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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Há 65 anos, o macartismo dava as caras. Parece que foi ontem... E o que Chico Buarque tem a ver com isso?

McCarthy na capa da Time. 



por José Esmeraldo Gonçalves
Em 1950, o Congresso norte-americano aprovou a Lei MacCarran-Nixon. A norma exigia que instituições, sindicatos, empresas e quaisquer outras entidades simpatizantes do ideário comunista se registrassem em órgãos de controle. Podia ser vista como um dispositivo de alcance alegadamente burocrático, mas seus dramáticos efeitos marcariam para sempre um período crítico da liberdade individual na história norte-americana.
Nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra, uma forte campanha anticomunista havia sido posta em curso na mídia local, especialmente no rádio, veículo de grande penetração no interior do país. Nas serpentinas da política internacional já começava a circular, no pós-guerra, o gás que, pouco depois, serviria ao mundo uma Guerra Fria estupidamente gelada.
Em agosto de 1949, a União Soviética detonava sua primeira bomba atômica. Os efeitos daquela explosão em Semipalatinsk, no Casaquistão, abalariam, simbolicamente, as paredes de Washington. A Bomba A soviética acabava com a hegemonia atômica do cogumelo norte-americano. Pouco mais de dois meses depois, Mao Tse Tung proclamava a República Popular da China, após a vitória da revolução que ganhou forma na sua Longa Marcha. Em junho de 1950, a Guerra da Coréia abria sua temporada. O resultado imediato foi a exacerbação do sentimento anticomunista na terra de John Wayne. A nova síndrome alcançou rapidamente a potência de alguns megatons ideológicos. O americano médio passou a ver comunista embaixo da cama, no banheiro, no closet da patroa, no hamburger, na camisa vermelha do quarter-back e na coca-cola. O Senado abriu Comissões de Investigação, mais ou menos como as nossas CPIs, talvez menos vulgarizadas e imponderáveis. Uma dessas subcomissões (havia outras instâncias de investigação conduzidas por deputados na Câmara dos Representantes) foi entregue ao senador Joseph McCarthy, um advogado nascido em uma fazenda, da bancada ruralista, típico "red neck", cujos horizontes mal ultrapassavam o celeiro da propriedade.
Pouco meses antes da instalação das comissões, McCarthy já se destacara na mídia ao denunciar uma rede de espionagem comunista dentro do Departamento de Estado e apontar a atuação de simpatizantes em vários níveis do governo. Menos de um ano depois da aprovação da Lei MacCarran-Nixon, a intensa atuação de Mc Carthy levou à criação de um tribunal especial denominado "Comitê de Atividades Antiamericanas". Foi aí que a cruzada de McCarthy, apoiado pelo diretor do FBI J. Edgar Hoover e pela mídia conservadora, ganhou uma grife - o macartismo - e instaurou um clima de terror em vários setores do pais.
Personificando o anticomunismo, o senador passou a comandar o enquadramento de cientistas, escritores, funcionários públicos, atores e diretores de cinema, roteiristas, funcionários públicos, cientistas, professores e diplomatas. Mas o braço policial do Comitê podia alcançar qualquer outra categoria de cidadão, mesmo aquele sem vida pública. Para isso, bastava a denúncia de um vizinho, colega ou superior. Uma simples suspeita já seria capaz de tornar um inferno a vida de um acusado. Eram os "Culpados por Suspeita", título, aliás, de filme em que Roberto de Niro vive um diretor de cinema que se recusa a denunciar colegas, tem sua carreira interrompida e é abandonado pelos amigos.
McCarthy, endeusado como paladino, talvez tenha se empolgado demais na sua "cruzada patriótica". Ele radicalizou tanto a caça às bruxas que, sentindo-se poderoso e paparicado, passou a desprezar direitos individuais, denunciar militares que eram heróis de guerra e ameaçar enquadrar até advogados das vítimas. O fato de ser a "estrela" anticomunista também incomodou políticos conservadores que ambicionavam o mesmo papel, de alto rendimento eleitoral. Resultado: o "carrasco" foi afastado da subcomissão, cedendo lugar a Richard Nixon.
O criador foi contido mas a criatura, o chamado macartismo, prosseguiria na ativa por vários anos. Coube a Nixon tornar mais atuante a tropa de elite policial das operações que caçavam "espiões". Ironicamente, duas décadas depois, Nixon viria a ser desbancado da presidência por promover espionagem na sede do Partido Democrata.


Diretores e atores de Hollywood, como John Huston e William Wyler organizaram protestos contra a prisão de colegas. Grupos que incluíam nomes prestigiados do porte de Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Henry Fonda, Gene Kelly, Judy Garland, Katharine Hepburn e Frank Sinatra foram a Washington pedir, em vão, o fim da caça às bruxas de Mc Carthy.
Antes de passar o bastão para Nixon, um dos alvos preferenciais de McCarthy foi Hollywood. Ele acreditava que os estúdios estavam infiltrados, eram uma máquina diabólica da propaganda comunista. Além disso, atingir o cinema dava o espaço midiático que o Comitê precisava. Perseguir Charles Chaplin, por exemplo, conferia aos caçadores de comunistas as primeiras páginas dos jornais. Um mero exemplo: os agressores do compositor e escritor Chico Buarque não ganhariam a repercussão que tiveram se mirassem um cidadão comum. Chico Buarque deu-lhes visibilidade. Pois é, McCarthy também queria ser celebridade, curtir uma área vip e achou que Hollywood era o seu caminho mais curto para a glória.
A lista dos "comunistas" não era muito diferente dos créditos dos filmes que rolavam nas telas dos cinemas do país. Entre os indiciados estavam nomes como o do roteirista Dalton Trumbo, do maestro Leonard Bernstein, dos atores José Ferrer, Burgess Meredith, Zero Mostel, Edward G. Robinson, dos escritores Dashiell Hammett e Irving Shaw, dos dramaturgos Arthur Miller e Lillian Hellman, do músico Artie Shaw. dos diretores Orson Welles, Luis Buñuel e Richard Attenborough.
Alguns da lista de suspeitos hollywoodianos, como o diretor Elia Kazan, preferiram fazer acordos de delação premiada e, com isso, escaparam de penas. Muitas da vítimas do macartismo cumpriram um ano ou dois de cadeia. Outros, como Charles Chaplin, partiram para o exílio. Houve, ainda, casos de pessoas que se suicidaram por terem as carreiras implodidas. Posteriormente, a Justiça revisou processos e os anulou por inconsistências, faltas de provas ou simples invenções.
McCarthy morreu em 1957, aos 48 anos, vítima de hepatite de origem alcoólica. Não se sabe se movido a birita ou não, ele costumava fazer longos discursos na tribuna do Comitê, às vezes falava durante horas. Nos dias em que estava mais exaltado ou calibrado gostava de humilhar os depoentes. No auge da caça às bruxas, atores e atrizes, compositores e diretores não apenas perderam contratos como foram interpelados nas ruas por antigos fãs insuflados por reportagens que apontavam artistas da "lista negra" como uma ameaça ambulante ao "way of life" da "América", que vivia uma era de prosperidade colorida, de conversíveis, eletrodomésticos, consumo, com a televisão se popularizando e mostrando a vida das celebridades. As trombetas do macartismo anunciavam que aquela realidade hollywoodiana da poderosa "América" poderia ruir. E os artistas da "lista negra" eram os tripulantes do cavalo-de-tróia que tentava invadir a fortaleza da família e da moral vigentes. Por isso, foram perseguidos e assediados. Mas não há registro de que alguém os tenha chamado de "merdas" nas calçadas da Dias Ferreira, no Leblon.
Quero dizer, na Rodeo Drive, em Beverly Hills.