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sexta-feira, 29 de abril de 2022

O melhor menu do mundo na Manchete • Por Roberto Muggiati

 “Somos um restaurante que por acaso também imprime revistas.”

   ADOLPHO BLOCH DEFININDO SUA EDITORA

Chef Severino Dias, do restaurante da Manchete

Às vezes me vem água na boca ao lembrar os almoços no restaurante de Bloch Editores. Particularmente agora, quando se fala muito do prato nacional da Ucrânia, o Frango à Kiev, recordo a primeira espetada de garfo gauche no empanado recheado e o esguicho de creme quente na gravata. A receita (veja no final do texto) vinha da babuschka de Jitomir e fora repassada a Severino Ananias Dias, o “inevolúvel” chef da Bloch (ele criara o adjetivo discursando em louvor de Adolpho). O empresário amava sua cozinha. Era preciso ver, nos momentos de descanso, as panelas de cobre reluzentes compradas em Paris penduradas na cozinha asseada como uma sala de cirurgia. Nos momentos de faina, os vapores e sabores pairavam convidativamente no ar. Meia hora antes do almoço, um núcleo duro de bacanas (editores, redatores, publicitários) se amontoava no balcão de mármore por onde sairiam as travessas de comida, para traçar algumas doses de vodca hipergelada. 

Embora tivesse morado dois anos em Paris e três em Londres (o restaurante da BBC, na temporada de caça, servia aves dignas dos Windsor, como a famosa grouse, um delicioso faisanídeo), vim a conhecer no restaurante do Adolpho sofisticados pratos da culinária internacional. Seu Gulash Húngaro era impecável, o Cassoulet à Francesa também. A pièce de resistance das sextas-feiras alternava numa semana a Feijoada à Brasileira (Sartre e Simone provaram na gráfica de Parada de Lucas) com o portentoso Cozido à Portuguesa na outra. Havia o Arroz de Braga, que provocou em 1969 uma crise com dois redatores de Fatos&Fotos, da qual eu era o editor. “Xiiii, é o Arroz de Praga, porra!”, bradou o Sérgio Augusto para o Paulo Perdigão, ou vice-versa, e deram meia-volta e foram almoçar fora. O Oscar Bloch, de tocaia atrás de uma coluna, assistiu ao acinte e foi aguardar na redação a volta dos culpados, que foram sumariamente demitidos. Acontece que o Perdigão tinha um tio general que era presidente do Supremo Tribunal Militar e foi prontamente readmitido. Sérgio Augusto, sorte dele, foi fazer uma bela carreira no Pasquim. Devo consignar que a implicância da dupla com o Arroz de Braga era mais ideológica do que gastronômica.

Como editor, eu participava também dos jantares de Pessach (Páscoa), rigorosamente alinhados com a tradição judaica, com a sopa de Matso Balls ou Kneidl, em iídiche ( bolinhos de pão ázimo, ovos e gordura), o Gefilde Fische e o Pato Kasher.


Uma noite destas, assistindo a um filme noir francês que adoro, Le Casse/Os ladrões, revi a cena em que o tira Omar Shariff encontra o meliante Jean-Paul Belmondo num restaurante de Atenas comendo um prosaico bife com fritas. Com cara de nojo, manda recolher o prato, senta-se à mesa com Bebel e lhe dá uma aula de culinária grega (fortemente influenciada pelo domínio turco, durante o Império Otomano). A cozinha inteira se mobiliza para agradar o policial, na sua boca-livre literal costumeira e, entre outras coisas, serve uma moussaka (Confiram a cena no anexo).  A Bloch também servia Moussaka, e das mais esmeradas. Senti uma vontade louca de comer moussaka, mas onde, no Rio, àquela hora? Ou melhor, nos tempos de hoje? A minha moussaka blochiana tinha ido se juntar, havia muito, à madeleine proustiana, na névoa do tempo.



FRANGO À KIEV

INGREDIENTES

3/4 de xícara de margarina

1 colher (sopa) de salsinha picada

1 colher (sopa) de cebolinha verde picada

Sal e pimentadoreino a gosto

6 filés médios de frango

1/4 de xícara de farinha de trigo

1 ovo

1 colher (sopa) de água

Cerca de 3/4 de xícara de farinha de rosca

Óleo para fritar

MODO DE PREPARO

1. Misture a manteiga, a salsa, a cebolinha, o sal e pimenta e forme um retângulo; embrulhe-o em papel-manteiga e leve à geladeira.

2. Bata os filés de frango com o batedor de carne até que fiquem com 1/2 cm de espessura.

3. Corte o tablete de manteiga em 6 partes iguais e coloque um no centro de cada filé.

4. Enrole os filés, dobrando também as extremidades para cobrir completamente a manteiga.

5. Prenda com palitos e repita com os filés restantes.

6. Passe-os numa mistura de farinha de trigo e sal a gosto.

7. Bata o ovo com a água num prato fundo e coloque a farinha de rosca sobre uma folha de papel.

8. Passe os filés na mistura de ovo e por último na farinha de rosca.

9. Arrume os filés numa assadeira, numa só camada, cubra-os com uma folha de papel e leve à geladeira por 1 ou 2 horas, para permitir que a farinha de rosca seque na superfície.

10. Numa panela grande, esquente uma boa quantidade de óleo e frite 2 filés de cada vez.

11. Frite-os até que estejam dourados e firmes quando pressionados com um garfo.

12. Não os fure.

13. Retire os palitos e mantenha os rolinhos quentes, enquanto frita os restantes.

 

P.S • Rápido no gatilho, Sérgio Augusto me corrige: “O tio do Perdigão era almirante: alm. Armando Perdigão. A birra com o arroz não era ideológica; afinal sou português. Ele era ruim, daí porque o apelidei de ‘Arroz de Praga’”.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Fotomemória da Rua do Russell: o restaurante que fazia revistas

O staff posa na cozinha da Bloch: com  o chef Severino Dias, no alto, aparecem, entre outros, Zé Maria, Nunes, China, Geraldo e Dona Arminda. Foto: Acervo José Carlos Jesus

O prédio da Manchete, na Rua do Russell, tinha três restaurantes e uma cozinha industrial. No décimo andar ficava o espaço mais restrito, destinado aos diretores e convidados. No terceiro andar - que também era frequentado pela cúpula da empresa -  e no térreo ficavam as praças de alimentação dos funcionários. A comida era de qualidade e, durante anos, 0800. Lá pelo fim dos 70, foi instituído um ticket que era descontados dos salários. 

Nos tempos da boca-livre, quando o prédio ainda não abrigava a TV, o restaurante do terceiro andar tornou-se um point da cidade. Não um endereço aberto ao público, mas bastante apreciado por artistas, empresários, publicitários, amigos da casa, visitantes ocasionais. Alguns eram nem um pouco ocasionais. Havia um ator famoso como vilão no cinema que era quase um colega, de tanto descolava o rango da Bloch. Geralmente ia ao Russell a pretexto de falar com o Justino Martins e se deixava ficar, ora consultava o relógio, ora ia à janela apreciar a vista, até que a redação descia para almoçar e ele se incorporava ao grupo. O vilão não escapava da ironia de Oscar Bloch dirigida ao próprio Justino. "Ele agora trabalha aqui?", repetia a pergunta semanalmente, mensalmente, anualmente. O pessoal de teatro e cinema, menos abonado, era, digamos, mais rotineiro. Um humorista que vivera melhores dias e estava em baixa também era um apreciador dos pratos do chef Severino. Na pior, a fome para ele não era piada.

É dessa época a frase "Manchete é um restaurante que faz revistas". Muitas vezes as duas habilidades se realizavam ao mesmo tempo. Da cozinha saiam os sanduíches das madrugadas que serenavam estômagos durante as longas e exaustivas horas de fechamentos de edições especiais ou de revistas atropeladas por fatos relevantes e urgentes. Ou, ainda, no Carnaval, levando uma boia fast food para as redações de Manchete, Fatos & Fotos e Amiga virando noites. No menu, invariavelmente, o tradicional pão francês com ovo que inspirou o nome deste blog segundo a versão latina por Carlos Heitor Cony.

A Manchete também oferecia muitas recepções monumentais. A principal talvez fosse por ocasião da entrega do Prêmio Tendência. A cada ano a revista de economia da editora premiava ministros e empresários. O PIB ia jantar no Russell ao lado de presidentes, tecnocratas em geral,  economistas e os donos das maiores agências de publicidade do país. A foto acima, com todo o staff embecado e reunido na cozinha é, provavelmente, dos bastidores de uma dessas ocasiões.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Severino Dias, ex-chef de cozinha da Manchete, é homenageado em Vassouras (RJ). Ele comandou um restaurante que, além dos funcionários, recebia de cientista Prêmio Nobel a astronautas, estrelas de Hollywood e até uma lista ilustre de penetras

Terminal Rodoviário, em Vassouras, recebe o nome de Prefeito Severino Dias, ex-chef dos restaurantes da Bloch. Foto de Eny Miranda/Subsecretaria de Comunicação/Governo do Estado do Rio de Janeiro. 

Severino Dias na Manchete. Foto: Arquivo Lairton
Cabral, reproduzida do livro "Aconteceu na Manchete,
as histórias que ninguém contou"
por BQVManchete
Severino Dias era o chef dos restaurantes de Manchete. Durante algumas décadas, com a seu time de cozinheiro e garçons - uma equipe, aliás, maior do que a de muitas redações das revistas da casa -, serviu personalidades nacionais e internacionais que visitavam a redação.

Mais tarde, impulsionado pela capacidade de se comunicar, por facilidade de relacionamento e de fazer amizades, acabou entrando na política e foi eleito prefeito de Vasouras (RJ), de 1988 a 1992. Três anos depois, quando estava em campanha para voltar ao cargo, e era favorito, foi assassinado, com 11 tiros à queima-roupa.

Na época, investigou-se a motivação política do crime mas nada foi provado. Nessa semana, o governador Luiz Fernando Pezão inaugurou em Vassouras o Terminal Rodoviários Severino Dias.

O ex-chef da Bloch também é nome de uma escola pública na cidade que governou e foi homenageado com um busto em uma das praças locais. Seu herdeiro, Severino Dias Filho, que tinha 11 anos à época do crime, já foi vereador. Candidatou-se à prefeito em 2012, mas não se elegeu.

Voltando à Bloch, os restaurantes da casa comandados pelo chef Severino eram uma referência no Rio, especialmente entre as décadas de 1960 e 1980. Mas o auge gastronômico deu-se no prédio da rua do Russell. Eram três grandes salões: no térreo, no terceiro andar e na cobertura.

Frigideira de siri, camarão com chuchu, porpetas (almôndegas), feijoada, bife de panela, empadão de camarão, ossobuco e outras receitas entravam no menu da semana. Um cardápio saboroso mas nada saudável e impossível, hoje, quando os restaurantes das grandes empresas são regulados por nutricionistas prussianas.

Conta-se que o prato do dia era resolvido em reunião do chef Severino diretamente com Adolpho Bloch. Mas se o dono da empresa controlava a cozinha, não conseguia filtrar a freguesia. O restaurante "Chez Manchete", digamos, era o paraíso dos penetras. Justificável. Até que um administrador tivesse a ideia, no começo dos anos 80, de implantar tickets e cobrar um valor dos funcionários, almoçar na Bloch era 0800 total. Artistas sem palco, escritores sem editora, empresários sem empresas, produtores culturais sem produto e cantores sem gravadora aportavam na área, felizes da vida. Mas não só aspirantes a algum sucesso. Astros consagrados da TV - um deles quase que diariamente - batiam ponto no menu do Severino. Uma cantora não falhava às quartas-feiras; um lobista conhecido não perdia a feijoada; e um escritor, voltando da garçoniere (isso existia, na época) fazia uma média com a sua vítima em dia de camarão.

Foi o maior restaurante popular, e certamente o mais sofisticado, que o Rio já conheceu.

ATUALIZAÇÃO: Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, envia a seguinte mensagem: 

Um adendo à figura. Seu nome completo era SEVERINO ANANIAS DIAS
O Cony, de sacanagem, sempre o escalava para falar "em nome da
redação da Manchete..." O Severino inventava palavras. Por exemplo, discursando no aniversário do Adolpho, começava: "Esta figura inevolúvel de Adolphu Bloqui. . .". Na véspera de Natal, 24, os membros da família e os editores de revista e burocratas mais graduados recebiam em suas casas um imenso peru natalino, que costumava durar até a Páscoa. O pessoal da cozinha madrugava para assar os galináceos a serem entregues ainda na parte da manhã. Os mais cotados recebiam, como brinde extra, um presunto ou um pernil. Não havia lugar na geladeira para tudo aquilo. Eram os bons tempos daquela revista que JK chamou de "quiçá, a maior da Galáxia..." FELIZ 2015!