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quinta-feira, 23 de junho de 2022

Fotomemória de O Cruzeiro - Veja o time de diagramadores e auxiliares da revista dos Diários Associados nos anos 1950. Três deles, inclusive J.A.Barros, foram depois contratados pela Manchete

J.A.Barros à frente da equipe de diagramação do Cruzeiro. A foto foi feita na redação
 da revista na Rua do Livramento, no Rio de Janeiro. Arquivo Pessoal

por José Esmeraldo Gonçalves
A foto está reticulada mas vale muito como memória. Aí estão profissionais da diagramação de O Cruzeiro nos áureos tempos da revista nos anos 1950. No centro da imagem  - onde a maioria está engravatada - aparece J.A.Barros. À esquerda, sentado na mesa, Pedro Guimarães, o Pedrão; Nelson Gonçalves, em pé, ao lado de Barros. Os três foram depois contratados pela Manchete e assim tiveram a oportunidade de trabalhar nas duas maiores revistas ilustradas do Brasil. Nesse segmento O Cruzeiro não só fez história como foi a líder absoluta durante décadas. Só na virada dos anos 1960, reformada e modernizada pelo diretor Justino Martins, a Manchete se impõs e gradativamente passou a dominar o mercado. Em meados da década tornou-se a revista de maior circulação do país. 

Barros, com quem trabalhei nas revistas Fatos & Fotos, Fatos e Manchete aponta diferenças nos métodos de diagramação entre O Cruzeiro e a publicação da Bloch.

 "Na Manchete, projetávamos as fotos coloridas nos layouts e esboçavamos a lápis cada imagem, para marcar o corte. Nas fotos em preto e branco usávamos ampliações onde assinalávamos os cortes. Em O Cruzeiro marcávamos no layout apenas o espaço das fotos e mandávamos para o laboratório. Lá as fotos escolhidas eram ampliadas ou reduzidas de acordo com esse espaço pré-determinado e, em seguida, eram copiadas em papel. Nós colávamos as fotos no layout. As fotos coloridas eram colocadas sobre a mesa de luz e tinham os cortes de diagramação marcados com fita vermelha. Também eram copiadfas em papel. Assim, todas as páginas eram completamente montadas e podíamos avaliar o impacto visual da edição final, com texto, títulos, legendas e fotos. Era muito trabalhoso, caro e improdutivo. E levava mais tempo. Ganhei muito dinheiro em hora extra em função desse sistema (O Cruzeiro pagava em dobro as viradas de noite)".  

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Memória da redação: os fotógrafos globetrotters da Manchete

 


Além de manter sucursais com equipes completas em Nova York, Paris, Lisboa, Milão e colaboradores em Londres e Tóquio Manchete enviava fotógrafos em viagens internacionais especiais. Em uma das edições da revista nos anos 1960 o diretor Justino Martins comentou na "Conversa com o Leitor", que publicava naquele número reportagens fotográficas realizadas na India, no Chile, Colômbia e Argentina. Veja o nível de fotojornalistas: Nicolau Drei, Walter Firmo, Antonio Rudge, Alécio de Andrade e Orlando Abrunhosa. Justino registrou a viagem do Orlandinho, a primeira jornada internacional do fotógrafo paraense, que confessou o sonho de "ver neve". Manchete o enviou para a Argentina, precsamente Bariloche, onde ele fez fotos e texto de uma grande reportagem sobre a estação de esqui então lotada de brasileiros.  

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Fotomemória da redação: Justino Martins e Ruy Guerra no 25º Festival de Cannes em 1971

 

 
Ruy Guerra e Justino Martins em Cannes, 1971. Foto Manchete

Para o diretor da Manchete, Justino Martins, cobrir o Festival de Cannes, todo ano, era uma rotina que ele cumpria com prazer. Sob a direção de Justino, Manchete fez intensa cobertura do Cinema Novo e seus diretores, como Ruy Guerra, atores e atrizes, apoiando os cineastas daquela geração. Os arquivos desaparecidos da Manchete guardavam milhares de imagems dessa fase do cinema brasileiro. A foto acima só existe porque a Biblioteca Nacional digitalizou 
a coleção da Manchete e preservou memórias.
Em 1971, o filme de abertura do festival foi Gimme Shelter, o documentário com os Rolling Stones. A Palma de Ouro foi para The Go Between (O Mensageiro), de Joseph Losey. 
O Brasil concorreu com Pindorama, de Arnaldo Jabor e Anselmo Duarte fez parte do júri. O festival homenageou Charles Chaplin. Os tempos são outros e a edição desse ano homenageia Tom Cruise. O filme Top Gun Maverick deve estrear em Cannes. O festival comemorará 75 anos, entre 17 e 28 desse mês, com um ano de atraso já que a Covid impossibilitou o evento em 2020.

terça-feira, 5 de abril de 2022

Memórias da redação - O trio elétrico da Manchete • Por Roberto Muggiati

FUNDO INFINITO • Renato Sérgio, João Luiz de Albuquerque e Roberto Muggiati. No 2º Free Jazz Festival, em 1986, Manchete montou, no Hotel Nacional, um estúdio para fotografar em alto estilo os músicos participantes, destaques para Gerry Mulligan, Wynton Marsalis, Stanley Jordan e The Manhattan Transfer. O “Trio Elétrico” pegou carona...

Foto: Lena Muggiati


Dava prestígio trabalhar na maior revista ilustrada do país. Já salário era outra história. À falta de uma política salarial na empresa, cada jornalista tinha de lutar pelo seu num indigesto corpo-a-corpo com o dono da empresa, Adolpho Bloch. A maioria não tinha sequer acesso ao capo. Como Adolpho mandava também no conteúdo editorial das revistas, não havia na Bloch aquelas disputas de facções – as famigeradas “!panelinhas” – que ocorriam nas revistas da Abril ou nas redações de O Globo e do Jornal do Brasil. Eu não me dava conta então, foram precisos 35 anos até a falência em 2000, e a sequência do novo milênio, para chegar à percepção cristalina do quanto eu fui rico na Manchete. Rico em amizades. O ano e meio que passei na Veja em São Paulo me fez ver como a Manchete era um espaço democrático. Na redação no oitavo andar do prédio na Marginal do Tietê, eu ocupava um pequeno escritório fechado com vista para o rio lamacento, totalmente apartado da minha equipe de seis subeditores e doze repórteres, que se comprimiam nas “baias” – cubículos separados por divisórias de Eucatex de dois metros de altura. Já a redação da Manchete, também no oitavo andar, era aquele salão aberto com a fachada de vidro voltada para a entrada da baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar de sentinela à direita, o azul do céu e do mar – como escreveu nosso repórter-letrista, “é sol, é sal, é sul.”  A redação ocupava 80% da metade fronteira do andar, entre os escritórios do Adolpho e do Jaquito em cada extremidade, separados de nós apenas por uma divisória de vidro. 

Todo mundo passava por aquele bordel. Os patrões vinham bisbilhotar nosso trabalho e dar palpites. Coleguinhas das revistas femininas vinham fofocar e jogar conversa fora. Uma delas, a simpática Laura Taves, sentou um dia na Ponte Aérea ao lado de um dos donos da Abril, meses depois se tornava a nova Sra. Roberto Civita. Como presente de casamento, ganhou a editora de temas feministas Rosa dos Tempos, com assessoria editorial de Rose Marie Muraro, que vivia na redação da Manchete em conchavos feministas com a Heloneida Studart. Justino Martins imperava na grande mesa de edição em L, sua sala de visitas. Recebia preferencialmente mulheres. As jovens amigas Lúcia Sweet e Fernand Bruni eram um colírio para os olhos. A baiana Raimunda Nonata do Sacramento, mais conhecida como Luana, nascida no Curuzu, em Salvador, primeira manequim negra brasileira, sucesso chez Paco Rabanne, Dior e Chanel, casou-se com o Conde de Noailles, uma das cepas mais nobres da aristocracia francesa. Regina Rosemburgo Lecléry visitou Justino na véspera do seu embarque para Paris no avião da Varig que se incendiou a poucos quilômetros do aeroporto de Orly em 1973. O cineasta Pierre Kast, o escritor Jean Genet e o “Clint Eastwood dos pobres”, Anthony Stephen, filho do Barão de Tefé,  também batiam o ponto na redação. Contei aqui outro dia do Nélson Rodrigues, que entrava saudando Adolpho como “o Cecil Bê De Maille (sic) do jornalismo!” Jô Soares, sem dizer palavra, pegava o Adolpho e saía valsando com ele pelo piso de tábuas corridas de madeira nobre. Um dia, Magalhães Jr. me apresentou a Agripino Grieco. Olhando para minha testa larga que já antecipava a calvície, o grande aforista disparou: “Que belo salão de baile para as ideias!” Vinha também, com uma assiduidade enervante, o Francisco Augusto Nascimento – que faturou milhões com o craque Grão de Bico nas pistas de turfe americanas – arrancar deste escriba um nome esperto para batizar um novo cavalo do seu haras em Itaipava. Depois de nomes literários como Jezebel, Iago, Rosencrantz e Suetônio, chutei um Cavalo de Crista. Não sei se o Chico percebeu a alusão à doença venérea; acabou chamando o potro de Capitão Jair, menção a um obscuro deputado iniciante. O pobre do animal jamais chegou entre os dez primeiros sequer.

Em 1975 assumi a direção editorial da Manchete no lugar do Justino. João Luiz de Albuquerque era meu chefe de reportagem, assistido pela dupla dinâmica João Resende e Suzana Tebet. Os Bloch inventaram uma reunião de pauta semanal com o pleno ampliado: a participação obrigatória dos editores de todas as revistas da casa. Cada qual tentando vender o seu peixe à custa da Manchete. O editor de Manchete Rural propunha matéria sobre uma nova vacina contra a febre aftosa, e por aí vai. João Luiz secretariava. Diplomaticamente, eu nunca rejeitava explicitamente uma sugestão: “Vamos ficar de olho.” João Luiz anotava. Eram tantas as sugestões que ficavam de olho que ele bolou um carimbo, aquele olho-lâmpada dramático que ocupa o ponto focal da tela de Picasso “Guernica”. Acabei adotando esse carimbo como meu ex-libris. “Fique de olho”, o lema perfeito para um jornalista. 

Em nossos telefonemas, João Luiz e eu adotamos espontaneamente um cacoete. Um se apresentava com o nome esdrúxulo de um músico de jazz. O outro respondia à altura, fonética e jazzisticamente.

– Olá Ike Quebec!

¬ – Tudo bem, Illinois Jacquet?  

[Bedroom tenors > saxofonistas de alcova] 

– E aí, John Robichaux? 

– Tudo em riba, Alphonse Picou.

[Músicos Creoles de Nova Orleãs.]

– Alô, Pony Poindexter!

– Beleza, Conte Candoli!

[Músicos da banda de Stan Kenton.]        

–  Como vai você, Phil Urso?

–  Levando, levando, meu caro Vido Musso.

[Saxofonistas tenores.]

Já com Renato Sérgio, nosso brilhante redator de assuntos culturais, a troca telefônica era minimalista. Mantínhamos uma espécie de shibboleth, uma senha binária, calcada no grito de guerra da Banda de Ipanema.

– Yolhesman!

– Crisbeles!

Ou, na contramão:

– Crisbeles!

– Yolhesman!

O lema da Banda de Ipanema não significava absolutamente nada, foi tirado por um de seus fundadores da pregação de um maluco que vendia bíblias na Central do Brasil. Na verdade, ficou sendo, naqueles tempos sombrios da ditadura militar (a Banda foi fundada em 1964 e saiu pela primeira vez no Carnaval de 1965), uma versão tropical do grito do anjo do Apocalipse.

Enjoado de tudo isso que anda por aí, Renato Sérgio nos deixou há dez anos – o velho e bom paulistano que, segundo José Esmeraldo Gonçalves tinha “um certo e saboroso jeito carioca de ver a vida”.

Depois de uma longa e tenebrosa pandemia, que ainda perdura – nós dois de máscara na livraria Argumento no lançamento do livro de Márcio Pinheiro sobre o Pasquim – reencontrei o João Luiz, protegido por suas guarda-costas de estima, as filhas Gabriela e Cristina. Trocamos mil e uma figurinhas dos tempos da Bloch e ele me contou histórias incríveis dos passeios com Adolpho Bloch no seu bugre. “E eu quero andar na sua baratinha,” disse Adolpho ao ver o buggy do João Luiz diante do prédio do Russell. Mas isso quem pode contar com a devida galhardia é só o próprio João Luiz. Vamos lá, ao teclado, Ferdinand Joseph La Menthe!...

sexta-feira, 5 de março de 2021

Fotomemória da redação: a casa dos tempos ditosos

 

1967: Edifício Manchete quase pronto 


por José Esmeraldo Gonçalves (*)

Em 1967, a Manchete vivia a expectativa de mudar de casa. Preparava-se para deixar a Rua Frei Caneca e instalar-se em um moderno prédio assinado por Oscar Niemeyer e projetado para abrigar redações, fotocomposição, estúdio fotográfico, restaurantes, transporte, posto médico, setores administrativos e de publicidade. Justino cita acima o aspecto cultural da nova sede da Bloch Editores: o teatro, galeria de arte e um museu do carnaval. Este último não saiu do papel. 

A década de 1960 impulsionou o sucesso da Manchete. Foi quando a revista superou definitivamente a rival O Cruzeiro e se consolidou como a semanal de maior circulação do pais. O avanço da industrialização do Brasil se refletia nas páginas da Manchete em impressionante volume de anúncios.  Automóveis, eletrodomésticos, companhias aéreas, instituições financeiras, produtos alimentícios, refrigerantes etc pontuavam dezenas de páginas. Uma explosão de consumo, especialmente da classe média ascendente, beneficiava as revistas da Bloch, bem impressas e com as cores vivas que a TV e os jornais ainda não mostravam,. 

Os anos 1970 se anunciavam  promissores. E, de fato, foram, do ponto de vista econômico. Mas as consequências para a Manchete como veículo jornalístico já não se realizaram tão ditosas. O "Brasil Grande", da ditadura tornou-se um grande anunciante da revista, especialmente um indutor de muitas matérias pagas sobre as obras dos generais. A grande mídia em geral apoiou a ditadura, mas na revista ilustrada a alinhamento ganhava cores e páginas duplas vistosas. 

O dinheiro entrava, a credibilidade saía. 

O jornalismo ainda conseguia respirar. Como se pode ver na coleção da Manchete digitalizada pela Biblioteca Nacional, houve episódios de censura em Manchete e Fatos & Fotos, por várias vezes repreendidas pelo Ministério da Justiça com editores "convidados" a comparecer à Polícia Federal e com a EleEla sob raivosa censura prévia. Coberturas de acontecimentos como a Frente Ampla que desafiava o regime militar, as várias reportagens exclusivas que mostravam a vida dos exilados na Europa, matérias sobre o Esquadrão da Morte e a epidemia de meningite que os generais tentaram esconder eram exemplos de pautas que incomodavam a linha dura. Armando Falcão era um dos esbulhos grosseiros e arrogantes que telefonavam diretamente para Adolpho Bloch e reclamavam de certas matérias em termos nada educados.   

Os espaços cedidos à ditadura, contudo, marcaram fortemente a revista e comprometeram sua imagem, apesar de faturamento e circulação passarem quase incólumes por essa difícil fase. 

A nódoa do adesismo só começaria a se atenuar a partir de 1978, com as pautas da Anistia, o destaque dado à volta dos exilados e, em seguida, aos primeiros governadores de oposição eleitos, como Brizola, que fez histórica visita à Bloch e recebeu aplausos dos funcionários ao entrar no restaurante lotado. A  campanha das Diretas também recebeu ampla cobertura, assim como Tancredo Neves em oposição a Paulo Maluf, candidato da linha dura no então colégio eleitoral da ditadura. 

Manchete bateu recordes de tiragem com a visita do Papa, a inauguração do Sambódromo turbinou as vendas das edições de carnaval. Produtos da Rede Manchete, como as novelas Marquesa de Santos, Dona Beija e Pantanal motivavam capas e levantavam as vendas das revistas. O horizonte não parecia fechado naquele momento.

Aquele edifício que Justino Martins saudou foi ampliado em mais dois que formaram o grande conjunto da Rua do Russell  a virar referência carioca. Mas o que parecia anunciar nova era virtuosa se transformou em crise ao fim dos anos 1980, instalando-se a bomba-relógio financeira que levaria à falência da editora em agosto de 2000.

O prédio que uma vez anunciou bons tempos foi leiloado e atualmente abriga empresas diversas. Das redações que lá funcionaram, restam apenas breves lembranças despertadas nos mais antigos que passam por ali a caminho do centro do Rio. 



(*) José Esmeraldo Gonçalves é um dos autores da coletânea Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou, lançada em 2008 pela editora Desiderata, que revela muito do que eram o trabalho e a vida que corriam nos bastidores dos prédios da Rua do Russell. 
O livro, que não é a história oficial, muito ao contrário, ainda pode ser encontrado em canais de venda como Amazon, Americanas, Saraiva, Estante Virtual, Mercado Livre e sebos digitais. 

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Elmalan, le malin • Por Roberto Muggiati


Adolpho Bloch – mais do que apostar na prata da casa – acreditava em importar o melhor talento estrangeiro que o dinheiro podia comprar. Contratou fotógrafos americanos fabulosos quando as grandes revistas ilustradas começaram a fechar nos anos 70, Life, Look, etc. Acolheu a nata da fotografia portuguesa que se viu ao relento depois da Revolução dos Cravos (a maioria tinha o rabo preso com Salazar). No final dos anos 60, incumbiu Justino Martins – editor da Manchete de passagem por Paris depois de sua tradicional visita ao Festival de Cannes – de contratar um diagramador francês para as revistas da Bloch. Justino se deu ao sacrifício de ficar de plantão na sucursal da Manchete na Avenue Montaigne – Polanski morava no mesmo prédio e Marlene Dietrich tomava banho de sol nua na cobertura. O primeiro gato pingado que apareceu o Justino contratou. 

Era Serge Elmalan, egresso do finado jornal-revista Candide, que fechara as portas em 1967. Mudou-se de armas e bagagens – com a mulher e um mastim respeitável, um pastor belga – para um apartamento art déco na Praça do Lido. Coitado do Beau Serge, se esqueceu de tomar a principal vacina – contra a mulher brasileira. Chefe de arte da revista feminina Desfile, em sua primeira desventura amorosa, envolveu-se com uma produtora de moda de sobrenome Guerra, que numa crise de ciúmes sacou um revólver e saiu atirando.

A única bala que acertou foi pérfida, aninhou-se num ponto inalcançável da região da clavícula. Adolpho não hesitou: mandou Serge para Houston aos cuidados do Dr. Michael DeBakey, o cirurgião que revolucionou a medicina na Segunda Guerra ao levar médicos e enfermeiras para a própria zona de combate (procedimento satirizado pelo filme M*A*S*H). Nem um craque como o Dr. DeBakey conseguiu retirar a bala guerreira. O maior cirurgião cardiovascular do mundo diagnosticou: “A melhor coisa a fazer é não mexer nisso...” E o canhoto Serge teve de seguir diagramando com a asa quebrada pela vida afora. Mas a história não acaba aí. Ao voltar recuperado ao trabalho, Serge ainda sofreria novas ameaças da amante injuriada. Toda tarde, no fim do expediente, o Marechal – chefe de segurança informal do Adolpho – se esgueirava por entre as árvores defronte do prédio do Russell à procura da pistoleira. E Serge saía sempre escondido no assoalho do carro de um colega de redação.

Depois de conhecê-lo melhor, eu o apelidei de “Elmalan, le malin”, malin em francês quer dizer “sagaz”, “esperto”, o que o nosso Apelidador-Mor Alberto de Carvalho costumava chamar de “professor de astúcia”. Serge convidou-me certa noite para uma reuniãozinha en petit comité no seu apartamento do Lido. Quando adentrei a sala, me deparei com a romancista Françoise Sagan (Bonjour Tristesse), a Begum Aga Khan (viúva de um dos homens mais ricos do século e mãe do playboy Aga Kahn, ex-marido de Rita Hayworth), o cineasta Jacques Deray (dirigiu Alain Delon em Borsalino, um precursor francês de O poderoso chefão) e Gilberto Tumscitz com sua mãe (Serge adivinhou já no jovem repórter o futuro autor de telenovelas de sucesso, Gilberto Braga).

Hostilizado por Oscar Sigelmann, Serge pediu o boné, rodou ainda alguns anos pelo Rio, casou – salvo falha da minha memória – com a filha de um vice-governador da Guanabara, e acabou regressando para os seus pagos. Em 2004 lançou o romance histórico Villegagnon ou a Utopia Tropical e em 2009 voltou ao Rio em grande estilo como coordenador cultural do Ano da França no Brasil. Instalado na gigantesca cobertura rococó do prédio do cinema Odeon, na Cinelândia, convidou-me para dividirmos um almoço no Restaurante Rosas, relíquia dos velhos tempos da Capital Federal, na Rua Álvaro Alvim. (A poucos metros do Hotel Itajubá, onde em suas folgas de voo nos anos 30, Saint-Exupéry escreveu Voo noturno e esboçou O pequeno príncipe.) Trocamos livros, dei a ele um exemplar do meu romance A contorcionista mongol, éramos ambos editados da Record. E não mais soube do amigo, que, aos 80 anos – passeando de máscara pelos Champs Elysées ou de pantufas numa casinha bucólica de banlieue – deve guardar belas – e também terríveis – lembranças de sua passagem pelo Rio de Janeiro.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Fotomemória da redação: quando os roqueiros franceses John Hallyday e Sylvie Vartan foram resgatados da chuva por uma Rural Willys da Manchete

John Hallyday e Sylvie Vartan foram resgatados de um temporal carioca pela Rural da Manchete.

Mesmo assim, no caminho para o hotel, tiveram que se abrigar na Rodoviário Novo Rio enquanto esperavam as águas baixarem. O fotógrafo Orlando Abrunhosa registrou o casal, em primeiro plano, vivendo involuntariamente uma típica experiência de cariocas. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Como o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" descreve, o oitavo andar do prédio da Rua do Russell era uma espécie de sala de visitas para personalidades de várias áreas. 

Cientistas como Albert Sabin e Christian Barnard, astronautas como John Glenn e Yuri Gagarin, escritores como Jean-Paul Sartre, astros como Kirk Douglas, Gina Lollobrígida, Claudia Cardinale e muitos outros visitaram a redação. Esse desfile de famosos era praticamente uma rotina. Distribuidoras de filmes, editoras de livros, gravadoras e embaixadas geralmente agendavam uma ida à Manchete como parte do roteiro carioca das celebridades internacionais. Se o oitavo andar era a "recepção", a frota de camionetes Rural Willys  que servia a repórteres e fotógrafos vivia  muitas vezes momentos de viatura vip ao transportar os convidados. 

A foto acima, de março de 1967, mostra o cantor de rock francês Johnny Halliday e a mulher, a também cantora de sucesso Sylvie Vartan a bordo de uma Rural.  O casal vinha de São Paulo e uma equipe de reportagem foi ao aeroporto. Mas era verão no Rio e a coisa não acabou bem. O diretor de redação da principal revista da casa, Justino Martins, escreveu: 

"Johnny Hallyday desceu do avião paulista e consultou o relógio. Eram seis horas da tarde. Às nove, ele devia cantar no Maracanãzinho. Chovia a cântaros. Mas, como bom francês, ele murmurou para a sua bela Sylvie: 'Que d'eau, que d'eau! Vamos em frente. Em qualquer cidade do mundo, quando chove, a vida continua". Só mais tarde, às cinco da manhã, constatou o quanto se enganara: no Rio, quando chove, a cidade morre afogada. O casal de cantores foi apanhado pelas inundações torrenciais e , salvo por uma camionete da Manchete, abrigou-se na estação rodoviária, e o Maracanã, em vez de fãs do iê-iê, acolheu milhares de flagelados, sobreviventes de uma dessas calamidades que ultimamente vêm enlutando o Rio."

A repórter Vera Rachel e o fotógrafo Orlando Abrunhosa cobriram a inesperada aventura dos cantores no Rio. 

Por algumas horas, os roqueiros franceses aguardaram em um banco da rodoviária Novo Rio a chuva diminuir. O show foi adiado e o dia já amanhecia quando o casal chegou, finalmente, ao hotel Copacabana Palace.

sábado, 31 de outubro de 2020

De Sean Connery para a Justino Martins: "Sensibilizado com a acolhida que a Manchete tem dado aos meus filmes"






por Ed Sá
Sem ameaças de espiões, sem vilões ao redor, Sean Connery morreu dormindo, hoje, em casa, nas Bahamas. Completou 90 anos em agosto último.

No auge do sucesso da série 007, o ator deu pelo menos duas entrevistas a Justino Martins, exclusivas para a Manchete. Uma nos estúdios da Pinewood, a 30km de Londres, e outra em Cannes. 

Em 1965, quando filmava no Caribe "007 Contra a Chantagem Atômica", Sean Connery enviou para a Manchete fotos das filmagens, entre as quais as duas acima reproduzidas: quando se preparava para uma cena de mergulho e em um momento de sorte grande, talvez até de glória, ao tirar um espinho do pezinho da Claudine Auger. 

O portador do material foi Adolfo Celli, o ator e diretor italiano que morou no Brasil, dirigiu o Teatro Brasileiro de Comédia, participou da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e foi casado com a atriz Tonia Carrero.

Junto com as fotos, Sean Connery mandou um bilhete para Justino no qual elogiava a revista e prometia vir ao Brasil um dia. Promessa que, infelizmente, não se realizou. O 007 até veio ao Rio de Janeiro, mas já interpretado pelo ator Roger Moore que, em 1979, passou duas semanas na cidade filmando '007 Contra o Foguete da Morte.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

O Kiss no Rio e o triste fim de Justino Martins • Por Roberto Muggiati

Na mesa de edição da Manchete, sentido horário; Célio Lyra, Roberto Muggiati, Justino Martins e Alberto Carvalho

Kiss: noite de hard rock no Rio

O Kiss vem aí de novo, desta vez para se despedir. A escabrosa banda de hard rock já iniciou sua turnê End of the Road/Fim da Estrada e se apresenta no Brasil em maio de 2020, em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Ribeirão Preto, Uberlândia e Brasília. O Rio de Janeiro ficou de fora, talvez até para não misturar o momento melancólico do adeus com a lembrança do principal triunfo do grupo, que juntou o maior público da sua carreira no memorável show no Maracanã em 1983. Eu estava lá e guardo uma lembrança aguda da ocasião: foi quando vi o começo da morte de Justino Martins, o homem que criou a revista Manchete no seu formato histórico.

Iniciada em 1952, a semanal ilustrada ficou famosa pela impressão impecável em cores, mas levou anos para encontrar um diretor de redação à altura do seu potencial gráfico. Henrique Pongetti, o primeiro editor, era um cronista, sem nenhum cacoete de “revisteiro”.  Veio então Hélio Fernandes, que deu um toque jornalístico à Manchete, mas proibiu a entrada na redação dos irmãos Bloch: Arnaldo, Boris e Adolpho. Acabou demitido. Otto Lara Resende – cronista sem vivência de jornal – ficou um ano na direção, em conflito diário com o que chamou “os Irmãos Karamabloch” (nascidos  na Ucrânia, sua alma era mais russa do que judaica). Certa vez, um dos irmãos comprou a bom preço uma batelada de máquinas de escrever. Os outros dois, desconfiados do negócio, se puseram a destroçar as Remingtons no chão da redação.

Arnaldo e Boris morreram em 1957 e 1959 e Adolpho ficou livre para reinar supremo sobre a Manchete. Mas a revista continuava à deriva sem um timoneiro, editada por um triunvirato, fórmula que só diluía as responsabilidades. Adolpho convocou então, para dirigir a Manchete o brilhante correspondente em Paris, o gaúcho Justino Martins. O casamento deu certo, mas a relação seria marcada por amor e ódio – e muita inveja.

Justino Martins
Adolpho tentou tirar Justino da direção da revista na virada dos anos 60/70, mas a manobra não funcionou. Chamou-o de volta. Justino fez charme, disse que tinha um convite para ser RP da grife de Madame Grès, estilista e perfumista de Paris. Era uma armação combinada com a Madame, sua velha namorada, que confirmou a história ao Adolpho pelo telefone. Assim, além de um belo salário, Justino voltou à direção com um bônus de mil dólares, que um funcionário da tesouraria todo fim de mês botava na sua mão em cash, diante de toda a redação.

Mas tirar o “Índio” da direção da Manchete era uma obsessão do Adolpho e ele voltou à carga em 1975. Dispensou o Justino, disse que precisava dele para criar uma revista de decoração (que nunca saiu), e o homenageou com uma grande feijoada para centenas de pessoas no restaurante da Rua do Russell. Involuntariamente, servi de instrumento para esta jogada maquiavélica do Adolpho. Desde 1972 eu editava a revista em maio, quando Justino tirava férias e ia ao Festival de Cannes. Seguro de que eu poderia assumir o posto, Adolpho me empurrou para a direção da revista, onde fiquei até 1980, quando uma crise de saudosismo levou o Justino de volta à Manchete e eu fiquei como seu vice.

Em junho de 1983, ia ao ar a Rede Manchete de Televisão. Sabiamente, Justino profetizou que a TV viera para sepultar a editora. Uma morte ao mesmo tempo real e simbólica marcou essa transição. Em 10 de agosto de 1983, dois meses depois da estreia da TV, Justino Martins chegou à redação uma terça-feira, lá pelas dez da manhã, era o dia mais calmo, depois do fechamento na segunda e antes da saída da revista nas bancas na quarta. Com sua clássica sacola da Air France a tiracolo, falou comigo, que era o seu “segundo”: “Toma conta das coisas, tchê, que vou fazer um exame no Hospital dos Servidores.” O Servidores era uma referência, o Presidente Figueiredo internou-se lá quando teve sua crise cardíaca, e o diretor, Raymundo Carneiro, era um grande amigo do Adolpho. As notícias não foram nada boas. Justino tinha um câncer de pâncreas fulminante. Duas semanas depois, foi transferido para a Clínica Sorocaba, em Botafogo,

Visitei-o uma vez no Servidores e outra num triste sábado na Clínica Sorocaba. A um punhado de amigos que cercava seu leito, Justino confidenciou: “Estou me sentindo como um soldado diante de um pelotão de fuzilamento.” Morreu no dia seguinte, domingo 28 de agosto. Passados 36 anos, sua fama só fez crescer. Como definiu o livro A Revista no Brasil (Editora Abril, 2000): “Foi o editor que desenvolveu definitivamente a fórmula do que chamou de ‘beleza estética na informação.’” Uma beleza flagrantemente ausente nas revistas de hoje. Mesmo tendo sido o jornalista que mais tempo durou na direção da Manchete, eu sempre julguei e admiti que Justino Martins foi a verdadeira alma da revista.


Senti que o Justino estava morrendo na noite de 18 de junho de 1983, quando fomos assistir ao megashow da banda Kiss no Maracanã, diante do maior público na história do grupo. O espetáculo fazia parte da turnê Creatures of the Night, que promovia o disco do mesmo nome, iniciada seis meses antes nos Estados Unidos e encerrada no Brasil, com shows no Rio, em Belo Horizonte (Mineirão) e em São Paulo (Morumbi).

O carro da Bloch nos apanhou no Leblon (Lena faria as fotos para a cobertura da Manchete) e dali pegamos o Justino e sua filha Valéria, de dezesseis anos, motivo principal da ida ao Maracanã. Valéria era filha do segundo casamento de Justino, com Martha de Garcia, a primeira Miss Brasília. Ironicamente, Adolpho Bloch também casou com uma Miss, a gaúcha Lucy Mendes, Miss Rio Grande.

No portão de sua bela casa da Joatinga, encontrei um Justino soturno e ainda visivelmente abalado com a quase tragédia ocorrida naquela tarde de sábado. Dois pintores que trabalhavam ali quase foram estraçalhados pelos cães de guarda que Justinho mantinha para a segurança da casa. Uma ambulância levou os homens ao hospital Miguel Couto, onde se confirmou a gravidade dos ferimentos. Seguimos praticamente calados no trânsito engarrafado até o Maracanã.

Adentramos o gramado do maior do mundo, onde tínhamos ingressos VIP. Lena postou-se bem à frente do palco, armado no lado do campo conhecido como “a trave do Barbosa”, alusão à derrota para o Uruguai na final da Copa de 50. Fiquei do seu lado para protegê-la da turba ensandecida. O vocalista Gene Simmons, com sua maquiagem grotesca, vomitava uma geleca verde de aparência asquerosa sobre a plateia, fomos contemplados com alguns chuviscos também. Valéria assistia de perto com um grupo de amigas.

Logo após a morte de Justina Martins, esta placa que foi colocada na redação da Manchete em homenagem
ao diretor que criou a revista no seu formato histórico. Uma semana depois, foi retirada.

Depois de algum tempo, procurei o Justino. Custei a encontra-lo, no seu elegante blazer que nada tinha a ver com tudo aquilo. Recostado junto às grades que cercavam o gramado, pasmem – o Justino dormia. De pé. Um cansaço descomunal parecia ter tomado conta do seu corpo, já àquela altura minado pelo câncer, que o levaria dois meses depois.


sábado, 30 de março de 2019

Fotomemória da redação,1961: em torno da mesa de edição da Manchete


Em maio de 1961, a redação da Manchete funcionava na Rua Frei Caneca.  Pouco antes de embarcar para cobrir o Festival de Cinema de Cannes, Justino Martins reúne a redação e deixa instruções para as suas duas semanas de ausência. Entre outros, aparecem na foto em torno do diretor da revista Murilo Melo Filho e Raimundo Magalhães Jr.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Fotomemória da redação: quando Gervásio Baptista "assediou" Miss Universo. Calma aí! Para a capa da Manchete, naturalmente.

Gervásio Baptista combina com a Miss Universo, Akiko Kojima, a capa da Manchete

por José Bálsamo 

Em tempo de mercado de trabalho precário, a jornalista Júlia Horta se reinventou Miss Brasil. Foi eleita no último sábado e representará o país no Miss Universo. Tem remotas chances de ser capa de revista.

As misses já deram mais ibope. Estampavam publicações nacionais e internacionais e saíam das passarelas já com carteirinha de celebridade e jet-set. Atualmente, a maioria desponta para o anonimato. O próprio concurso de Miss Universo desgastou-se tanto que já foi até propriedade do Donald Trump. Perdeu status na grande mídia, mas a empresa que organiza o concurso diz que a audiência na TV ainda é expressiva.

Akiko Kojima na Manchete ao lado da brasileira Vera Ribeiro, 5ª colocada. 

Nas décadas de 1950 e 1960 era um acontecimento para a "imprensa escrita, falada e televisada", como se apregoava na época. Que o diga Gervásio Baptista, o fotógrafo da Manchete que cobriu muitas edições.

Em julho de 1959, Gervásio estava em Long Beach quando a japonesa Akiko Kojima foi eleita Miss Universo. Em meio à correria de fotógrafos de todo mundo, Gervásio tirou partido dos olhos ligeiramente puxados, herança de índios baianos, e ganhou antes a atenção da japonesa. Apresentou-se como um brasileiro nissei e mais por gestos do que por palavras garantiu a pose exclusiva para a capa da Manchete.

Na Conversa com o Leitor, a revista vibrava com a logística montada para a cobertura ao informar  que entre o momento em que Gervásio jogou conversa na miss e a chegada da revista às bancas do Rio de Janeiro e São Paulo transcorreram pouco mais de 70 horas. "É evidente que os aviões de hoje são ultra-rápidos. Mas o que dizer das oficinas gráficas de Manchete que nos possibilitam a transposição quase instantânea de fotografias em cores? A foto de Akiko e Verinha representa uma vitória técnica admirável, da qual nos orgulhamos e para qual chamamos a atenção dos leitores" - escreveu o diretor Justino Martins.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Memórias da redação: Justino Martins quis reformar a Manchete. Mas seu projeto virou poeira...





Reprodução. Arquivo pessoal


por José Esmeraldo Gonçalves 

A cadeira de diretor da Fatos & Fotos era elétrica.

Descargas recorrentes costumavam fritar jornalistas que, por alguma culpa ancestral, eram condenados ao posto. Em abril de 1975, por conta de um contrato com a People americana -  sucesso editorial no segmento de celebridades - , a revista transformou-se em Fatos & Fotos Gente. Logo nos primeiros meses, dois diretores foram vítimas da alta voltagem, e da volatilidade, do cargo de diretor.

Em meados de 1975, a redação da Manchete, embora mais estável, também passava por mudanças. Justino Martins havia viajado para Cannes, como fazia anualmente desde o fim dos anos 1950 (de tanto participar do famoso festival de cinema, até ganhou o apelido de "Cidadão Cannes"). Mas naquele ano, o gaúcho resolveu esticar a temporada na França por mais um mês.  Adolpho Bloch não gostou nem um pouco das tais férias suplementares. Ao voltar, Justino recebeu outras tarefas - entre as quais a criação e edição de um caderno de moda - e Roberto Muggiati assumiu a direção da Manchete.

No vácuo de uma das defenestrações de diretores da Fatos & Fotos Gente, Justino esteve cumprindo pena na direção da semanal da segunda divisão da Bloch. Com olfato, tato e instinto de revisteiro, ele revitalizou a revista e motivou os repórteres. Ficou menos de três anos no sétimo andar, antes de voltar para a Manchete, no oitavo, mas deixou sua marca na revista e na jovem equipe que valorizou e ajudar a formar.

Carro-chefe da editora, Manchete, a principal semanal da casa, precisava se reinventar. Era o que os executivos das grandes agências de publicidade diziam a Pedro Jack Kapeller, o Jaquito. A economia ia mal, a Bloch não tinha ainda televisão e, internamente, existia uma máxima sempre repetida em momento de crise: "se a Manchete vai bem, a editora vai bem".

Com esse apelo, a direção da casa promoveu uma grande reunião no restaurante do terceiro andar do Russell. Em pleno sábado, diretores, editores, redatores e fotógrafos de todas as demais revistas, os staffs da publicidade e da gráfica em Parada de Lucas, se reuniram para discutir os rumos da Manchete. Não sei se a grande pajelança de teve efeitos práticos. Logo a prioridade do Grupo Bloch passou a ser montar e operar a Rede Manchete, inaugurada em junho de 1983. No mesmo ano, em agosto, morreu Justino Martins. De alguma forma a revista sobreviveu até o ano 2000 e até viveu um período talvez menos crítico entre o fim dos anos 1980 e os primeiros anos da década de 1990, antes da grave crise que levou à falência da Bloch.

Daquele sábado da reinvenção nada restou, a não ser as laudas amarrotadas reproduzidas acima.

Justino, que dirigia a Manchete e participou daquela reunião, talvez tenha sido o único que fez o dever de casa. Dias antes, ele datilografou pacientemente o seu diagnóstico editorial da principal revista da casa. Em quatro laudas da Fatos & Fotos e, sabe-se lá porque, uma com o logo da Manchete, o editor responsável pela verdadeira reinvenção da revista, em 1959, ofereceu suas ideias para o futuro que não veio.

Se foram aproveitadas ?

Não há registro.

As laudas abandonadas ressurgiram anos depois, já em meu tempo de "cadeira elétrica", quando as recolhi da empoeirada mesa "L" da Fatos & Fotos em um dia de mudança de sala.

No título escrito a mão, a mensagem que Justino tentou passar.

"Rigor Editorial".

domingo, 8 de julho de 2018

Bossa Nova - Há 60 anos, Carlos Kerr, da Manchete, fotografou Astrud e João Gilberto nas areias do Arpoador...


O Globo de hoje publica a foto acima a propósito dos 60 anos da Bossa Nova.

Um pequeno e  importante reparo. A foto não creditada faz parte de uma série de imagens feitas por  Carlos Kerr e publicadas na Manchete na primeira matéria de capa da revista (N° 398) sobre o gênero musical que conquistou o Brasil e o mundo.

Mostra Astrud e João Gilberto no Arpoador.

Curiosamente, o casal não ilustra a capa daquela edição. Justino Martins, então diretor da Manchete, que escalou Carlos Kerr e o repórter Aloisio Flores para a matéria, preferiu uma montagem que considerava de maior apelo em bancas. Os baianos João Gilberto e Astrud eram então desconhecidos do grande público. A solução foi turbinar o foto do autor de "Chega de Saudade" com uma carioca de extrema beleza: Ira Etz, 22 anos, a musa e modelo que reinava nas areias do Arpoador.  Veja, abaixo, a reprodução daquela histórica edição da Manchete. 

A reportagem de Aloísio Flores e do fotógrafo Carlos Kerr, da MANCHETE, chamava a Bossa Nova, que revolucionava a música brasileira no fim da década de 1950, de "Novocaína do Samba" e mostrava imagens hoje raras de João Gilberto em uma "roda de violão" nas areias do Arpoador. São fotos históricas que faziam
parte do Arquivo Fotográfico da Manchete, atualmente em local e condições de preservação desconhecidos..

Astrud e João Gilberto no Arpoador. Foto de Carlos Kerr/MANCHETE
Na primeira capa da MANCHETE sobre a Bossa Nova, a então musa do Arpoador, Ira Etz
reforçava a imagem do quase desconhecido João Gilberto. Na legenda, a revista lançava a pergunta "Que é o samba Bossa Nova?'. E completava: "João Gilberto explica seu 'estado de espírito' ao manequim Iracema". 

terça-feira, 17 de abril de 2018

Memórias da redação: o "Forrest Gump" que viveu no Brasil...


Revista Fatos & Fotos/Reprodução



por José Esmeraldo Gonçalves

Acontece com todo jornalista. Algumas matérias entram na rotativa e logo são esquecidas, são perecíveis. Outras permanecem impressas na memória do repórter.

Em 1976, Justino Martins vivia um dos recorrentes litígios editoriais com Adolpho Bloch e havia sido afastado da direção da Manchete. Depois de uma breve temporada à frente de edições especiais, o gaúcho foi escalado para editar a Fatos & Fotos/Gente. O "Gente" fora acrescentado ao logotipo da revista por conta de uma parceria com a People, então o mais novo e badalado sucesso editorial do mercado americano.

Justino ficou pouco mais de um ano à frente da FF/Gente, mas deixou muitas lições para os jovens repórteres da revista. Lembro que as reuniões de pauta eram marcantes, quase um happening, tantas as histórias pessoais que ele intercalava entre uma e outra sugestão de pauta da equipe. Outra característica do "revisteiro", um dos maiores do Brasil, era chamar os repórteres à mesa para comentar cada texto, mais como aula do que como crítica. Talvez tivesse tempo para fazer isso apenas na sua fase de Fatos & Fotos, semanal que era, digamos, da segunda divisão da Bloch e, embora vivesse em crise, estava longe de ser a panela de pressão que mantinha a Manchete sob eterna vigilância e permanente ebulição.

Depois de uma daquelas reuniões, fomos escalados, eu e a fotógrafa Isabel Garcia, para entrevistar Jean-Gérard Fleury. Justino viajou de Paris para o Rio pelo Concorde, da Air France, e Fleury estava no mesmo voo. Voando a 20 mil metros de altura, à velocidade de 2.500km/h, o jornalista e piloto francês comentou com Justino que não podia deixar de lembrar do Breguet 14, o monomotor da Primeira Guerra com o qual cruzara o Atlântico. Foi desse encontro no Concorde que surgiu a pauta para a F&F.

Na grande mesa de edição em formato "L", no 7° andar do prédio da Rua do Russell, Justino deu instruções para a entrevista enquanto traçou sobre uma folha de diagramação, com uma lapiseira vermelha, a "foto de abertura". Ele sempre fazia esse tipo de storyboard. Raramente era possível conciliar a expectativa com a realidade, mas os fotógrafos até se esforçavam para replicar o tal desenho e, principalmente, voltar com coisa melhor.

Além de receber o desenho, ouvimos de Justino um briefing sobre Jean-Gérard Fleury - jornalista e escritor apaixonado por aviação, autor de livros como "A Linha", e "Caminhos do Céu" e de várias reportagens sobre a Aéropostale, a lendária companhia aérea que teve entre seus pilotos Saint-Exupéry, Jean Mermoz e Henri Guillaumet. Assim abastecidos, partimos para a casa do entrevistado, no Jardim Botânico.

Simpaticíssimo, vê-se pelo sorriso aberto captado por Isabel Garcia, o jornalista-aviador, como se definia, morava no Rio havia muitos anos e era, na época, correspondente do France Soir. Dedicou-nos uma tarde inteira recheada de fatos e fotos. E não podia ser diferente. Não comparei no texto Fleury a um Forrest Gump real porque a entrevista aconteceu em 1976 e o filme com o personagem vivido por Tom Hanks só seria produzido em 1994. Mas seria pertinente. Fleury estava no último voo do Hindenburg para o Rio de Janeiro (logo depois o dirigível foi transferido para a rota do Atlântico Norte e se incendiou em Lakehurst); cobriu a Guerra Civil Espanhola, fez reportagens na URSS de Stalin, conheceu Roosevelt, entrevistou Herman Goering; e denunciou o rearmamento da Alemanha e da Itália antes da Segunda Guerra.

Dos seus arquivos, ele nos cedeu várias imagens desses momentos "Forrest Gump". E posou para a foto de abertura segurando um desenho que Saint-Exupéry lhe dera, que mostra o avião do autor do  "Pequeno Príncipe" perseguido por um caça alemão. Na dedicatória: "Ah! Jean-Gérard Fleury, si se conchon m'attrape, je ne te reverrai plus! - Antoine Saint-Exupery".



Quanto a mim, também saí de lá com uma amável dedicatória (ganhei do entrevistado uma antiga edição do seu livro "Peregrinações Sul-Americanas", lançado no Brasil em 1944) e essa lembrança que a rotativa não apagou. 

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Do Jornalistas & Cia: Ex-repórter da Manchete recorda "confronto" entre Justino Martins e Cony


UM DUELO DE TITÃS 

por José Maria dos Santos (para o Jornalistas & Cia) (*)

A recente despedida de Carlos Heitor Cony me fez vir à memória um divertido confronto entre ele e
Justino Martins, do qual fui privilegiado espectador.

Os fatos se deram na redação da revista Manchete, no sexto andar do célebre edifício do Russel, no Rio. Foi, salvo engano, por volta de 1974. Cony era editor e Justino, mítico diretor de Redação. De minha parte, era repórter da sucursal paulista, que lá estava para acompanhar o fechamento de uma reportagem sobre o Trópico de Capricórnio. Resumo em duas palavras: eu e Vic Parisi, fotógrafo, havíamos percorrido o traçado do trópico desde sua entrada no Brasil, numa vila de pescadores em Ubatuba (SP), até a localidade de Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai, para mostrar o que havia em sua volta. Era algo para 12 ou 16 páginas, não me recordo, e, no caso de extensas matérias desse tipo, o repórter ia ao Rio a fim de subsidiar a edição com esclarecimentos a dúvidas de momento.

Justino, um indiaço, como dizem no Rio Grande dos gaúchos típicos do campo, gritou-me da sua mesa luminosa na qual examinava as fotografias a serem escolhidas. [NdaR: essa mesa formava uma imensa letra L, portanto, à altura de uma revista que privilegiava a paginação e imagens de bom gosto. Como ficou constatado posteriormente, estava pensando num título.]

– Ô paulista! Para que serve o Trópico de Capricórnio? Eu gazeteei a aula de Geografia no dia desse assunto.

Eu estava sentado junto à mesa de Cony, que era responsável pelo fechamento. Ele fez um sinal,
apontando na direção de Justino, como se dissesse: vai lá. Era uma espécie de sinal verde necessário, pois todos os repórteres ganhavam timidez diante daquele monumento jornalístico. Travou-se o seguinte diálogo.

– Olha, Justino. Por convenção geográfica, o trópico separa a zona tórrida da zona temperada. (Atenção: parece que essa definição está absolutamente ultrapassada).

E Justino:

– Essa faixa de terra é muito rica?

E eu:

– É. Corta o interior de São Paulo, entra por campos de soja do Paraná que não acabam mais, invade o Mato Grosso, onde tem pasto e boi que também não acabam mais. De quebra, tem uma Torre de Babel pelo caminho. Japonês, italiano, holandês e suíço em São Paulo; mais japonês e russo no Paraná e índio pra caramba no Mato Grosso.

Justino, como sempre fazia, pôs-se a desenhar diligentemente a página dupla de abertura. No alto, à esquerda, reservou uma janela onde se destacaria a latitude do trópico em números vazados, com fio branco. A fotografia de fundo era um magnifico campo de soja verde-louro – no qual se distribuíam três máquinas agrícolas vermelhas cujo posicionamento tinha tal simetria que sugeria ter sido montada – recortado contra o céu azul. O título estava composto em duas linhas; a segunda, em letras garrafais.

"Entre o quente e o frio A FAIXA DO PROGRESSO"

Justino apressou-se, satisfeito, em apresentá-lo a Cony. Como se costuma dizer nessas circunstâncias, recebeu uma ducha de água fria sobre o calor do seu entusiasmo.

– Porra, Justino! Você pensa que o trópico está pintado no chão e que o sujeito pula do frio para o calor, pra lá e pra cá?

Justino foi buscar outra inspiração. O título fazia jus à sua intensa criatividade, mas não à Geografia. Curiosa e ironicamente, lembro-me do título rejeitado, mas não faço a menor ideia daquele que o substituiu.

(*) José Maria dos Santos, ex-Diários Associados, Manchete, Abril e Diário do Comércio, de São Paulo, entre outros, trabalhou na Manchete na mesma época que Carlos Heitor Cony. 

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

1982 • Antes do começo do fim

por Roberto Muggiati

Os editores reunidos: de pé, a partir da esquerda: Janir de Hollanda, Roberto Muggiati, Lincoln Martins (Geográfica Universal), Edson Pinto (Amiga), Roberto Barreira (Desfile), Daisy Prétola, Gervásio Baptista (Fotografia). Sentados: Marília Campos (Carinho), Justino Martins (Manchete), Vera Gertel (Desfile), José Resende Peres (Agricultura de Hoje) e Teresa Jorge (Pais & Filhos).

A foto – posada no estúdio do Russell para a edição de 30 anos da Manchete – irradia uma alegria contagiante. Era 1982 e ainda corria nas veias de Adolpho Bloch tinta de impressão, como ele costumava dizer.

A Bloch se candidatara a um canal de televisão em 1975. Naquele mesmo ano, 23 de outubro, uma dupla derrota para Adolpho. O Presidente Ernesto Geisel concedia a outro judeu, o Abravanel de Niterói, Sylvio Santos, o canal 11 de televisão. E do Petit Trianon chegava a notícia de que um escritor quase desconhecido, o goiano Bernardo Élis, era eleito para a Academia Brasileira de Letras, derrotando Juscelino Kubitschek. Foi o único Presidente da República rejeitado pela Academia (Getúlio foi eleito em 1941, Sarney em 1980 e Fernando Henrique em 2013). A derrota se deveu pura e exclusivamente à pressão da ditadura militar, que não o queria ver Juscelino eleito sequer síndico de condomínio...

Adolpho e JK decidiram não chorar sobre o leite derramado. Abriram o salão de festas, estouraram algumas garrafas de champanhe e o ex-presidente pé-de-valsa dançou o Peixe Vivo até altas horas. Anos depois, assumiu o último Presidente militar, João Baptista de Figueiredo, com uma postura mais simpática. Ao receber D. Sarah Kubitschek em Brasília em meados de 1979 para a construção do Memorial JK, começaram as tratativas para conceder uma TV à Bloch. Em 1980, Figueiredo distribuiu entre Adolpho Bloch e Sylvio Santos nove concessões das extintas Redes Tupi e Excelsior. Cinco delas couberam à Bloch: Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza. Era a Rede Manchete de Televisão que surgia e iria ao ar na noite de domingo, 5 de junho de 1983, com o fabuloso logotipo do M voador.

Era a crônica de uma morte anunciada. A TV viera para sepultar a editora. O segundo de publicidade na telinha valia mais do que milhares de metros quadrados de páginas duplas impressas. Uma morte ao mesmo tempo real e simbólica marcou esta transição. Em 10 de agosto de 1983, dois meses depois da estreia da TV, Justino Martins chegou à redação uma terça-feira, lá pelas dez da manhã, era o dia mais calmo, depois do fechamento na segunda e antes da saída da revista nas bancas na quarta. Com sua clássica sacola da Air France a tiracolo, falou comigo, que era o seu “segundo”: “Toma conta das coisas, tchê, que vou fazer um exame no Hospital dos Servidores.” O Servidores era uma referência, o Presidente Figueiredo internou-se lá quando teve sua crise cardíaca, e o diretor, Raymundo Carneiro, era um grande amigo do Adolpho. As notícias não foram nada boas. Justino tinha um câncer de pâncreas fulminante. Duas semanas depois, foi transferido para a Clínica Sorocaba, em Botafogo, onde morreu na noite de domingo, 28.


A Rede Manchete fez uma televisão de alto nível, com programas de qualidade e novelas esmeradas e de repente topou com um filão de ouro ao lançar a novela Pantanal, sucesso absoluto de março a dezembro de 1990, com um ibope devastador. Ironicamente, a novela, Amor pantaneiro, ficou engavetada na Central Globo de Produções, e acabou cancelada na estação de chuvas de Mato Grosso. Quando a Rede Manchete contratou Benedito Ruy Barbosa, ele veio com Pantanal debaixo do braço. Os elevados índices de ibope assustaram a todo-poderosa Globo. Por que a novela das oito da Globo começa depois das 21 horas? Porque a Globo não ousava iniciar a sua novela das oito enquanto Pantanal estivesse no ar. Ia então esticando interminavelmente o Jornal Nacional.


Infelizmente, a Bloch – prisioneira da cultura da empresa familiar – não soube tirar proveito do êxito de Pantanal. Ao contrário, mergulhou em águas turvas e foi se complicando cada vez mais. Investiu em fracassos estrondosos como Brida, novela baseada no livro de Paulo Coelho, e Tocaia Grande, de Jorge Amado (não era uma Gabriela, nem um Dona Flor nem uma Tieta.) Tocaia foi ao ar em 16 de outubro de 1995.

Poucos dias depois, descendo do restaurante do 12º andar para o elevador do 11º, Adolpho me pediu que o amparasse naquela escada terrível sem corrimão com piso de tapete felpudo. Enquanto eu segurava seu braço com todo cuidado do mundo, ele se lamuriou: “Muggiati, estou fudido. Você não queira ter a minha vida de jeito nenhum...”

Um mês depois, no Dia da Bandeira, 19 de novembro, na madrugada de domingo, ele morria num hospital de São Paulo.

Outra ironia: foi por ter sido avalista de uma dívida irrisória da TV, coisa de uns dez mil dólares, que
acabou se transformando numa bola de neve, que a Bloch Editores se encaminhou para a concordata e a falência final.



Antes do fim da editora, a TV foi passada adiante. Um arremate sórdido que diz tudo da novela: em 2010, o M voador que era o símbolo augusto da Rede Manchete, foi encontrado em alto estado de corrosão num brechó de beira de estrada na BR-465, antiga Rio-São Paulo.

Ainda não apareceu ninguém para arrematar a peça.



sexta-feira, 17 de novembro de 2017

A entrevista que não houve

por Ruy Castro (para a Folha de São Paulo)

RIO DE JANEIRO - Por esses dias de novembro de 1967, há inacreditáveis 50 anos, eu estava telefonando para Guimarães Rosa em nome da revista "Manchete", pedindo uma entrevista.

Naquela semana, Rosa finalmente tomaria posse de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, para a qual fora eleito por unanimidade em 1963. Ainda não a assumira porque, médico e cardíaco, temia não sobreviver à cerimônia. Mas agora era a hora.

Nunca entendi por que Justino Martins, diretor da "Manchete", me confiou a tarefa. A revista estava cheia de repórteres experientes —dois deles os poetas Lêdo Ivo e Homero Homem, certamente amigos de Rosa. Eu tinha, se tanto, seis meses de profissão e acabara de chegar à "Manchete". Mas foi assim. Justino convocou-me à sua mesa, deu-me o número do telefone de Rosa e só me recomendou que chamasse o homem de embaixador —o que Rosa também era.

Naquele mesmo dia, telefonei. O próprio Rosa atendeu e, muito amável, se desculpou, alegando que estava escrevendo seu discurso de posse e não podia parar para dar entrevistas, mesmo que fosse para "Manchete". Eu insisti, "Mas, embaixador...". E ele, firme. Talvez tocado pela evidente juventude do repórter, sugeriu que eu telefonasse no dia seguinte —quem sabe já teria terminado o discurso. Fiz isto, mas, não, ele não havia terminado. Como consolação, disse que, se eu fosse à cerimônia, me daria uma cópia do texto.

Rosa tomou posse na quinta-feira, 16. Ao fim do discurso e sob a chuva de aplausos, saiu pelo salão apertando mãos, como se levitasse. Parecia encantado, não via ninguém –só a mim cumprimentou duas vezes, sem saber quem eu era. E o coração resistiu bem, não o traiu.

Deixou para traí-lo três dias depois, na noite de domingo, 19, no seu apartamento, em Copacabana.

E eu me esquecera de pedir-lhe o discurso.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A Melhor da Galáxia era uma fábrica de apelidos. . .

Por Roberto Muggiati
Fotos Acervo RM

A arte de brincar com as palavras sempre foi uma verdadeira obsessão nas redações de Bloch Editores, em particular na Manchete (que sobrevive, 65 anos depois de sua criação, nesse apetitoso blog Panis Cum Ovum). Não saciados em escrever suas matérias e jogar conversa fora nos corredores, redatores e repórteres se aplicavam em criar apelidos, numa atividade tão espontânea e natural como o próprio ato de respirar.

Primeiro, preciso explicar a origem do apelido “a melhor da galáxia” para designar a Manchete.
Adolpho Bloch não suportava o sucesso de Justino Martins, embora Justino, um dos maiores
“revisteiros” do Brasil, tivesse tirado a Manchete do limbo em que ela viveu em seus primeiros oito anos e a transformado na maior revista do país. No final da década de 1960, Adolpho tirou o “Índio” – como chamava o Justino – da direção da revista, mas a manobra não deu certo. Justino voltou à direção da Manchete em alto estilo no início dos 1970. Em 1975, Adolpho defenestrou Justino de novo e colocou este que vos escreve na direção da revista. Para botar panos quentes na história, prometeu ao Justino uma tarefa maior – a direção de uma revista de decoração e jardinagem – e ofereceu-lhe uma megafeijoada de despedida no restaurante do terceiro andar, um evento para quatrocentos talheres. Entre os convidados de honra estava JK – o ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira – que ganhara de Adolpho um escritório nobre no prédio da Manchete e ocasionalmente assinava resenhas de livros na revista. JK tomou a palavra e decolou: “És um homem feliz, Bloch. Tens a melhor revista do Brasil. Indisputavelmente da América Latina; tens a melhor revista do mundo – quiçá da galáxia!” O regabofe foi na terça-feira, um dia menos tenso: a Manchete fechava na segunda-feira e ia às bancas na quarta. Nas manhãs de quarta aguardávamos ansiosamente os exemplares da revista que vinham da gráfica em Parada de Lucas. No dia seguinte à feijoada, Alberto de Carvalho, nosso assistente de redação – título que não queria dizer nada e dizia tudo – adentrou a sala com aquela ginga de carioca do Estácio e perguntou: “Já chegou a melhor da galáxia?” A partir daí a Manchete ganhou um de seus codinomes mais nobres, cunhado por um ex-Presidente da República.

Alberto chamava a todos afetuosamente de Professor de Astúcia. Os apelidos eram incontáveis. Entre os contínuos, conhecidos como “siris”, havia o Sammy Davis Jr. – era até caolho como seu sósia – e o Tim Lopes, com seus cabelões à moda do famoso cantor Tim Maia. O rapaz saiu da Manchete, estudou jornalismo e, como Tim Lopes, se tornou o mártir da reportagem que todos conhecem.

Ainda outro contínuo foi apelidado de Pablito Cubano pelo chefe de reportagem João Luiz de Albuquerque. O João desconfiou que conhecia a cara do rapaz de algum lugar, fuçou umas revistas antigas e descobriu que ele era o menino que viajou clandestino no trem de aterrissagem de um avião do Galeão para Havana, por admiração a Fidel Castro, que tinha acabado de fazer sua revolução em Cuba.

A fotografia também tinha seus apelidos. Frederico Mendes – nosso Woody Allen de plantão – passou a ser O Encucadinho. Dois “retratistas” reconhecidamente bem dotados se tornaram Tromba e Tripé (apelido que se referia também a uma das ferramentas de trabalho). Jovenzinho, Ayrton Camargo Jr foi seduzido pela Márcia Ramalho e passou a ser chamado de Ayrton Ramalho; o mais incrível na sua trajetória e que tempos depois ele se juntou com uma mineira de Rio Casca que faria sucesso em Los Angeles como Rainha do Anal no cinema pornô com o nome de guerra de Elle Rio. E o laboratorista Claybom? Detestava margarina, mas era de origem francesa e se chamava Clement... O primeiro fotógrafo a fazer um selfie voando de asa delta, nos anos 70, tinha um sobrenome complicado: Paulo Scheuenstuhl virou Paulo Chuchu – aliás, era alto, atlético e agradava às moças. Voltando ao Tripé: ele viveu um episódio que acabaria em apelido, também. Foi designado para fotografar o ator e diretor teatral Ziembinski. A empregada o encaminhou para a biblioteca, imensa, onde Ziembinski estava pendurado no alto de uma escada à beira de um ataque de nervos. Viu o Tripé chegar e desabafou: “Meu filho, quando procuro um livro e não consigo encontrar, isso me dá uma vontade louca de dar o rabo...” O Tripé encontrou uma desculpa qualquer e se mandou. E essa versão masculina de TPM foi batizada por um intelectual da Manchete de Síndrome do Ziembinski. Outra grande figura era o Sérgio de Souza, o Serjão, um dos melhores fotógrafos de futebol. Certa vez recebeu duas ordens de serviço para o mesmo horário, 14 horas; uma em Niterói, outra na Barra. Indignado, Serjão correu para o chefe de reportagem com as ordens na mão: “Cara, olha só aqui, eu não sou onipotente, não!”

Depois da Revolução dos Cravos em Portugal, Adolpho acolheu na empresa vários lusitanos desgarrados, entre eles um fotógrafo de origem aristocrática, Antônio D‘Atoughia, que ficaria conhecido como o Conde; e Lúcio Macedo, apelidado de Salazar por ter sido o fotógrafo oficial do ditador deposto. Um destes era um senhor gordote e pedante que cuidava da portaria e, por sua semelhança física com o ratinho famoso, ganhou o apelido de Topo Giggio. Tempos depois, a Bloch contratou um plano de saúde barato para os funcionários do baixo escalão, praticamente inaugurado com a morte do Topo Giggio.

Alguns redatores já vinham com apelido: desconheço a origem do Jacaré do Irineu Guimarães; já o Pato Rouco do Ivan Alves era mais fácil de detectar.

Eremita, Cony e Tia Zeffa. 

Quando Adolpho Bloch presidiu a Fundação dos Teatros do Rio de Janeiro, promoveu a apresentação de uma série de óperas famosas, coroada pela Traviata dirigida por Franco Zeffirelli, que gostava de frequentar a redação. Já nos primeiros dias, ganhou a alcunha afetuosa de Tia Zeffa. Eu mesmo, como editor da revista e mergulhado em problemas de venda, gestão e jornalismo, passei a ser o Muggi das Crises (a cidade de Mogi das Cruzes, não lembro por que, estava em evidência na época). Nos tempos da longa barba, o Alberto me chamava também de Eremita. Já o Justino era o Lafra – de “lafranhudo”, xingamento do arco da velha com que foi brindado, sob golpes de guarda-chuva, pela crítica de ópera Maria Teresa Dal Moro, por não ter publicado um texto dela.

Alberto tinha uma sensibilidade especial para a música das palavras. Quando o Durval Ferreira, repórter de São Paulo, trouxe uma matéria sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, pontificou o nome do coronel Palimércio de Rezende, um dos primeiros oficiais negros do exército brasileiro. Meu filho estava para nascer, ainda não tinha um nome escolhido, e o Alberto perguntou: “Quando é que chega o Palimércio?” A partir daí, todo bebê da redação passou a ser Palimércio ou Palimércia.

Outro apelido, altamente sofisticado, que saiu para fazer sucesso fora da Manchete, foi o do senador Marco Maciel: Mapa do Chile.

O Adolpho vivia às turras com um funcionário dos orçamentos gráficos chamado Possidônio. Da noite para o dia, ele virou Pseudônimo. Na época, as notas mais descontraídas e curtas da seção Leitura Dinâmica eram assinadas por pseudônimos, para evitar repetição de assinatura do mesmo redator. Lembro de alguns desses codinomes, que na verdade eram verdadeiros autoapelidos: Niko Bolontrim (Ney Bianchi), José Bálsamo (Cony), Jean-Paul Lagarride (Justino Martins), Acácio Varejão e, o mais curto de todos, Ed Sá (Ruy Castro). [O Ruy foi justamente interpelado por uma redatora nova, Marilda Varejão, sobre a escolha daquele codinome. “E existe algum Acácio Varejão?”, retrucou ele na defensiva. E Marilda, indignada: “Existe, sim! É o nome do meu pai.”] Um dia, um delator premiado (a Bloch foi pioneira também nessa instituição do momento) emprenhou o Adolpho pelo ouvido, alegando que pseudônimo não era jornalismo. O capo investiu então com toda fúria na redação: “Quero que parem imediatamente com esses possidônios!...”

Festa de meus 40 anos com Moët-Chandon: Layrton Cabral (Lalá), Antonio Rudge,
o Eremita, Justino, Wilson Cunha, ao fundo Murilinho. 

Adolpho dizia para o Alberto: “Você é inteligente, porra! Se tivesse diploma seria diretor da Manchete...” De meados dos anos 60 até o amargo fim da revista, em agosto de 2000, Alberto foi sempre a sombra (benfazeja) do diretor da Manchete, fosse quem fosse. (Eu fui o que mais tempo se sustentou no pau de sebo, para lá de vinte anos.). Ele sugeria títulos de matérias instantâneos e
vencedores. Para uma reportagem científica sobre bebês que eram botados para nadar assim que saíam do ventre materno: QUEM NÃO NADA, NÃO MAMA. No auge da fama do Rei da Canção e do Rei do Futebol, reunimos os dois numa capa. Desta vez, o título do Alberto não foi publicado, por ser politicamente incorretíssimo: O REI E O PERNA-DE-PAU.

No Santa Genoveva, com direito a escultura de Krajcberg, 1997.
A arte do Alberto não se restringia a apelidar só pessoas. Em 1996, fui destituído da direção da Manchete e ganhei um novo cargo com o nome pomposo de Editor de Projetos Jornalísticos. O afastamento também foi geográfico: me exilaram para uma sala imensa, um andar inteiro, a cobertura da terceira fatia do prédio do Russell, à qual se tinha acesso através de uma escada em caracol (que, felizmente, impedia a visita da chatos idosos ou lesados...). Mauro Costa, também destituído da chefia de reportagem da TV, foi ocupar um espaço daquele latifúndio. Pois o Alberto apelidou o local imediatamente de Santa Genoveva – alusão ao asilo de idosos que praticava maus tratos contra os pacientes, fato que chocou o Brasil e só foi descoberto por acaso no rastro de uma daquelas grandes enchentes cariocas.

eresópolis, 8-10-1977, sábado, aniversário do Adolpho: Machadinho,
Wilson Cunha, Heloneida Studart, o Eremita, Flávio de Aquino,
Ceres Feijó, Célio Lyra.

O próprio Adolpho Bloch dava a sua contribuição aos apelidos, às vezes de forma indireta ou
involuntária. Uma dia chegou da gráfica em Parada de Lucas e plantou um jovenzinho franzino na sala de redação: “Ele é um gênio. Vai trabalhar com vocês. Como escreve!” E, exagerando nos elogios: “É um verdadeiro Machado de Assis!” Antônio Roberto é conhecido até hoje como “Machadinho” e colegas da época ainda não esqueceram sua estreia literária. Fã ardoroso de Carlinhos de Oliveira, ele escreveu uma crônica sobre um operário que vinha todo dia cedo para trabalhar na cidade. Logo no início do texto, mencionou a “hedionda marmita”. Até hoje não perdoaram a Machadinho o hediondo adjetivo. Em pouco tempo, ele passou a competir com o maître Severino Ananias Dias fazendo discursos nas grandes ocasiões da casa – discursos que o Cony, com sua ironia de sempre, dizia que eram comissionados “em nome da redação da Manchete”. Foi num destes, um aniversário do Adolpho, que o Severino cunhou um adjetivo inolvidável, referindo-se à “figura inevolúvel de Adolpho Bloqui”. . .

Ruy Castro (Ed Sá) e Narceu de Almeida (Capelinha) em 19-12-72.
Pedro Bloch, que na verdade apelidou a própria revista – sugeriu a Adolpho que a chamasse de
Manchete, lembrava uma manchete de jornal e também imitava a sonoridade de Paris-Match, a maior revista da época. Teatrólogo e fonoaudiólogo, Pedro cuidou de um fotógrafo com problemas de fala que Adolpho mandou para se tratar com ele – e, de saída, o apelidou de João Farofa.

Quando o redator Narceu de Almeida resolveu largar tudo e partir para a vida alternativa na Região dos Lagos, sob a égide dos colegas Cabral e Maciel, ambos Luís Carlos, Jaquito sabia que não ia dar certo e comentava conosco: “O Narceu foi jogar pingue-pongue contra o vento...” Depois de um tempo, Narceu voltou e Jaquito o colocou em regime de free-lancer: o pagamento por matéria redigida, em vez do trabalho assalariado, tornava o redator mais produtivo e mais ágil. Orgulhoso da sua artimanha, Jaquito dizia: “Agora sim, o Narceu está correndo atrás!” E o apelidou de Capelinha, em alusão à marca dos taxímetros da época.

Havia uma recomendação aos novatos que fazia sucesso na redação da Manchete e devia ser escandida, com ênfase nos trocadilhos, em ligeiro sotaque iídiche:  "Se você desobedecer a ordem que Adolpho deu, e aquela que Jaquito havia dado, o Oscar ralha.”

Entre os autores de chistes mais antigos da Manchete, o repórter Ronaldo Bôscoli, que Nelson Motta chamou de “a língua mais rápida de Ipanema, um gênio da maledicência”, notabilizou-se pelos apelidos corrosivos que dava aos seus desafetos. Alguns exemplos: Sérgio Mendes (“compota de monstro”), Antônio Maria (“eminência parda da MPB”), Maysa (La Gorda), Elis Regina (“Vesguinha”). O apelido do próprio Bôscoli era Veneno. É bom lembrar também o fabuloso Nelson Rodrigues, que escrevia na Manchete Esportiva e criava apelidos os mais exóticos. Chamou Cláudio Mello e Souza, editor de Fatos&Fotos, de O Remador de Ben-Hur. Um dia eu vejo o Nelson adentrando a redação e saudando Adolpho Bloch como “Como vai este Cecil B. DeMille das revistas!” (pronunciando o DeMille como DeMaille). Sérgio Porto, colunista da Manchete, que apelidou a si mesmo de Stanislau Ponte Preta, fez do redator Raymundo Magalhães Jr um alvo predileto. O escritor e acadêmico fazia questão de assinar seus escritos como R. Magalhães Jr. Sempre que Sérgio entrava na redação e via o Magalhães batucando com dois dedos na Remington, gritava: “Erre, Magalhães Jr!” Ou gozava da sua baixa estatura: “Toda vez que o Magalhães pega uma caixa de fósforo as pessoas pensam que ele vai
viajar...”

Raul Giudiccelli, outra das línguas mais ferinas da Bloch, fez toda uma catilinária em cima do Ledo Ivo, poeta e redator. Só lembro esta: “O professor deu zero para o Ledo Ivo e ele foi se queixar que a nota não era justa. O mestre explicou-se com o Ledo: – Desculpe, meu filho, mas não tinha nota mais baixa do que o zero...” Ainda em relação ao Ledo Ivo, o Cony retificou o clichê “ledo engano” para “ledo e ivo engano”, usado até hoje por Cony e outros escribas.

A Santa Ceia em cor: Alberto, Ivan, Cunha, Flávio, ao fundo Sammy Davis Jr,
Eremita, Heloneida, Magalhães, Passos, Argemiro, Pedrão, Ney, Cony, Irineu.

Voltando ao Alberto: lendo agora o livro de contos inéditos de Scott Fitzgerald, I’d Die For You,
publicado 77 anos após a morte do autor, encontrei uma personagem – típica serelepe dos anos 30 – chamada Trouble, que só se poderia traduzir, é claro, por Encrenca. Pois sempre que aparecia na redação uma daquelas que a gíria do malandro chamava de “chave de cadeia”, o Alberto se referia a ela como Encrenca.

Almoço para Lula no Russell na véspera da votação do 2º turno, sábado 16-12-89.
Teria sido na Manchete que Brizola pela primeira vez chamou Lula de "sapo barbudo". 

Não faltaram encrencas na história da Manchete. Uma que mais fez jus ao apelido foi a produtora de moda de sobrenome Guerra que deu um tiro no recém-chegado diretor de arte Serge Elmalan. O
coitado do Serge acabara de chegar da França com mulher e cachorro e se instalara num
apartamento no Lido. Sofreu o imediato assédio e atração fatal da Guerra e levou um balaço.
A bala ficou alojada num ponto melindroso da região do ombro e teimava em não sair. Adolpho não hesitou: mandou o Serge para Houston aos cuidados do Dr. Michael DeBakey, o cirurgião que revolucionou a medicina na Segunda Guerra, levando o atendimento para a própria zona de combate (procedimento satirizado pelo filme M*A*S*H). Nem um craque como o Dr. DeBakey conseguiu retirar a bala guerreira que acompanhará o Serge em suas andanças pelo mundo até o fim dos seus dias. Um parêntese para dar uma ideia de quem era Serge Elmalan. Convidou-me uma noite para uma reuniãozinha en petit comité no seu apartamento. Quando adentrei a sala, lá estavam a romancista Françoise Sagan (Bonjour Tristesse), a Begum Aga Khan (viúva de um dos homens mais ricos do século), o cineasta Jacques Deray (dirigiu Alain Delon em La Piscine) e Gilberto Tumscitz e sua mãe (Serge adivinhou já no jovem repórter o futuro autor de telenovelas de sucesso, Gilberto Braga).

Outra Encrenca que fez nome na Manchete foi Marisa Raja Gabaglia (1942-2003). Fomos colegas na reportagem de Frei Caneca em 1966. Inteligente, neurótica, sedutora, fez sucesso como cronista, seu livro Milho Para a Galinha Mariquinha virou best seller. Foi repórter da TV Globo por dezoito anos, fez novela com Tônia Carrero. Marisa teve uma paixão fulminante pelo cirurgião plástico Hosmany Ramos, ex-assistente de Ivo Pitanguy, que de repente partiu para uma surpreendente carreira criminosa e, depois de várias fugas, está preso até hoje. Marisa foi pioneira do Amor bandido, título do livro que publicou em 1982 sobre sua relação com Hosmany.

Vou parando por aqui, porque “a melhor da galáxia” é como aqueles vampiros velhos que – mesmo com bala de prata e estaca no peito – se recusam a morrer.