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domingo, 18 de setembro de 2022

Da Boca Maldita sei eu... Por Roberto Muggiati

 


Boca Maldita na década de 1960. Reprodução Pinterest

Nascido em Curitiba, onde morei exatos 23 anos – no dia do meu aniversário botei o pé no mundo, ou melhor, voei nas asas da Panair para Paris – lembro bem dos primórdios da Boca Maldita. Em seus tempos mais cândidos, Curitiba se autodenominava Cidade Sorriso, passando uma imagem cordial. 

Quando resolveu assumir uma postura mais verdadeira – já dizia Rimbaud, “Quelle âme est sans défauts?” – surgiu a Boca Maldita. Oficialmente, a confraria dos “Cavaleiros da Boca Maldita de Curitiba”, em 13 de dezembro de 1956. Na mesma data, em 1966, teve seus estatutos criados e, em 29 de setembro de 1975, foi finalmente registrada. Seus principais fundadores foram o político e cartola Anfrísio Siqueira e o jornalista Adherbal Fortes de Sá Junior, que lhe deu o nome.

Jornalista já aos dezesseis anos, em 1954, eu costumava orbitar depois dos fechamentos da Gazeta do Povo em torno dos restaurantes e confeitarias da Cinelândia. Ela ocupava a “avenida mais curta do mundo” (150 metros), então João Pessoa, hoje Luiz Xavier. Na esquina da Avenida com a Rua Ermelino de Leão abriu um café, daqueles da Era a.E [antes do Espresso], com cafezinhos passados em coador de pano e tomados de pé diante do balcão em pequenas xícaras de louça. Os cafezinhos saborosos de uma marca confiável logo começaram a atrair hostes de jornalistas, advogados, políticos e desocupados, que eram maioria naquela fauna desvairada, essencialmente masculina.

A festa de aniversário da Boca tornou-se seu maior evento da Boca, quando 40 pessoas recebem o título de “cavaleiro” da confraria. Entre os agraciados figuram Antônio Ermírio de Morais, Carlos Ayres Britto, Nelson Jobim e Ziraldo.

Apesar (ou por causa) da ditadura militar, a Boca Maldita viu crescer nas décadas de 60 e 70 (quando a Avenida virou um calçadão pedestre exclusivo) seu papel de tribuna livre, mesmo depois do AI-5, pela impossibilidade de se censurar suas atividades essencialmente orais (verba volant...). Isso justifica o fato de ter sido a Boca Maldita escolhida em 1984 como o palco inicial da campanha nacional pelas Diretas Já!

Lula e curitibanos se encontraram na...

Boca Maldita, ontem. Fotos Ricardo Stuckert


Passou também a ser o local favorito para comícios eleitorais, como o que ocorreu neste sábado, de Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, mesmo longe de Curitiba há tanto tempo, declaro aqui o meu desejo de receber, um dia, o título de Cavaleiro da Boca Maldita.


sábado, 23 de janeiro de 2021

Edilberto Coutinho queria ser Gene Tierney • Por Roberto Muggiati

Edilberto Coutinho
No meu álbum de fotos aparece amiúde a figura de (José) Edilberto Coutinho, presente nas comemorações de aniversário da minha infância. Paraibano de Bananeiras, filho de um funcionário público, depois de rápida passagem por Recife arribou em Curitiba em 1946. Quatro anos mais velho que eu, brilhou no movimento estudantil paranaense, formou-se em direito no Recife e depois embarcou na carreira de jornalista e escritor no Rio de Janeiro, a partir de 1957. Insinuante, fez logo amizade com os irmãos Condé, donos do Jornal de Letras, e passou a orbitar em torno daquela referência literária da época. Seu homossexualismo latente veio à tona nos contos, notadamente aqueles que adotam o futebol como tema (Maracanã, adeus: onze histórias de futebol e Amor na boca do túnel). Morreu relativamente cedo, aos 62 anos, mas marcou a cultura brasileira com sua presença forte como ficcionista, ensaísta, jornalista e professor universitário.

Quero fixar aqui a lembrança do Edilberto que conheci nos anos 40 no edifício Marina, em Curitiba, onde éramos vizinhos. O Marina era um pequeno prédio de dois pavimentos com quatro apartamentos, dois por andar: minha família morava no 1, que ficava à esquerda no térreo; os Coutinho no apartamento 4, no andar de cima à direita. Na verdade, Edilberto morava com a irmã, Iolanda, casada com o engenheiro e professor José Pitella Junior. Ela acabaria entrando para o folclore do alto da Carlos de Carvalho por uma explosão temperamental que lhe valeu um apelido para o resto da vida. Telefones eram muito raros na época e minha família se orgulhava daquele aparelho de design clássico, preto de baquelite, e da linha cujo número nunca esqueci: 3549. A irmã mais velha do Edilberto usava nosso telefone por cortesia, mas esse tipo de gentileza estava fadado a acabar mal, principalmente levando em conta o choque cultural paraibano-paranaense. Um dia, dona Iolanda interpretou mal um comentário de minha mãe e subiu nas tamancas: “Tá bom, eu não preciso mesmo desse telefone de bosta!” Passou a ser conhecida então como “Dona B.O.”

Já Edilberto surpreendeu nossa turminha – tínhamos dez anos, ele já andava pelos catorze – com uma declaração insólita depois de assistir a um filme de sucesso da época, Amar foi minha ruina (1945). Confessou para nós que gostaria de ser Gene Tierney na cena famosa em que a estrela simula uma queda acidental na escadaria da sua mansão para abortar a criança que – na sua ótica ciumenta patológica – a separaria do marido, Cornel Wilde. Ela já havia levado o irmão mais moço do mocinho a se afogar num lago. Doente de ciúmes do relacionamento da meia-irmã com o marido, recorre a uma saída extrema: suicida-se com arsênico, incriminando os dois e levando-os a julgamento por homicídio.

Chocou-nos o apego de Edilberto a uma heroína tão deletéria. Em nossa inocência, éramos incapazes de apreender os delicados mecanismos da projeção homoerótica na figura feminina. Este episódio remoto voltou à minha memória ao rever agora Amar foi minha ruina no volume 17 do Filme Noir da Versátil, o primeiro noir em technicolor da série. Velhos filmes, de certa forma, nos trazem de volta fatos e pessoas longamente esquecidos...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Waltel Branco, meu irmão • Por Roberto Muggiati

Waltel Branco, novembro de 2013. Foto: Fundação Cultural/Prefeitura de Curitiba.

Outro que se foi. Outro anjo torto tocador de trombeta da noite curitibana. Por tocador de trombeta entenda-se músico no mais amplo sentido da palavra. Waltel Branco o era, ricamente. Exímio violonista, compositor e arranjador, ele só não queria uma coisa: passar para a posteridade como o arranjador da Pantera Cor de Rosa. Coitado, foi justamente o que aconteceu.

Todos os obituários o acoplaram ao felino safado de Henry Mancini que, de vinheta de filme, virou personagem principal dos desenhos animados que fizeram a alegria de infantes de todas as idades a partir de 1964.

Waltel foi o arranjador também de, entre outros, Azul da cor do Mar (Tim Maia), Bastidores (Cauby Peixoto) e Faz parte do meu show (Cazuza)

Nascido em Paranaguá, de uma família musical séria – o pai ainda considerava o violão coisa de boêmio – Waltel, para convencer o velho, resolveu estudar música clássica. Ainda jovem, no Rio de Janeiro, aquele violonista que sabia ler partituras impressionou o maestro Radamés Gnatalli, que o contratou para sua orquestra. Embora o Rio na época fosse o paraíso da música, Waltel não esquentou a cadeira. Abduzido pela cantora cubana Lia Ray, partiu em turnê pela América Latina, passou dois anos em Cuba, outros tantos nos Estados Unidos, imergindo-se em mambo e jazz.

De volta ao Brasil, caiu nos braços da bossa nova e lançou os primeiros da centena de álbuns que gravaria ao longo da vida. Em 1963, integrou a equipe de arranjadores de Henry Mancini durante a gravação da trilha de A pantera cor de rosa (ele homenagearia o compositor no álbum de 1966 Mancini também é samba, com bambas da música instrumental brasileira como K-ximbinho, Dom Salvador e Edson Maciel.)

Não quero embarcar num extenso verbete – Waltel fez de tudo, foi até um dos pioneiros das trilha de novelas da Globo e, até hoje, um dos melhores. Acho que um depoimento de Roberto Menescal no documentário Descobrindo Waltel resume tudo: “O Waltel foi o primeiro músico mesmo que eu pensei, músico na concepção total! Músico que estudava, que lia, que tocava bem seu instrumento…”
Waltel Branco morreu no dia 28 de novembro, uma semana depois de completar 89 anos, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Nossos caminhos se cruzaram muitas vezes, na noite curitibana. Eu o vi ainda em 2008, no Teatro Paiol, onde fez questão de me presentear com um novo livro de partituras, devidamente autografado; e, em 2012, num de seus últimos shows, uma espécie de homenagem, num auditório grande, completamente lotado.

Mas a trombeta do anjo torto da noite curitibana não calou, sua música continua iluminando nossa vida.

Uma sugestão: por que não vão correndo ouvir a sua homenagem a Mancini?

É só clicar em https://www.youtube.com/watch?v=G56f4dc3H7o

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Grande Joel! • Por Roberto Muggiati


Joel Barcelos (1936-2018)
por Roberto Muggiati
Escrevo uma mera nota de pé de página à biografia do ator e militante Joel Barcelos, morto no sábado, 10 de novembro, em Rio das Ostras, RJ, aos 81 anos.

Em julho de 1962, eu estava em Curitiba, de volta de dois anos em Paris, mas já com um pé em Londres, com contrato assinado para trabalhar no Serviço Brasileiro da BBC. Rolava em Curitiba um megaevento cultural e político que aqueceu de uma maneira insana o inverno da cidade. Para lembrar os que já esqueceram e informar aos que nem eram nascidos: Jango Goulart, o vice que, depois do tresloucado gesto de Jânio da Silva Quadros, assumiu a Presidência da República, sob resistência das alas reacionárias, tentava conviver com um regime parlamentarista canhestro, o Brasil nunca tivera familiaridade com estas políticas civilizadas. Agitação nas ligas rurais, nos sindicatos, nos transportes e nos portos, nas famílias católicas e, principalmente, entre os estudantes.

Foi nesse quadro que surgiram os Centros Populares de Cultura, os CPCs, organizadíssimos e associados à União Nacional dos Estudantes (UNE). Sua atuação básica consistia em criar e divulgar uma "arte popular revolucionária” e exigir do artista que ele fosse “engajado”.

O evento de Curitiba centrava-se em teatro e artes cênicas. Joel Barcelos era um dos manda-chuvas dos CPCs. Alguém soprou para ele que eu tinha diploma de inglês de Cambridge (o Proficiency da Cultura Inglesa), então ele me chamou às armas. Recebeu-me numa sala de escritório (provavelmente cedida por um daqueles “bons burgueses” da época). Foi direto: intimou-me a dar uma palestra provando que Shakespeare e o seu teatro eram comunistas. Topei – por que não? – ele estava coberto de razão...

Ileana Kwasinski
No dia marcado para a aula magna, no esqueleto do Teatro Guaíra, ainda em construção, aparecem-me duas gazelas extraviadas: Leila Santiago de Oliveira e Ileana Kwasinski. Sem maiores dificuldades, provei às duas que Shakespeare era comunista, sim! Ileana deve ter acreditado na minha lorota e já no ano seguinte estreava como atriz na peça de Millôr Fernandes Um elefante no caos. Teve uma bela carreira no cinema, teatro e TV, casou com o ator Claudio Correa e Castro, com quem teve um filho, pena que o câncer a tenha levado tão cedo, aos 54 anos.

Quanto ao Joel Barcelos, nunca mais o vi, a não ser valente sempre nas telas do cinema novo e ainda na TV.

O epílogo daquela temporada dos CPCs em Curitiba foi que eu e um amigo pegamos uma carona no majestoso Bentley de Gianni Ratto para o Rio de Janeiro. Depois de dois dias de viagem – alegando que morava em Santa Teresa e não podia nos levar até Ipanema, nosso destino final – o britânico italiano nos desovou na porta do Hotel Novo Mundo, no Flamengo. Tremenda coincidência. Mal imaginava eu que, três anos depois, iria trabalhar na Manchete e, nos longos anos do Russell (1969-2000), encontraria no bar do Novo Mundo um porto seguro para todas as nossas tormentas no tumultuado mar dos Bloch...

sábado, 28 de abril de 2018

O ódio dispara: ataque a tiros em acampamento pró-Lula deixa dois feridos

por Yara Aquino (Agência Brasil)

Um ataque a tiros na madrugada de hoje (28) ao acampamento onde apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazem vigília desde sua prisão, em Curitiba, deixou duas pessoas feridas, de acordo com a coordenação do movimento. A Polícia Militar de Curitiba confirma a ocorrência de tiros na região e informou que o caso está em investigação. Ainda não há informações sobre a autoria dos disparos. A coordenação do Acampamento Lula Livre divulgou que Jeferson Lima de Menezes, de São Paulo, foi atingido por um tiro no pescoço e está internado em estado grave. Os tiros foram disparados entre 3h e 4h da manhã.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, divulgou um vídeo na página do partido relatando o episódio e disse que, momentos antes do ataque, pessoas haviam passado várias vezes pelo local gritando e se manifestando de forma contrária à mobilização. “A situação de violência e intolerância no país está muito grave, não podemos aceitar isso”, disse Gleisi no vídeo. Segundo ela, Jeferson Lima é do movimento sindical de São Paulo.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que, segundo as primeiras informações, uma pessoa a pé efetuou disparos de arma de fogo contra o acampamento de simpatizantes do ex-presidente Lula. A secretaria confirma que uma pessoa baleada foi levada ao hospital e que um tiro acertou um banheiro químico e os estilhaços feriram uma mulher no ombro, sem gravidade. De acordo com a nota, no local foram recolhidas cápsulas de pistola 9 mm e um inquérito foi aberto para apurar o caso.

A nota da coordenação do acampamento diz que a violência contra os apoiadores de Lula não vai diminuir a mobilização e que o local vai receber grande quantidade de pessoas no feriado do 1° de maio, Dia do Trabalhador.

O ex-presidente Lula chegou à carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, no dia 7 de abril. Desde então, manifestações pró e contra Lula ocorrem na cidade.

Fonte; Yara Aquino/Agência Brasil

sábado, 21 de abril de 2018

Fato & Foto: Boff condenado à guarita


Foto de Eduardo Matysiak/Agência PT

A foto de Leonardo Boff sentando em uma cadeira diante da guarita da sede da Polícia Federal, em Curitiba, é o retrato da semana. Amigo de Lula, ele foi impedido de visitá-lo e sequer pode esperar na recepção do prédio a decisão judicial que analisava o pedido. Boff, assim como  o argentino Prêmio Nobel Adolpho Esquivel foram barrados por ordem de uma juíza local.

Vai ver havia o temor de que Boff resgatasse Lula da prisão e ambos, um com 80 e outro com 72 anos, saíssem em desabalada carreira pelas ruas de Curitiba.

A foto, que viralizou nas redes sociais, foi feita por Eduardo Matysiak, da Agência PT.

À revista Fórum, Matysiak se disse contente com a repercussão da foto no Brasil e no exterior, mas comentou a tristeza que a imagem e suas circunstâncias lhe causaram.

domingo, 7 de maio de 2017

Tapas & Capas: segundo o jornalismo de octógono, a Justiça leva luvas de boxe para o ringue de Curitiba





Em sintonia, as revistas semanais propagam a presença de Lula em Curitiba, no dia 10, não como depoimento, mas um "ajuste de contas", um embate. A Istoé usa a ilustração de um ringue de boxe. A Veja também sinaliza uma luta. Talvez fosse mais fiel ao que vai acontecer a imagem de um octógono. A clássica luta de boxe tem regras mais rígidas, que evitam golpes baixos e punem ameaças à integridade dos lutadores. As lutas de UFC e MMA são para os "casca grossa", admitem o vale-tudo, o massacre, a cara quebrada. Ambas as publicações reproduzem a "encarada" provocativa que os contendores protagonizam antes do pau comer. As redes sociais ironizam a Istoé e a Veja ao observar que as revistas vestiram Moro com as cores do PSDB, além de desqualificar a isenção de um juiz ao pré-julgá-lo como um "adversário" de um réu.

A Época destaca o titulo "As provas contra Lula". E logo no texto abaixo da afirmativa contundente, admite que a Justiça tem "evidências". São dois conceitos jurídicos diferentes. Não foram apresentadas provas contra Lula. Talvez essa arma de extermínio esteja reservada para o dia 10. Juristas desconfiam que não.

A audiência de Lula estava marcada para o dia 3 de maio. Foi adiada segundo motivos vagos. Embora estivesse marcada havia semanas, as autoridade alegaram que a segurança em torno do evento não estava preparada. Especula-se, agora, que, na verdade, Curitiba aguardava os primeiros movimentos da delação premiada de Renato Duque, já devidamente vazada, para reforçar as "evidências", ainda sem provas, contra Lula. "A Lava Jato não precisa de um crime, ela acha alguém para depois tentar colocar um crime em cima de um criminoso. E para isso eles fizeram a coisa mais sem-vergonha que aconteceu nesse país porque um juiz precisa da imprensa para execrar as pessoas, que estão sendo citadas, junto à opinião pública e depois facilitar o julgamento", afirmou o acusado, em evento do PT, já na expectativa de subir ao octógono fatal de Curitiba.

domingo, 12 de março de 2017

UMA AVENTURA EM CURITIBA: Baixando na Arena 59 anos depois

A foto do fato: eu na Arena da Baixada

Por Roberto Muggiati

Na segunda-feira, 6 de março, fui a Curitiba para a posse do meu querido amigo Ernani Buchmann na presidência da Academia Paranaense de Letras. Foi uma bela cerimônia solene na sede da OAB do Paraná, não muito longe da Polícia Federal, o “palácio” da Lavajato.

  
No Bar Stuart, os acadêmicos Dante Mendonça (atleticano), Ernani
Buchmann (o novo presidente da APL, já foi presidente do
Paraná Clube), Ney José de Freitas e este que vos fala.
No dia seguinte, Ernani combinou um encontro de fim de tarde mais descontraído no Bar Stuart, o mais antigo de Curitiba, fundado em 1904.

Com o dia inteiro praticamente livre, fui flanar por minha cidade natal em busca de vestígios do passado, tarefa que me exige, a cada nova viagem, mais memória, imaginação e alma de arqueólogo.

Na Avenida, passei pela Boca Maldita (longe de ser aquela que foi o ponto de partida da campanha nacional Diretas Já! em 1984). Depois, flashes da Rua Quinze: o Bar Triângulo, o rei do cachorro quente curitibano (ainda ostentando o au-au de néon na fachada); a lendária Confeitaria das Famílias; a sacada do antigo escritório de meu pai, da qual assistíamos aos desfiles do Sete de Setembro; em frente, o sobrado onde tive minhas primeiras aulas de inglês, aos dez anos, com Robert Charles Fulton; na Barão do Rio Branco espiei pela porta de entrada do prédio do Clube Curitibano (hoje sede da COHAB), com a chapelaria onde as madames e as debutantes guardavam seus casacos de pele; no subsolo também não havia mais a Caverna Curitibana, a antípoda das virginais debutantes; para dançar com as taxi girls, você comprava uma ficha e passava pela roleta até a pista de dança.

Do outro lado da rua, fui ver a vitrine dos instrumentos musicais da Casa Sartori, os saxofones de hoje fabricados no Vietnã ou na China. Não havia mais a Casa da Manteiga, nem o Grande Hotel Moderno, de portas fechadas, sua fachada art déco coberta por grafitos. Não achei a vitrina onde o faquir Silkh bateu um recorde mundial de jejum, deitado num colchão de pregos, vestindo apenas um fraldão e um turbante (diziam que na madrugada ele devorava cachorros do Triângulo e baurus e beirutes da Cometa). O Correio velho, onde em 1955 recebi pelo reembolso postal meu primeiro saxofone, um Ubaldo T. Abreu, de fabricação paulista; revi o belo prédio neo-helênico da Universidade do Paraná e os degraus de pedra da Faculdade de Engenharia, onde gazeteava vendo a passagem das normalistas. Fugi do Colégio Santa Maria, uma bela construção retangular que ocupava todo um quarteirão e foi estupidamente arrasada. No Passeio Público, encontrei os restos da Boate Tropical, à beira do velho lago, onde Raul de Souza singrava a madrugada num pedalinho com seu trombone para fazer serenata a um búfalo d’água. Vi o velho Île de France ainda de pé, cinco décadas depois, com a melhor “cuisine traditionelle  française”. Subi a Riachuelo degradada, por onde passava o bonde rumo ao Juvevê e Bacacheri.

Em frente à antiga Prefeitura, existe agora um magazine de roupas no lugar do Facilitário Muggiati do tio Aquiles, a primeira loja de vendas a prestação em Curitiba. Aonde eu ia religiosamente (heresia!) toda sexta-feira de Carnaval recolher minha caixinha de madeira com as três lança-perfumes gorduchinhas, as Rodo Metálicas.

Fiz uma pausa para o recolhimento na Catedral da Praça Tiradentes, para mim, por muito tempo, um templo gótico mais majestoso que a Notre Dâme de Paris ou a Abadia de Westminster. Na basílica da Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais acendi uma vela votiva para o horrendo Cristo crucificado logo à direita da entrada, sempre oculto na escuridão contra um vitral colorido. Lembro que meu pai madrugava na Catedral com os companheiros da opa, aquela capa roxa que vestiam na Semana Santa – as imagens da catedral todas cobertas de roxo também – antes de partirem em procissão com o Cristo na cruz, um dos mais sofredores que conheci em minhas andanças pelo mundo.

Tinha mais pela frente. A Biblioteca Pública do Paraná comemorava seus 160 anos. Fui lá ouvir um trio de jazz e bossa nova, o Helinho Brandão (estudou sax com o Mauro Senise, como eu) e o guitarrista Mário Conde, acompanhante do Raul de Souza, que conheci em Curitiba em 1958.

Conheci em pessoa meus colegas virtuais do jornal literário da Biblioteca, Cândido, Rogério Pereira e Luiz Rebinski. E dei um abraço-surpresa no Ruy Castro, que seria o entrevistado de Um Escritor na Biblioteca, para o Cândido, formando uma ponte Caratinga-Curitiba.

Ernani Buchmann já estava no Stuart às sete. Conversamos sobre canetas-tinteiro até chegarem os companheiros Dante Mendonça e Ney José de Freitas. Chope e Steinhager, como convém, o papo vai rolando, alguém menciona o jogo do Atlético na Baixada pela Libertadores. Comento que a última vez que fui à Baixada foi em 1958 para assistir à big band de Woody Hermann. Os EUA tinham sacado que o jazz era uma eficiente arma de propaganda na Guerra Fria e patrocinaram várias turnês. A banda de Dizzy Gillespie visitou o Brasil em 1956.

A banda de Woody Herman, em 1958, em apresentação na quadra de basquete do
Atlético.


Eu com Woody Herman, em Curitiba, no mesmo ano. 

Em 1958 foi a vez de Woody Herman. (De quem Allan Stewart Königsberg, Woody Allen, tirou seu nome artístico.) A banda de Herman hospedou-se em Curitiba no Mariluz Hotel, onde o entrevistei, e tocou no Guairinha, numa noite de sábado. No domingo, houve uma apresentação grátis na quadra de basquete do Atlético, no Joaquim Américo, um tremendo erro, porque o time da casa jogava no campo ao lado e os minguados espectadores da banda de Woody a toda hora acorriam às janelas laterais da quadra para espiar o futebol.

No embalo da lembrança, o Dante Mendonça me pergunta: “Quer ir à Baixada? Tenho uma cadeira lá." Não hesitei. Chegar ao estádio em cima da hora, no meio daquela confusão toda, foi um risco para um cidadão que vai comemorar os oitenta este ano. Mas a emoção do espetáculo valeu a pena. A torcida atleticana toda uniformizada, muitos jovens, garotas bonitas, mães com bebês, pais com filhos pequenos – e a adrenalina correndo a mil. A Arena da Baixada é também um dos estádios mais bonitos que já conheci, iluminadíssima, o telhado retrátil fechado por ameaça de chuva. Tudo organizado e limpíssimo, as novas instalações do Joaquim Américo impressionaram este veterano frequentador do Maracanã. O jogo também foi vibrante. O Atlético marcou logo aos cinco minutos, fez 2x0 aos 30 do segundo tempo.
Aos 40 minutos sofreu um apagão e o Universidad Católica de Chile fez dois e chegou ao empate. Um empate sofrido em casa, com gosto de derrota. Saí meio ressabiado, temendo que alguém da torcida apontasse um dedo acusador para mim: “É ele o pé frio!” Da Dublin de Joyce, onde está morando, meu filho escreveu: “Tem de sair cinco minutos antes do fim do jogo, Mick Jagger do Batel!”

Pé frio? Deixa pra lá. Na noite seguinte, já de volta ao Rio, a televisão me transportou para o Durival Britto e Silva, o estádio em Vila Capanema, para torcer pelo Paraná na Copa do Brasil contra o Bahia. O Paraná é um quinto da camisa do meu amado Ferroviário – time para o qual eu torcia até 1962, quando saí definitivamente de Curitiba. (O Ferroviário fundiu-se em 1971 com o Britânia e o Palestra para formar o Colorado; em 1989, o Colorado fundiu-se com o Pinheiros e formou o Paraná Clube.)

Foi no Durival Britto, que fiz aulas de ginástica no primeiro ano do ginásio, assisti aos dois jogos da Copa do Mundo de 50 em Curitiba e vi ainda na concha acústica um show inesquecível da orquestra de Xavier Cugat.  Voltando à Copa do Brasil de 2017: um prócer (belo palavrão) da CBF falou que o Bahia começaria mais tarde a terceira fase da Copa do Brasil, dando como favas contadas que o time da Boa Terra eliminaria o esquadrão das Araucárias. O Bahia protelou o jogo e catimbou o que pôde, mas o tricolor paranista foi lá e despachou o adversário com indiscutíveis dois a zero. Coisa que o Vasco não conseguiu contra o outro baiano, o Vitória. Mas isso já é outra história...

Atualização bqvMANCHETE: (Comentários postados no Facebook)



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Em Curitiba, a Zombie Walkie mostra que morto-vivo também se diverte...

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Zombie Walk em Curitiba. Foto de Gabriel Rosa/SMCS-

Zumbi não pode se molhar, não faz bem pra pele ressecada. Foto de Gabriel Rosa - SMCS

Uma gata-zumbi. Foto de Daniela Tyemi

Belo sorriso.

Foto de Gabriel Rosa/SMCS

Família-zumbi-Foto de Gabriel Rosa/SMCS

Seis mil zumbis invadiram Curitiba. Não parece, mas à maneira dos mortos-vivos, o carnaval estava pra lá de animado.