Mostrando postagens com marcador bruno levinson. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador bruno levinson. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 15 de abril de 2014

Marcelo Yuka: o homem que sabe voar

por José Esmeraldo Gonçalves (especial para a revista Contigo!, abril, 2014)
Desde que foi atingido por nove tiros, no dia 9 de novembro de 2000, vítima de uma tentativa de assalto, Marcelo Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana, 49, o Yuka está preso a uma cadeira de rodas. Preso? Yuka voa naquela cadeira e passa a impressão de que nada pode segurá-lo. Mas isso não quer dizer que esse voo é fácil. Seu ritmo de vida é acelerado e sofrido. Digamos que sua agenda do cadeirante supera a de muitos caminhantes. “Trabalho para escapar da depressão. Vivo no limite o tempo todo”, diz. Esse ritmo de vida é visível na da casa onde mora, na Tijuca, Zona Norte do Rio, onde recebeu a Contigo! cercado por uma equipe de colaboradores envolvidos em cada um dos seus projetos. A sala com cozinha integrada é uma espécie de central permanente de projetos. Uma estante com muitos livros, computadores e quadros em uma das paredes compõem o ambiente. Nos últimos anos, Yuka passou a pintar. São rostos e cores fortes em tons dramáticos. Ele pretende fazer uma exposição. No momento, trabalha na gravação do primeiro CD solo, dirige a ONG F.U.R.T.O, mesmo nome da sua atual banda, e planeja um show previsto para maio, com participação de amigos como Marisa Monte, 46, Leticia Sabatella, 42, Marcelo D2, 46, e Jorge Benjor, 69. Além disso, faz palestras, trabalho social em comunidades carentes e acaba de lançar o livro de memórias Não se preocupe comigo (Editora Primeira Pessoa/Sextante), em parceria com o amigo, escritor e produtor Bruno Levinson. Com 224 páginas, o livro é o resultado de cinco anos de entrevistas, foram mais de 30, conversas informais e de convivência entre o biografado e o autor. Bruno, amigo de Yuka, de longa data, conta que quando propôs o livro, o músico e compositor aceitou de cara. Mas alertou; “Você não vai aguentar. É barra pesada”. De fato, foi uma prova de fogo para ambos. Houve momentos em que o autor chorou, preocupou-se com o amigo quando este relatou que pensava em se suicidar. Yuka chegou a elaborar várias maneiras de se matar, uma delas com uma injeção de potássio. O produto final é um acerto de contas de Yuka com o seu drama, que persiste e é diário, e com a sua capacidade de vencê-lo, o que é desafiador e esperançoso. O próprio biografado se surpreendeu: “Eu me joguei no livro honestamente. Não estava a fim de cuidar do meu ego nem de ser uma caricatura de mim mesmo”.

Aprendizado e meditação
Yuka vive aprendendo a sobreviver. Descobriu, por exemplo, o alívio que é meditar mergulhado na água. “A meditação mudou minha vida. E a água me tira um pouco a dor. Na água sou igual a vocês”, diz, ressaltando que é a hora em que consegue se desligar. Mas o aprendizado a que se refere vai muito além. “O único álibi que eu tenho hoje é o amor. Pode ser piegas ou ingênuo, não quero saber, eu vivo de utopias. Hoje, prefiro errar pelo amor do que pela razão. Se a cadeira me ensinou alguma coisa foi ver o amor como um caminho. E as mulheres me deram isso”, revela.
Yuka conta que tomou os tiros aos 34 anos e constatou que até então nunca havia feito amor. “Nunca, mesmo com as pessoas que eu amava”, relatou. “Amava minhas namoradas mas na hora do sexo era sexo”, admite, acrescentando que depois da cadeira passou a perceber a generosidade das mulheres com ele. “A mulher tem essa característica. Visito presídios, como parte de um trabalho social, e vejo isso. Com o marido ou namorado preso, elas vão a todas as visitas. Agora vai ao Talavera Bruce (presídio feminino do Rio de Janeiro): muitas delas estão lá largadas pelo companheiro que propôs o negócio a elas. Se eu tivesse um filho e ele se envolvesse com o crime, eu seria tolerante até certo ponto. Sei que ia chegar um momento em que eu ia dizer ‘eu te dei tudo e você vacilou’. Já a mulher pode até falar mais do que isso mas no outro dia ela estará ali”. É essa coragem, quase inerente às mulheres, que Yuka admite ser decisiva para ele, atualmente. “Eu não era muito legal com as mulheres. Agora não estou interessado apenas em paixão. Outro dia fui ao Circo Voador e uma mulher me paquerou. Era bonita. Eu passei, mas voltei, dei ré na cadeira, parei, olhei assim e pensei, quer saber, ‘é melhor eu ir embora’. Ando evitando muita coisa, mas estou aberto para um casamento”, ri. “E eu sou muito assediado no Facebook”, brinca. “Barrigão, feio, mas estou lá. Não dizem que com dinheiro é fácil, difícil é o cara duro se arrumar? Eu digo, andando é fácil, quero ver na cadeira”, provoca.
Que o diga ele, claro. Só um ano depois dos tiros, o sexo voltou. Yuka conta que, um dia, falou para o médico: ‘Tá funcionando, tá funcionando’. Vibrou, mas na retomada optou pela precaução. Quando surgiu a primeira oportunidade foi logo avisando à parceira: “Eu nunca transei depois dos tiros”. Para ele, o aviso era um modo de, digamos, reduzir expectativas. Só que a tática funcionou tanto que ele usou o truque outras vezes. Sentia-se mais seguro. E foram muitas namoradas, segundo ele, que, na época em que foi ferido, estava terminando um relacionamento com a apresentadora Chris Couto, 54. “Acho que eu e a Chris só não fomos muito adiante porque éramos duas pessoas muito sensíveis que, muitas vezes, dividiam suas depressões”, conta em um trecho do livro. Já paraplégico, Yuka teve um rápido relacionamento com a artista plástica Mana Bernardes, 32, e, antes dos tiros, com a promoter Alicinha Cavalcanti, 53. Fala bem de todas e não teme que se incomodem ao ler detalhes íntimos em Não se preocupe comigo. “Todas as mulheres reconhecem o amor que eu tenho por elas, quase  incondicional”. Recorda-se que algumas foram ‘leoas” ao seu  lado,outras não aguentaram a barra. Ou, como admite, algumas desistiam porque ele não sabia se comportar. “Talvez seja um trecho pesado. Por exemplo, quando falo da sexualidade na cadeira de rodas. Não é bacana. Mas estou sempre me arriscando e chega um momento em que para sustentar minha verdade eu tenho que expor alguém. Estou deixando explícita minha história, meu direito de contar minha vida. Alicinha, por exemplo, é uma mulher fascinante.Não posso dizer que a namorei mas foi a coisa mais diferente que já vivi. Ela é o meu oposto”, diz. Ao contar essa história no livro, Yuka revela que Alicinha queria um filho. ‘Faz um filho em mim. Não precisa cuidar, pagar, se envolver. Só quero que esse filho seja seu’. Ele admite que a proposta o deixou orgulhoso. “Quando a mulher propõe algo assim, é mais que propor dividir a vida com você. É dividir outra vida”. Não aconteceu mas ele diz que a ideia de ter um filho, um dia, é real: há pouco tempo pensou em ser pai solteiro.

Polêmica
Há um assunto polêmico que ele prefere evitar durante a entrevista. Acha que tudo já foi dito. É o fato de ter sido afastado de O Rappa, a banda da qual foi fundador e baterista e a que deu a régua, o compasso e as canções marcantes. Ficou uma enorme tristeza. “Ainda tentava entender a minha vida, e o fato é que eles não quiseram me esperar ou estar comigo”, relatou. Os integrantes da banda só o visitaram uma vez no hospital. “Não consigo deixar de pensar que foram cruéis. E nem um pouco amigos. Mas assim foi”, conta na autobiografia. O autor, conta que Yuka não interferiu no livro, nem fez objeções a qualquer trecho. Mas quis que o último capítulo incluísse um pedido de perdão. Yuka avalia que sua entrega à música, à política e à militância social afetou sua família. “Eu quis pedir perdão àqueles que estão mais próximos”, explica Yuka que, no livro, é mais direto. “Estou pedindo desculpas pelos meus excessos, pela minha incapacidade. E pelo meu medo do futuro também”.