Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores
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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014
domingo, 17 de agosto de 2014
A Rosa do Marechal
Severino, o chef de cuisine da Bloch, Adolpho e Marechal. Foto do Acervo de Lairton Cabral publicada no livro 'Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou". |
por Roberto Muggiati
Jovem repórter da
revista Manchete em 1967, a redação
de Frei Caneca ainda era para mim uma esfinge a ser decifrada. Entre os múltiplos
poderes e forças ocultas com que me defrontava, havia o Marechal, chefe dos
contínuos e “agente de inteligência” dos Bloch – na época chamávamos isso de
X-9. A redação ficava a léguas do pequeno prédio de dois andares da entrada,
onde Adolpho Bloch comandava a tesouraria. Lá nos
fundos, além de um pátio
cheio de máquinas desativadas – a gráfica se modernizara e mudara para Parada de Lucas – subia-se por um elevador de carga à redação, no segundo andar. Ao
sair do elevador, topávamos com um requinte que se destacava em meio àquele
ambiente escuro e sufocante sem janelas: uma máquina de café expresso, operada
pelo França e pelo Horácio. Como o café era de graça, e a cafeína energizava,
tomávamos uma xícara após a outra. A seguir, antes do acesso à redação, na
cabeça de um corredor, ficava a mesa do Marechal, instalado ali como uma
espécie de Cérbero guardando o portal de entrada do nosso inferno da cada dia.
Sobre a pequena mesa, havia uma dessas bolas de vidro com uma rosa artificial
dentro, exemplar típico da decoração kitsch
da época. É preciso lembrar aqui, que o Marechal era assim chamado por causa do
seu nome de batismo – Floriano Peixoto – e chegou a figurar numa lista dos Dez
Mais Elegantes do Ibrahim Sued. Alto, magro, negro retinto, foi estampado nas
páginas da revista de terno de linho branco e chapéu panamá.
Naquela época, a
editora Abril havia lançado a revista Realidade,
investindo com força em reportagens de qualidade. O jornalismo da Manchete, calcado na malandragem
carioca, logo partiu para canibalizar as vantagens da adversária. Realidade era mensal, Manchete semanal. Podíamos, assim, nos
valendo de uma discreta espionagem industrial, “furar” a rival. Um exemplo: Paris-Match, nosso modelo de estilo,
publicou uma reportagem de capa fascinante sobre o primeiro ano de vida do
bebê. Tentamos comprar a matéria e soubemos que já fora vendida à Realidade. Fui designado então, pelo
editor Justino Martins, a “reconstituir” a reportagem - da Paris Match recorrendo aos conhecimentos do dr. Rinaldo De Lamare,
um dos maiores pediatras da praça e autor do best seller da Bloch, A Vida do Bebê. Furamos a Realidade e a edição foi um sucesso
retumbante, tendo na foto de capa um bebezinho de um ano nu de pé. Era o
Arnaldo Bloch, sobrinho-neto do Adolpho, hoje jornalista de O Globo. Na Bloch, imperava sempre a
solução doméstica.
Quando estourou uma
crise que ocupou as manchetes dos jornais do mundo inteiro no Haiti do ditador
Papa Doc Duvalier, a Realidade estava
lá com uma dupla dinâmica de repórter e fotógrafo. Graças a minha amizade com o
diplomata Orlando Soares Carbonar – meu colega na Gazeta do Povo de Curitiba nos anos 50 – então chefe de gabinete do
Ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto, consegui uma entrevista
exclusiva, no Palácio do Itamaraty – vendo os cisnes pela janela – com o
embaixador do Brasil em Port-au-Prince, Geraldo Rainho, que abrigara na
embaixada políticos perseguidos por Papa Doc e fora chamada de volta ao Brasil.
O depoimento vivo de Raínho, mais algumas pinceladas do livro Os comediantes,
de Graham Greene, cuja versão cinematográfica acabara de estrear com
estardalhaço (imaginem: Liz Taylor e Richard Burton nos papeis principais...),
me ajudaram a escrever um texto vibrante que dava a impressão de que eu
estivera lá, vendo tudo, no ventre da besta.
Uma vez mais, furamos a
Realidade. O problema é que a mulher
do repórter, ao ver a matéria da Manchete,
sentiu que eu estava ameaçando a carreira do marido, e partiu para uma desforra
pessoal. Invadiu Frei Caneca com uma amiga e, ao chegar à mesa do Marechal, foi
evidentemente barrada. Felizmente, eu estava na rua a serviço e escapei do
barraco. Impossibilitada de entrar, a mulher do repórter da Realidade pegou a bola de cristal da
mesa do Marechal e a arremessou com furor ao chão. A bola estilhaçou-se
em mil pedaços e a pobre rosa de crepom caiu ao chão em meio a uma poça d’água
– descobrimos então que a rosa kitsch
– quase uma Rosa de Hiroxima então – era envolvida por água dentro da sua
bolha. Quem resolveu a parada, exorbitando de suas funções, foi o diretor
financeiro Nelson Alves: aos trompaços, ele arrastou as invasoras até a calçada
de Frei Caneca e as lançou no olho da rua.
Essas súbitas
lembranças foram desencadeadas pelo telefonema que recebi esta manhã do Lairton
Cabral, comunicando a morte do Marechal, na última terça-feira, 12 de agosto,
no seu tugúrio da Região dos Lagos, aos 97 anos. Que todas as rosas do mundo –
artificiais, é claro – o acompanhem, Marechal!
sábado, 24 de novembro de 2012
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