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domingo, 11 de outubro de 2009

Por dentro do crime, a saga de um repórter

Este livro aí ao lado já está na sexta edição em português (Editora Bertrand Brasil) mas só o li agora. Talvez muitos de vocês já o conheçam. Gomorra é uma impressionante reportagem sobre o crime organizado, as diversas facções de máfias que agem em Nápoles. Um jornalista, o napolitano Roberto Saviano, se infiltrou na Camorra, a mais violenta máfia italiana, e produziu um relato chocante sobre a maneira de operar, e de fazer negócios, da poderosa organização criminosa. O New York Times definiu Gomorra como "o livro mais importante publicado na Itália em anos". Ao ler no Globo de hoje uma grande reportagem sobre o crescimento do fascismo na Itália, sob a benção do folclórico mas perigoso Berlusconi, recordo a ligação íntima e histórica entre o fascismo e a máfia, de resto, uma coligaçao de conservadores+conservadores, traço comum que se afirmou nos tempos do Mussolini como a história registra. Juntos, são a pólvora e o fogo. O livro de Roberto Saviano revela que a Camorra, neste novo e "favorável" clima político, somou aos "negócios" tradicionais - a venda de drogas, de proteção, a extorsão, prostituição e contrabando - braços industriais, empreiteiras, confecções, aterros sanitários, pirataria e clonagem de produtos. Como consequência da acelerada diversificação das atividades criminosas, cresceu a violência. Para defender território, intimidar e conquistar novas áreas, a Camorra mata. E mata cada vez mais. Foram milhares de execuções nos últimos anos. Mas além dessa face de sangue, os criminosos agem também em salões políticos. O livro mostra que a Camorra, através de empresas de fachada, contou com a "ajuda" de funcionários públicos para vencer recentes licitações para construções de estradas, linhas ferroviárias e outras obras de grande porte. Escutas telefônicas mostram, segundo Saviano, que em certas operações comerciais os mafiosos são parceiros de marcas famosas que estão nas vitrines de shoppings e supermercados de todo o mundo. Gamorra deveria ser o livro de cabeceira de políticos e juízes brasileiros. Aparentemente, o crime organizado, no Brasil, está em estágio anterior à fase atual e ao modus operandi comercial-industrial das gangues napolitanas. Mas pode chegar lá. É o próximo capitulo. Vale lembrar que por aqui também já foram denunciadas ligações perigosas entre autoridades e traficantes. E já há incipientes incursões do crime organizado em negócios como venda de gás, transporte pirata, sinal de TV a cabo, pirataria etc.
O Brasil vai sediar um Copa e o Rio, em seguida, uma Olimpíada. São duas importantes conquistas e devem ser celebradas. Que os políticos e administradores tenham em mente que não só as obras físicas e estruturais farão o sucesso dos dois grandes eventos. A cidadania também deve entrar em campo. E ser cidadão inclui direitos, como o de ir, vir e chegar vivo. Coisa que nós, brasileiros comuns, os sem-carro blindado e sem-segurança particular ou funcional, não temos. Que, além da construção de estádios, se pense em uma operação nacional de proporções olímpicas que reúna políticos, juízes e instituições policiais, que se atualize o código penal e que se combata a impunidade. Ou o Brasil faz esse gol de placa ou não teremos motivos para comemorar taças e medalhas. E só ler trechos (abaixo) do Gamorra e verificar que não moramos em Nápoles mas já dá para fazer uma idéia do que Roberto Saviano está falando:
"Nasci na terra da Camorra, no lugar com o maior número de assassinatos da Europa, no território onde a violência está ligada aos negócios, onde nada tem valor se não gera poder (...) Na terra da Camorra, combater os clãs não é luta de classe, afirmação de direitos, reapropriação da cidadania. Não é tomada de consciência da própria honra, tutela do próprio orgulho. É algo mais essencial, mais visceral (...) Posicionar-se contra os clãs se torna uma guerra pela sobrevivência, como se a própria existência, a comida que você come, os lábios que você beija, a música que você escuta, as páginas que você lê não lhe dessem o sentido da vida, mas somente o da sobrevivência."