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sábado, 9 de janeiro de 2021

Drogas legais dos anos dourados • Por Roberto Muggiati

 Na sociedade de consumo do pós-guerra consumia-se de tudo indiscriminadamente. Mas a indústria farmacêutica foi um capitulo à parte. Fortalecida durante o conflito no atendimento aos feridos em combates, ele teve de partir para a conquista de um mercado de cidadãos teoricamente saudáveis e impingir a eles mil e um elixires e poções, ainda que para a cura de males imaginários. Não havia rigor na exigência de receitas e assim várias drogas, hoje consideradas ilegais, eram vendidas livremente. 

Lembro algumas da minha juventude em Curitiba. Para ficar acordado e manter a mente ágil à véspera de provas, particularmente no vestibular, recorríamos às famosas “bolinhas”. Eu tomava muito Pervitin, usado contra cansaço, sensação de fome e de sono. sede e medo. Era uma metanfetamina um estimulante do sistema nervoso central. Durante a Segunda Guerra, Hitler mandou soldados drogados para o front. Na ocupação da França, teriam sido dados às tropas 35 milhões de comprimidos de Pervitin, apelidado de "chocolate de tanque" ou "pílula de Hermann Göring". Às vezes, para acelerar o efeito, a substância era injetada nas tropas. 

Quando tomava Pervitin, geralmente eu não passava a noite acordado a estudar, mas dava longas palestras sobre a história do jazz na entrada do Cine Avenida a amigos incautos que passassem por ali. Tomava da palavra e não a largava mais.

Quem gostava de viajar no barato do éter e não encontrava lança-perfume na entressafra do Carnaval, recorria ao Kelene, um spray usado para exterminar o “bicho geográfico”, uma espécie de bicho-do-pé contraído nas areias da praia.

Mas o campeão das drogas legais dos anos dourados foi o popular inalante de benzedrina, lançado comercialmente em 1933 nos Estados Unidos como um descongestionante nasal. Raro era o adolescente da minha época – vivi os anos 1950 entre os doze e os 22 anos de idade – que não carregava no bolso aquele tubinho plástico branco com uma tampinha. Seu uso não deixava de ser anti-higiênico, guardando resíduos de muco nasal, mas era usar e não largar mais. Músicos de jazz e beatniks iam direto à fonte: quebravam o tubinho e mascavam a tira de papel embebida em benzedrina, ou a misturavam a vinho ou a uisque. Existe uma história associada a Charlie Parker, de um grupo de músicos que passou a noite numa cabana ensaiando e ingerindo benzedrina. Ao amanhecer, um deles olhou pela janela e viu o chão todo branco. – Ihh, pessoal, esta noite nevou.

Era apenas o monte de cartuchos de inalante descartados durante a jam session.

Joan Burroughs, a mulher do escritor beat William Burroughs, era viciada em “benny” (a gíria para benzedrina) e mobilizava dezenas de amigos para comprarem todo o estoque de inalantes das farmácias da cidade. Joan morreu aos 28 anos no México durante uma festa maluca ao levar um tiro na testa quando brincava de Guilherme Tell com o marido William equilibrando uma taça de bebida na cabeça.

Esta lembrança foi motivada pela quantidade de cenas – nos filmes noir que tenho visto durante o confinamento – em que os vilões aparecem cafungando inalantes de benzedrina. Aqui vão algumas amostras. Sniff, sniff... 


Lee Marvin em Um sábado violento (1955).


Gary Merrill em Passos na noite (1950)


Richard Basehart na sua drugstore e o anúncio do inalante Vick (“Respiraqção Mais Confortável”) à direita, em Tensão (1949).


domingo, 14 de junho de 2020

Fotomemória da redação: no tempo em que voos do Estados Unidos ainda podiam pousar no Rio

1957: Yul Brynner deu uma volta nos fotógrafos que o esperavam no Galeão

Mas foi fotografado no Copacabana Palace...


...onde Anita Ekberg posou. Fotos Reproduções Manchete

por Ed Sá 

Duvido que celebridades de Hollywood  ponham os pés no Rio, hoje. Até porque voos para o Brasil contaminado pelo coronavírus estão proibidos. Lá foram estamos mais sujos do que banheiro químico depois que o bloco passa.
Mas em 1957, o Rio em plenos anos dourados estava em alta. Em um só dia desembarcaram no velho Galeão Yul Brynner, Anita Ekberg e Lana Turner. Manchete foi lá.  O ator de "Os Dez Mandamentos" e "O Rei e Eu", então no auge da fama, driblou a imprensa e foi fotografado (por Gervásio Baptista provavelmente, já que o crédito da matéria era coletivo), quanto o Cadillac Coupê acelerava rumo ao Copacabana Palace.

Só depois, no Copa, os fotógrafos puderam registrar imagens de Anita Ekberg, além do próprio Brynner.

terça-feira, 22 de março de 2016

Com a morte de Mariozinho de Oliveira, o Rio perde o último integrante do lendário Clube dos Cafajestes. Em 1953, Manchete cobriu a última festa da turma que incendiava a noite de Copacabana

O adeus dos Cafajestes, palavra então grafada com "g", na chamada de capa da Manchete.


Reprodução

Reprodução

Muita alegria, como se a vida fosse acabar... Era a legenda da foto da Manchete

O livro "A noite do meu bem", de Ruy Castro, lançado recentemente, leva os leitores ao Rio dos anos 1940 e 1950. Principalmente à época em que, após o fim dos cassinos, começaram os anos dourados das boates.

Copacabana era o centro efervescente da explosão da vida noturna carioca. E foi em Copacabana que nasceu o Clube dos Cafajestes.

Mariozinho de Oliveira.
Reprodução
O Globo de hoje noticia a morte, aos 90 anos, de um dos fundadores da turma: Mariozinho de Oliveira, o último dos cafajestes. Faziam parte do Clube que virou lenda nomes como Baby Pignatari, Carlos Niemeyer ,  Carlos Peixoto, Mário Saladini, Jorginho Guinle, Paulo Soledade, Fernando Aguinaga, Eduardo Martins de Oliveira, o Edu, Flávio Porto, Sérgio Porto, o jogador Heleno e Ibrahim Sued.

O clube foi fundado em um apartamento em cima da Confeitaria Alvear, em Copacabana, na Avenida Atlântica, esquina com a República do Peru. A confeitaria tornou-se uma sede informal dos Cafajestes. Mas o que a turma gostava mesmo era de alugar casas no bairro, vazias ou até abandonadas, para promover homéricas festas bombadas por mulheres bonitas e uísque farto.

Eram frequentadores da Vogue e do Golden Room. Quase todos eram milionários, mas não se fechavam a alguns "duros" com Ibrahim Sued. E foi Ibrahim, então fotógrafo, uma das vítimas da irreverência dos Cafajestes. Hoje, essa irreverência seria provavelmente chamada de bullying. No livro "A noite do meu bem", Ruy Castro conta que, em 1948, o playboy Mariozinho de Oliveira, então com 23 anos, notou que Ibrahim não pagava dose de uísque e adotava a tática de sentar à mesa dos ricaços e filar vários "escoceses". Uma noite, ao ver o fotógrafo chegar à Vogue, Mariozinho foi ao banheiro e completou seu copo com legítima urina on the rocks. Não deu outra.

Ruy conta no livro: "Ibrahim chegou, sentou-se sem ser convidado e, inevitavelmente, bebeu do uísque de Mariozinho. Não se sabe se estranhou o sabor. Não passou recibo e não estrilou. Apenas levantou-se e foi em frente. Detalhe, Mariozinho gostava de Ibrahim". 

Mariozinho protagonizou outro episódio narrado no livro de Ruy Castro. Este, tendo como coadjuvante o compositor Ary Barroso que, às vezes, ia às festas dos Cafajestes como "observador". "Numa delas, ao entrar num aposento onde Mariozinho trocava carícias com uma belíssima negra, aproximou-se para espiar melhor a nudez da moça e, com os óculos e o nariz a poucos centímetros das suas intimidades, encantou-se com o contraste entre a cor da pele e a da vagina e exclamou: Ela é Flamengo!", revela Ruy Castro.

A revista Manchete, de 31 de janeiro de 1953, publicou uma reportagem sobre o "Adeus dos Cafagestes". A matéria contou que os principais integrantes do Clube andavam de saco cheio com a exploração em torno do nome e com o assédio ao grupo. Resolveram encerrar os trabalhos. Curiosamente, a reportagem foi assinada por Flávio Porto, ele próprio um dos cafajestes de carteirinha. As fotos da última festa de arromba são de Yllen Kerr e Aymoré Marella.
Flávio concluiu a reportagem com um tom de lamento: "O término dos Cafajestes é uma perda enorme para a alegria desta cidade onde tantos se divertem tão pouco. 

Obviamente, os playboys continuaram a aprontar em voos solo ou copilotados. Mas, naquela noite, em grande estilo, como uma bande de rock que se desfaz no auge, enterraram a grife Cafajestes antes que a brincadeira desse sinais de decadência.

Com um detalhe: a festança foi boca-livre. Ibrahim pode beber à vontade. Uísque.