o abrigou no prédio do Russell, montando um gabinete onde o ex-presidente pudesse se dedicar a escrever e receber amigos, fazia questão de se despedir do velho amigo na casa que foi sua referência derradeira. Tinha razão. Se Murilo e Cony, que também foi ao IML, se encarregavam do trabalho, digamos, diplomático, usando luvas e persuasão para resolver o impasse, cabia a Tarlis meter o pé na porta. E foi o que ele fez, atropelando os procedimentos e convencendo uns e outros a queimar etapas no ritual legal. Na madrugada, com o Russell ainda com pouca gente, praticamente só os funcionários da Bloch, uma Kombi estaciona na porta principal do prédio. Sentado ao lado do motorista, Tarlis dava as ordens. “Encosta mais e vai mais à frente, meu irmão, assim fica melhor para desembarcar o caixão”, comandava. Esse era Tarlis. Na Kombi, vinha o corpo de JK. Não sei se havia um segundo veículo trazendo o caixão do Geraldo ou se os dois vinham juntos. Sob as ordens de Tarlis, os caixões de pinho envernizado, absolutamente iguais, foram desembarcados e dispostos lado a lado. JK à esquerda, seu motorista e fiel amigo à direita. O impacto atingira bastante a parte superior dos corpos. Os dois caixões estavam cobertos de cravos vermelhos que formavam desenhos idênticos. A Fatos&Fotos publicou uma foto de d. Sarah e de Márcia Kubitschek ao lado do caixão fechado. As fotos, na época, não mostram os rostos, nem de JK nem de Geraldo. A manta de flores que cobria os caixões também tinha um detalhe semelhante: uma cruz de cravos brancos. Aparentemente, não havia como distingui-los. A dúvida era pertinente. Quem garantia que o caixão da esquerda era mesmo o de JK e o da direita, do Geraldo? Só o afoito e competente Tarlis, que comandara a ruidosa expedição de resgate desde o IML. Daí nasceram a hipótese e a especulação jamais esclarecidas. O próprio Cony já levantou essa bola em uma das suas crônicas na Folha de S.Paulo sob o título Coisas que Acontecem, publicada em 4 de junho de 2005.
Estou levantando outra. O posicionamento dos caixões semelhantes e sem clara identificação foi aleatório? Apenas convencionou-se, na pressa, ali no Russell ou à saída do IML, qual era o ataúde que abrigava JK? Do prédio da Manchete, o corpo de JK foi levado ao Aeroporto Santos Dumont, de onde, com escala no Galeão para troca de avião, foi transportado ao Campo da Esperança, em Brasília. Anos depois, os restos mortais tidos como os de JK foram exumados e levados para o Memorial, onde permanecem em uma urna de mármore negro. Curiosamente, nenhum membro da família Kubitschek, segundo apurou o jornalista Timóteo Lopes, esteve presente à exumação. Já o corpo de Geraldo foi enterrado no Cemitério São João Batista, no Rio, e, depois, exumado e levado para Belo Horizonte. Eis o mistério. Como diz Cony na sua crônica, “quem quiser que acredite”. Quem cobriu ou acompanhou o enterro de JK sabe que a pressa e o afobamento marcaram a cerimônia.
À ditadura não interessava que o enterro de um líder cuja influência já parecia ter sido contida pelas fórmulas autoritárias - incluindo-se aí o exílio, a cassação e as ameaças de morte - se transformasse em manifestação política contra o regime. De fato, policiais fardados e à paisana, infiltrados no meio da multidão no percurso entre o prédio da Manchete e o Aeroporto Santos Dumont apressavam ostensivamente o cortejo. A ordem, assim parecia, era fazer o séquito bater algum tipo de recorde de velocidade e chegar logo ao aeroporto rumo a Brasília. Para os militares, o perigo era o Rio, o tambor que repercutiria bem mais que qualquer protesto político na capital federal. Foi tamanha a pressa que não foi permitido aos funcionários da Manchete estender sobre o caixão a Bandeira Nacional. Acabei tendo uma participação casual nesse episódio. O cortejo saiu, ou disparou, e à altura do Hotel Glória um dos motoristas da Manchete me pediu que entregasse ao sobrinho de Adolpho, Pedro Jack Kapeller, o Jaquito, um envelope pardo.
Cortejo de JK. Reprodução

Era a bandeira. Por várias vezes, tentei me aproximar do caixão. Um cordão policial e a multidão compacta me impediram. Além disso, era impossível naquelas condições localizar Jaquito.
Quando o cortejo já se aproximava do Aterro do Flamengo, decidi furar o cordão de policiais de qualquer jeito ou JK chegaria ao aeroporto desbandeirado. Foi o que fiz. Rasguei o envelope, desdobrei a auriverde e lancei-a sobre o caixão. O que era para ser um simples favor ganhou pompa e circunstância. O cortejo parou e a multidão cantou o Hino Nacional.
A cena virou notícia dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo. Para quem tem uma biografia que cabe em poucas linhas, como este que vos fala, o episódio já é alguma coisa. É isso: se a História não me registra, nem deve, eu deixo registrado aqui esse episódio. A morte e o enterro de JK resultaram em uma edição especial da Fatos&Fotos que nos custou pouco mais de vinte e quatro horas de trabalho ininterrupto. Saímos cansados do Russell, com a satisfação de colocar uma revista nas ruas, e fomos parar no bar do Novo Mundo, point de incontáveis happy hours.

(*) (**) Textos extraídos do livro Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou - Desiderata, 2008)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Direto de uma galáxia distante, os anos 70, conheça o JA, o Jornal de Amenidades que tentou ser uma "rede social"

O número 1 do JA, de Tarso de Castro

Serviço no JA: ficha técnica do King's Motel, que foi uma espécie de point jornalistico nos anos 70/80.

O que comer no King's Motel

Muito antes dos humoristas do Casseta, o JA tornou real o Planeta Diário.
(clique na imagem para ampliar)

A capa do número 2

Enquete sobre o EM

Tarlis Batista, repórter que depois fez carreira na Manchete, foi citado no número 1 do JA. Como não era de levar desaforo para casa, respondeu em carta para a seção "Pau Nele" do número 2.

Capa do JA número 3

Matéria sobre o Jangadeiro, o lendário botequim de Ipanema.
(Clique na imagem para ampliar)

Capa do JA número 9

O "Jogo do Carro" das celebridades no JA número 9

JA interativo à moda dos anos 70: o jornal convidava o leitor a escrever para seu ídolo, que respondia em carta manuscrita.
O expediente do JA
por José Esmeraldo Gonçalves
Acredite. Houve um tempo em que não havia rede social. O que não impediu que em um passado remoto, numa galáxia distante, os anos 70, existisse algo parecido com a linguagem da rede social. Há poucos dias, descobri simulações de “posts” escritos no tempo em que nem a ficção científica falava em Facebook.  Em uma caixa de papelão ainda fechada desde uma mudança de apê encontrei quatro velhos exemplares do JA, o Jornal de Amenidades, lançado por Tarso de Castro, em 1971. Na época, eu estudava na Escola de Comunicação da UFRJ, a ECO, então instalada na Praça da República, esquina de Visconde do Rio Branco. O prédio continua lá, mas quase em ruínas como, de resto, muitas lembranças da época. Em uma manhã de junho, alguém levou para a sala de aula o número 1 do JA, com Elis Regina na capa. O jornal era impresso em formato tabloide, com as folhas dobradas ao meio, o que lhe dava um jeitão de revista sem grampo. E não vinha para explicar, nem para confundir, não parecia pretensioso, era apenas diferente. Nas semanas seguintes, comprei os números 2 e 3 em uma banca ali perto, na Gomes Carneiro, quase em frente ao Correio da Manhã, onde passava a caminho da faculdade.
Os anos eram de chumbo, pleno governo Médici, e o Pasquim, do qual fazia parte o mesmo Tarso de Castro, era a leitura menos careta nas bancas de jornal, para usar uma gíria setentista. O JA - não sei quanto tempo durou mas não resistiu muito (era semanal, custava 50 centavos e, pelo menos até o número 9, parecia não ter conseguido captar anunciante que lhe desse sobrevida) – não concorria com o jornal do Sigismundo e pegava outro atalho, o de ironizar a chamada sociedade de consumo e a cultura de massa, expressões em voga nos tempos do tal “milagre econômico”. Era pop e mais provocador do que contestador. A matéria de abertura no primeiro número era a “ficha técnica do King’s Motel, um ícone da década. “Você e a companheira se hospedam democraticamente. Sem muitas formalidades. Ninguém quer saber quem é quem. Nem a ficha, na mesa de cabeceira”.  O texto, meio ao estilo das blogueiras que dão o serviço de marcas e produtos, detalhava quartos, serviço, culinária (com pratos como Filé ao King’s ou Filé Manda Brasa), garagem, formas de pagamento e avisava aos clientes para não levar souvenir para casa. “Desista de roubar a toalha da casa (linda). Dá bolo. No tempo em que você percorre o terreno de carro até atingir a portaria pra se mandar com o souvenir, os caras vasculham o quarto e imediatamente cantam o macaco para a portaria: - ‘Senhor, com toalha é mais 20 contos’”.
Seções como "Placar Social", que fazia o ranking das pessoas citadas nas colunas de Zózimo, Ibrahim Sued, Carlos Swan, Daniel Más e Germana de Lamare, antecipavam o foco sarcástico nas celebridades, hoje material de centenas de sites na web. Havia, ainda, o "Retrato do Consumidor", onde uma personalidade revelava seus hábitos de consumo (Jorginho Guinle era a pauta do número 1), a "K.H. Regras', um tipo de perfil com figuras polêmicas, entrevistas, enquetes, críticas a programas de TV, filmes, teatro, dicas de boates e bares, além de colaboradores como Antonio Bivar, Torquato, Martha Alencar,  Sérgio Augusto, Antonio Calmon, Vera Barreto Leite, Capinam, Pinky Wainer e Joel Barcelos.
Os textos, na maioria, eram curtos, coloquiais, bem tipo rede social. O JA também incentivava a interação com os leitores: havia uma página em que qualquer um podia escrever uma carta para um ídolo – assim como se entrasse no  Facebook do “famoso” ou “famosa” – e receber uma resposta exclusiva; leitores eram entrevistados na porta do cinema para opinar sobre o filme; a seção de cartas não chegava ao tom hater da rede, hoje, mas atendia pelo nome de "Pau Nele" e publicava broncas homéricas em lojas, companhia telefônica, restaurantes e postos de gasolina que maltratassem o consumidor.
Então é isso. Quis apenas compartilhar um certo veículo jornalístico de curta temporada, agora reconectado e reacessado em uma inesperada expedição arqueológica a uma caixa de papelão esquecida. Não tive coragem de jogar fora os quatro exemplares do JA. Fiquei com a impressão de que se o fizesse estaria entregando à Comlurb o “patrimônio imaterial” de um tempo em que o jornalismo tinha essas loucuras, era capaz de apostar no inviável - porque embarcar no viável é fácil -, e ainda (com licença do Fado Tropical, de Chico Buarque) cumpria seu ideal... de pensar fora da caixa. Ou da página.  

sábado, 21 de dezembro de 2013

Manifestação em Ipanema a favor do topless atraiu mais fotógrafos e câmeras do que mulheres de peito aberto









Fotos Gonça
por Gonça
Rede social tem um grande poder de mobilização, certo? Taí a praça Tahrir que não nos deixa mentir. Mas nem sempre. O Facebook anunciou o Toplessaço, em Ipanema, com mais de 5 mil adesões. Ou seja, dez mil seios eram aguardados no Posto 9.  Não apareceram, pelo menos não em massa. Mas fotógrafos havia uns 50, câmeras, uns dez, ou mais, curiosos, centenas. O toque carioca de um vendedor de sutiãs tentando aproveitar oportunidades, outro de mate oferecendo o "mate do peitinho". Faixas. Uma de "Fora, Cabral", que agora parece obrigatória em qualquer reunião pública de mais de duas pessoas, com um detalhe: o mesmo cartaz que protestava contra o governador tinha no verso o slogan "Reginaldo vá com Deus". Pode até ser que hoje, abrindo o Verão, ao longo do dia nublado, o Posto 9 receba outras manifestantes do grupo que pede o fim da criminalização do topless na praia. Mas até por volta de meio-dia apenas uma ou duas "passionárias" enfrentavam de peito aberto o batalhão de fotógrafos e câmeras.
Agora um pouco de bastidores de redação: em 1972, Frederico Mendes, da Manchete fotografou por acaso um topless em Ipanema na imediações das "Dunas do Barato". Era uma desconhecida. Foi o primeiro flagrante do gênero. O diretor da revista, Justino Martins, publicou as fotos na Manchete. No dia seguinte, baixou polícia na portaria perguntando pelo Fred. Alegavam que ele havia dado dinheiro à jovem para tirar o sutiã, o que, segundo a polícia, caracterizaria incitação ao atentado ao pudor. O flagrante era autêntico, mas estávamos em plena ditadura e a Manchete preferiu tirar o fotógrafo da área e mandá-lo para uma viagem até que a onda passasse. Já perto do fim do anos 70, algumas meninas fizeram topless no Arpoador. Também era gesto autêntico, no início. Fez tanto sucesso que alguns jornais e revistas passaram a usar modelos profissionais e simular flagrantes de topless nas praias. Nessa época, o repórter Tarlis Batista emplacou várias capas em Manchete em Fatos & Fotos e acabou virando uma espécie de setorista de topless. As matérias vendiam tantas revistas em bancas que Tarlis ampliou o campo de ação e passou a fazer grandes reportagens sobre os primeiros campos oficiais de nudismo no Brasil. Tais "ousadias" criaram polêmicas nos anos 70. Curioso é que quarenta anos depois, o moralismo resiste e o topless ainda é motivo de manifestação. O tempo não passou nas areias do verão carioca...