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sábado, 23 de abril de 2016

Exclusivo: o que pensa, o que veste, o recato, a beleza e o que usa a mulher brasileira pós-golpe segundo a revista Scenna Muda

por Omelete
Estou há uma semana tentado descobrir quem é aquela mulher que a Veja apontou como símbolo da mulher brasileira, exemplo perfeito de bela, recatada e do lar.

Esqueçam Pagu, Leila Diniz, Olga Benário, Anita Garibaldi, Iara Iavelberg, Maria da Penha, Maria Quitéria, Zilda Ars, Bertha Lutz, Nise da Silveira e tantas outras indisciplinadas e despudoradas que tentaram ir além do cafofo. Elas perderam suas batalhas.

De onde a Veja teria tirado esse novo padrão da mulher pós-golpe?

Rodando em sebos de revistas no Centro do Rio encontrei a prova que faltava e o livreiro nem precisou fazer delação premiada. A matéria da Veja é inspirada em uma edição da revista Scenna Muda, de 1922. As brasileiras "bellas", recatadas e do lar estão lá fotografadas e descritas. Até os anúncios da revista são dirigidos às mulheres perfeitas do começo do século passado.

Essa mesma imaculada que a Veja - com um texto caipirinha -  se orgulha de resgatar agora como espelho para suas leitoras.

As revistas atuais têm especialistas que fazem permanentes pesquisas sobre audiência para conhecer seus leitores. Não se enganem: se a Veja vendeu tanto a imagem da mulher ideal, a nova mulher brasileira pós-golpe, é porque suas leitoras assim se identificam e é o que esperam e o que vão imitar. A isso se dá o nome de formação de opinião. Coisa fina. Não desdenhe do perfil das vencedoras.

Como contribuição desinteressada, retiro da Scenna Muda algumas fotos das perfeitinhas de 1922. Figurinos, penteados, produtos que consumia, está tudo aí.
O pessoal vitorioso já pode tirar a camisa amarela: o figurino da Scenna Muda é a moda.

Sugestão para adereço ideal para cerimônias de posse.

A mulher pós-golpe não dá mole em rede social, usa diário e desabafa, quando o faz, em forma de sonetos. É o máximo que se permite de rebeldia chique. Ela e o marido adoram se comunicar por cartas.

Nada de decotes. Só um par de joelhos e nada de mostrar as coxinhas.

A mulher pós-golpe tem "criadas" e se orgulha disso. 


Vai um cházinho? A mulher pós-golpe é solícita e se antecipa aos desejos do "maridão". Entende que ele pode estar cansado de conspirar, de ir a manifestações e de receber ordens, de ouvir os pedidos, de ser chamado de traidor. "Coitado!, vivo pra ele" - ela escreve sempre no diário.  

O maridão precisa relaxar. A mulher pós-golpe entende isso, ela o distrai com seus dotes musicais e o incentiva a "libertar o galináceo" (era a expressão da época para "soltar a franga"). 

Mesmo quando leva um puxão de orelhas, ela sorri. É de brincadeirinha.
A harmonia conjugal permite tais folguedos. 

A mulher pós-golpe também se diverte: na foto, ela ensaia um minueto baseado nas músicas de Chiquinha Gonzaga, perdão pela comparação, vai aqui só como uma referência da juventude, que era uma Anitta da época. Mas tudo isso no recato dos jardins da mansão, longe de olhares indiscretos e de vazamentos para a imprensa. 
A mulher brasileira pós-golpe não compartilha nada do que vê e ouve em casa. Consciente do seu papel, ela orienta as amigas  e as "criadas" para não falar pra ninguém sobre os assuntos de trabalho do maridão,  política, programa de governo, inquéritos, essas coisas de homem. 

A Veja ainda não divulgou se fará uma eleição da "Mais Recatada de 2016", mas, em 1922, a "Revista da Semana" anunciava  na Scenna Muda o seu concurso da "A Mais Bella Mulher do Brasil ".  Era, dizia a revista, para escolher "a joia mais perfeita da nossa raça". 

A mulher pós-golpe usa pó-de-arroz em doses hospitalares: parecer sempre mais branca é essencial
Finalmente, por entender que a mulher brasileira pós-golpe viveu momentos de tensão na Av. Paulista
e em Copacabana, a Scenna Muda recomenda o Amargo Sulfuroso do Dr. Kauffmanns. Cura nervosismo, fraqueza, urina turva, "venenos mineraes que permanecem em vosso organismo" e  até eliminam "botões desgraciosos
no rosto".