Mostrando postagens com marcador Frei Caneca. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Frei Caneca. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Fotomemória da redação: dos arquivos do fotógrafo Marcelo Horn, cena da Frei Caneca

Frei Caneca, 1988, antiga sede da Manchete: confraternização de fotógrafos em torno de André Krajcsi, que deixava a empresa. Em pé, a partir da esquerda, Wagner Almeida, Marcelo Horn, Roberto Valverde, Pedro Borgeth, João Cordeiro Júnior e Lena Muggiati. Sentados, na mesma ordem, Fernando Cussate, Indalécio Wanderley, André Krajcsi e, de costas, a produtora Ligia de Castro. Foto: Arquivo MH.


Até a mudança para o prédio da Rua do Russell, no fim dos anos 60, as redações da Bloch ficavam na Rua Frei Caneca, como sabem muitos que acompanham este blog. Mas o prédio, hoje demolido, manteve-se ocupado até os anos 90. Lá funcionava um estúdio, além do que foi instalado no térreo do Russell, parte do setor administrativo, o "arquivo morto" (imagens menos utilizadas pelas redações entre os milhões de negativos da Bloch, hoje desaparecidos, eram guardadas e conservadas lá). Havia um restaurante que atendia fotógrafos, modelos, produtores, assistentes e demais funcionários lotados na Frei Caneca. Foi lá que, em 1988, a equipe que utilizava com mais frequência o antigo estúdio, se reuniu em torno do fotógrafo André Krajcsi, que deixava a empresa. À mesa, de óculos, o consagrado fotógrafo Indalécio Wanderley - com longa trajetória no O Cruzeiro, Manchete, Fatos & Fotos, Desfile e Pais & Filhos, entre outros veículos - cercado pelos colegas, alguns iniciando a carreira. 





domingo, 17 de agosto de 2014

A Rosa do Marechal

Severino, o chef de cuisine da Bloch, Adolpho e Marechal.  Foto do Acervo de Lairton Cabral publicada no livro 'Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou".
por Roberto Muggiati
Jovem repórter da revista Manchete em 1967, a redação de Frei Caneca ainda era para mim uma esfinge a ser decifrada. Entre os múltiplos poderes e forças ocultas com que me defrontava, havia o Marechal, chefe dos contínuos e “agente de inteligência” dos Bloch – na época chamávamos isso de X-9. A redação ficava a léguas do pequeno prédio de dois andares da entrada, onde Adolpho Bloch comandava a tesouraria. Lá nos
fundos, além de um pátio cheio de máquinas desativadas – a gráfica se modernizara e mudara para Parada de Lucas – subia-se por um elevador de carga à redação, no segundo andar. Ao sair do elevador, topávamos com um requinte que se destacava em meio àquele ambiente escuro e sufocante sem janelas: uma máquina de café expresso, operada pelo França e pelo Horácio. Como o café era de graça, e a cafeína energizava, tomávamos uma xícara após a outra. A seguir, antes do acesso à redação, na cabeça de um corredor, ficava a mesa do Marechal, instalado ali como uma espécie de Cérbero guardando o portal de entrada do nosso inferno da cada dia. Sobre a pequena mesa, havia uma dessas bolas de vidro com uma rosa artificial dentro, exemplar típico da decoração kitsch da época. É preciso lembrar aqui, que o Marechal era assim chamado por causa do seu nome de batismo – Floriano Peixoto – e chegou a figurar numa lista dos Dez Mais Elegantes do Ibrahim Sued. Alto, magro, negro retinto, foi estampado nas páginas da revista de terno de linho branco e chapéu panamá.
Naquela época, a editora Abril havia lançado a revista Realidade, investindo com força em reportagens de qualidade. O jornalismo da Manchete, calcado na malandragem carioca, logo partiu para canibalizar as vantagens da adversária. Realidade era mensal, Manchete semanal. Podíamos, assim, nos valendo de uma discreta espionagem industrial, “furar” a rival. Um exemplo: Paris-Match, nosso modelo de estilo, publicou uma reportagem de capa fascinante sobre o primeiro ano de vida do bebê. Tentamos comprar a matéria e soubemos que já fora vendida à Realidade. Fui designado então, pelo editor Justino Martins, a “reconstituir” a reportagem - da Paris Match recorrendo aos conhecimentos do dr. Rinaldo De Lamare, um dos maiores pediatras da praça e autor do best seller da Bloch, A Vida do Bebê. Furamos a Realidade e a edição foi um sucesso retumbante, tendo na foto de capa um bebezinho de um ano nu de pé. Era o Arnaldo Bloch, sobrinho-neto do Adolpho, hoje jornalista de O Globo. Na Bloch, imperava sempre a solução doméstica.
Quando estourou uma crise que ocupou as manchetes dos jornais do mundo inteiro no Haiti do ditador Papa Doc Duvalier, a Realidade estava lá com uma dupla dinâmica de repórter e fotógrafo. Graças a minha amizade com o diplomata Orlando Soares Carbonar – meu colega na Gazeta do Povo de Curitiba nos anos 50 – então chefe de gabinete do Ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto, consegui uma entrevista exclusiva, no Palácio do Itamaraty – vendo os cisnes pela janela – com o embaixador do Brasil em Port-au-Prince, Geraldo Rainho, que abrigara na embaixada políticos perseguidos por Papa Doc e fora chamada de volta ao Brasil. O depoimento vivo de Raínho, mais algumas pinceladas do livro Os comediantes, de Graham Greene, cuja versão cinematográfica acabara de estrear com estardalhaço (imaginem: Liz Taylor e Richard Burton nos papeis principais...), me ajudaram a escrever um texto vibrante que dava a impressão de que eu estivera lá, vendo tudo, no ventre da besta.
Uma vez mais, furamos a Realidade. O problema é que a mulher do repórter, ao ver a matéria da Manchete, sentiu que eu estava ameaçando a carreira do marido, e partiu para uma desforra pessoal. Invadiu Frei Caneca com uma amiga e, ao chegar à mesa do Marechal, foi evidentemente barrada. Felizmente, eu estava na rua a serviço e escapei do barraco. Impossibilitada de entrar, a mulher do repórter da Realidade pegou a bola de cristal da mesa do Marechal e a arremessou com furor ao chão. A bola estilhaçou-se em mil pedaços e a pobre rosa de crepom caiu ao chão em meio a uma poça d’água – descobrimos então que a rosa kitsch – quase uma Rosa de Hiroxima então – era envolvida por água dentro da sua bolha. Quem resolveu a parada, exorbitando de suas funções, foi o diretor financeiro Nelson Alves: aos trompaços, ele arrastou as invasoras até a calçada de Frei Caneca e as lançou no olho da rua.
Essas súbitas lembranças foram desencadeadas pelo telefonema que recebi esta manhã do Lairton Cabral, comunicando a morte do Marechal, na última terça-feira, 12 de agosto, no seu tugúrio da Região dos Lagos, aos 97 anos. Que todas as rosas do mundo – artificiais, é claro – o acompanhem, Marechal!