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sábado, 9 de março de 2013

O “BELO MODELO” DO NOSSO SETOR ELÉTRICO

por Eng. José Antonio Feijó de Melo (do Ilumina)
Os mais antigos, para não dizer os mais velhos, certamente lembram-se do filme "O Belo Antonio", produção de grande sucesso da época de ouro do cinema italiano, na qual o personagem do mesmo nome, magnificamente interpretado pelo então jovem ator Marcelo Mastroianni encantava as mulheres com a sua beleza e aparência, mas que, "na hora do vamos ver", não conseguia cumprir a tarefa. Depois daquele filme, a designação de "O Belo Antonio" ficou valendo para tudo aquilo que "não funcionava".
Pois bem, o belo Modelo Mercantil do setor elétrico brasileiro, implantado a partir de 1995 e consolidado em 2003/2004, se enquadra perfeitamente no perfil daquele personagem.
Na aparência, um grande sucesso cantado em prosa e verso por seus criadores e pelos responsáveis pela sua consolidação, por todos aqueles que dele se beneficiam como, por exemplo, os seus "agentes", quer dizer, os grupos empresariais e seus acionistas que dele têm obtido ganhos inimagináveis em qualquer outro país em atividades de serviço público como a energia elétrica, bem como pelos profissionais dos escalões mais elevados da administração das suas respectivas empresas. No entanto, na prática, nos momentos precisos, este belo Modelo Mercantil tem-se mostrado um completo fracasso, uma decepção, simplesmente não funciona.
Assim, foi o que aconteceu logo após sua implantação, quando se esperava que a entrada da iniciativa privada e a força das leis de mercado viessem a viabilizar os tão necessários investimentos para a expansão do sistema. Todavia, os investimentos não apareceram e o "Belo Modelo" fracassou. O resultado, todos recordam: o terrível racionamento de 20% da carga durante exatos nove meses, de 1º de junho/2001 a 28 de fevereiro/ 2002.
Como um princípio básico explicitado em documentos, o "Belo Modelo" tinha, entre outros, "o estabelecimento de competição nos segmentos de geração e comercialização para consumidores livres, com o objetivo de estimular o aumento da eficiência e redução de preços" (grifo nosso). Porém, o que se viu? Um novo fracasso. Em lugar da eficiência, surgiram os "apagões" em níveis regionais e até nacionais (lembram do raio de Bauru?) e o aumento da freqüência dos "apaguinhos" nas cidades e nos bairros, além do início da escalada dos preços, ou seja, da elevação das tarifas. Entre 1995 e 2002 as tarifas nacionais, em média, cresceram 46,5% em termos reais acima do IPCA. Assim, apesar das aparências, o "Belo Modelo" não conseguia cumprir o que prometia e que dele se esperava, isto é, reduzir os preços.
Constatadas as suas fraquezas, uma tentativa de revitalização em 2003/2004. Um pouco de planejamento, correção de alguns absurdos, declarações de ênfase na modicidade tarifária, mas em lugar de sua substituição, optou-se pela manutenção em cena do "Belo Modelo Mercantil". Para viabilizar os investimentos, o BNDES e a participação minoritária da Eletrobras e de suas subsidiárias seriam a solução.
Então, as novas obras decolam, as aparências afiguram-se positivas, mas "na hora do vamos ver" tudo continua no mesmo. Os apagões e apaguinhos aumentam de intensidade e de freqüência, surgem as explosões de bueiros, a qualidade do serviço cai a olhos vistos e as tarifas... bem, as tarifas continuaram crescendo e muito acima da inflação. Entre 2002 e 2012, em média nacional, as tarifas industriais cresceram 55% reais acima do IPCA. Alcançávamos o patamar das maiores tarifas do mundo, quando há cerca de 15 anos tínhamos uma das menores. Era o "Belo Modelo Mercantil" em sua plenitude.
Mas como não poderia deixar de ser, surgem as reclamações, insatisfações de toda ordem e então medidas heroicas, talvez desesperadas, precisam ser adotadas. Uma redução significativa de tarifas se faz absolutamente necessária. Mas como fazê-la sem ferir a aparência da filosofia de "mercado"? É possível, sacrificando-se para isto o grupo Eletrobras. Então, que seja feito o sacrifício, para isto existem as Medidas Provisórias.
A redução tarifária entra em vigor, em média nacional cerca de 20%. Mas logo se verifica que o "Belo Modelo", embora já meio desfigurado qual um Mastroianni envelhecido, continua vivo. E aqui, acolá, mesmo antes dos consumidores sentirem o gosto da redução, lamentavelmente novas elevações tarifárias já são programadas que ameaçam rapidamente a engolirem.
E o que parece pior, a Natureza, sabe-se lá por quais caprichos, veio evidenciar mais uma das grandes fraquezas do "Belo Modelo", justamente nesta hora inconveniente (para ele, o "Belo Modelo"). Referimo-nos à questão do regime hidrológico desfavorável que atingiu as principais bacias do nosso sistema hidrelétrico a partir do segundo semestre de 2012.
Com efeito, já a partir de setembro as usinas térmicas foram sendo despachadas para preservar os reservatórios. E na medida em que o tempo passava e as chuvas não apareciam na intensidade necessária, mais usinas térmicas foram sendo ligadas. Assim, na virada do ano acendia-se um sinal amarelo. Não anunciando um novo racionamento, mas sim que havia risco de alguma forma de crise de abastecimento, caso o problema hidrológico viesse a se agravar.
Os responsáveis pelo setor logo contestaram, procurando eliminar qualquer preocupação. Desta vez não se repetirá 2001, por que hoje temos térmicas suficientes. É só despachá-las e deixá-las operando o tempo que for necessário. Não haverá problema de espécie alguma, afinal o "Belo Modelo" está aí mesmo para garantir a situação. Ops! Parece que mais uma vez na hora "H" ele vai de novo fracassar?
Isto mesmo, mais uma vez fracassou. Ora, para funcionar as térmicas precisam de combustível: gás, diesel, óleo combustível ou carvão mineral. E isto custa dinheiro, muito dinheiro. A energia de origem térmica é muito mais cara do que a hidrelétrica que sustenta o nosso sistema e baliza o nosso nível tarifário. E alguém tem de pagar por isto. Mas esta é uma situação normal, previsível. As térmicas estão aí para isto mesmo, para operarem sempre que for necessário. Em sendo assim, o mínimo que se poderia esperar do "Belo Modelo" seria que ele fosse capaz de reconhecer e absorver esta situação normalmente dentro de suas próprias regras.
Mas eis aí a surpresa. Não é. Mas uma vez não conseguiu cumprir a sua tarefa e fracassou. Embora no final de contas quem tenha de pagar por esta energia mais cara será sempre os consumidores, pelas regras do Modelo vigente este sobre preço somente será incluído nas tarifas dos consumidores quando do próximo reajuste anual de cada distribuidora. Assim, enquanto a operação de térmicas era pouco significativa, não havia problema, o "Belo Modelo" respondia bem. Mas agora, com a conta subindo à casa dos bilhões de reais, o rei ficou nu.
A verdade é que as distribuidoras, tendo de pagar mensalmente às geradoras térmicas por essa energia mais cara, nas condições atuais não dispõem de caixa com valores suficientes para cobrir os elevados montantes devidos, pois pelas regras do "Belo Modelo" só mais adiante receberão dos consumidores. Em outras palavras, estão na iminência de ficarem inadimplentes. Por isso, estão pedindo socorro ao governo, seja por via de empréstimos do BNDES (ah BNDES), seja do próprio Tesouro Nacional.
Por sua vez, não tendo agora como gerar a energia que seria necessária para suprir os seus contratos, porque os reservatórios estão muito baixos em virtude de terem sido deplecionados no período em que as térmicas ficaram paradas, pelas regras vigentes as empresas geradoras hidrelétricas têm de "comprar" no mercado livre a energia que falta a preços muito mais altos do que vendem, incorrendo assim em "prejuízos" elevados, superiores até aos valores envolvidos com as distribuidoras. E nestas condições, também as geradoras desejam o socorro do governo.
Segundo notícias divulgadas pela imprensa, reconhecendo tacitamente a falha do "Belo Modelo", o governo já teria sinalizado positivamente para alguma forma de atendimento a ambos os pleitos. Em resumo, o que se observa é que uma situação normal e perfeitamente previsível no funcionamento do nosso sistema elétrico não tem como ser tratada regularmente pelas próprias regras do seu "Belo Modelo" que, como sempre, tal qual o personagem do filme "O Belo Antonio", na hora do vamos ver não consegue cumprir a tarefa. 
Até quando os responsáveis pelo setor elétrico brasileiro vão apostar neste Modelo Mercantil fracassado? (Eng. José Antonio Feijó de Melo, Recife, 06 de março de 2013)

Conheça o Ilumina (Instituto de Desenvolvimento do Setor Energético).  Trata-se de uma organização não governamental, apartidária, especializada no setor elétrico. O sitie da Ilumina informa que seus integrantes, a maioria técnicos com larga experiência, sentem-se no dever de denunciar ações que impliquem em perdas para o consumidor de energia elétrica e para a sociedade brasileira.

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