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domingo, 13 de março de 2016

Aos 90, Carlos Heitor Cony rejeita festejos e trabalha em 2 novos livros

por Alvaro Costa e Silva (para a Folha de Sâo Paulo)

Na próxima segunda (14), quando completa 90 anos, Carlos Heitor Cony vai fugir do mundo. Não permitiu que os confrades da Academia Brasileira de Letras lhe prestassem homenagem com uma exposição; e não gostou nada de ver uma caixa comemorativa com seus livros que estampava em grandes letras e números a data redonda –a ser lançada pela Ediouro, ainda sem preço definido.

"Jamais comemorei meu aniversário. E, nas poucas vezes em que cantei parabéns, nunca disse o último verso: 'Muitos anos de vida'. Não desejo isso para ninguém", afirma o escritor, que planeja viajar para uma cidade pequena: "Quem sabe Iguaba Grande?".

Cony está com o rosto corado de cigano e demonstra disposição. Desde que levou um tombo na Feira de Frankfurt, em 2014, não se sente tão bem. A queda fez um coágulo na cabeça, "do tamanho de uma maçã", e aumentou os cuidados com a saúde: ele está superando um câncer linfático que o obrigou a fazer tratamento quimioterápico e enfraqueceu movimentos de braços e pernas.

Anda de cadeiras de rodas. A mão direita ainda está meio presa. "Quando me pedem para sentar ao piano, só consigo tocar uma peça: 'Concerto para a Mão Esquerda', de Ravel", brinca.

"Meu apartamento virou uma UTI, vivo entupido de remédios, um deles ainda em experiência nos Estados Unidos, que custa R$ 18 mil a dose. Com exceção da família e alguns poucos amigos, só converso com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. Passo horas na máquina de drenagem linfática. Mas o pior já passou. A vida é muito estranha, mas eu continuo nela."

A cabeça está tinindo; a fala característica, meio atropelada, esforçando-se para acompanhar a velocidade do pensamento a mil. A motivação é tanta que Cony –que afirmara já ter pendurado as chuteiras depois de publicar mais de 80 livros, entre romances, contos, crônicas, ensaios, crônicas, adaptações de clássicos –está às voltas com dois novos romances.

Retomou o projeto de "Messa pro Papa Marcello", espécie de continuação de "Informação ao Crucificado" (1961), que tenta escrever desde o século passado. Tem 100 páginas prontas.

"Será minha biografia espiritual. A ideia central é que dobrar uma esquina errada é fatal. Dobrei duas: quando entrei no seminário e quando saí dele, aos 20 anos, sem saber nem pegar um bonde, para entrar na vida de pecado que tenho levado até hoje".

Cony conta que, em seus conflitos com Deus, chegou a um acordo: "A única maneira de justificar Deus é não acreditando nele. Mas às vezes me pergunto: por que um ser tão poderoso iria criar um ser tão repugnante como o Aedes aegypti? Aí sinto a presença dele".

Com mais tempo livre e menos trabalho –continua a assinar uma coluna da Folha, mas agora só aos domingos"", aproveita para reler Santo Agostinho, autor das "Confissões", que considera um dos dez livros mais importantes da literatura universal: "Cada vez mais estou com Santo Agostinho quando diz que a vida não é mortal; a morte é que é vital".

"Cinco Prudentes Virgens" –que o autor quer começar logo a escrever – será o 20º romance. É inspirado na história bíblica contada segundo Mateus: 10 mulheres estão à espera do noivo; cinco delas levam a candeia acesa, enquanto as outras cinco não têm óleo para manter a chama e acabam preteridas.

"É claramente uma parábola sobre se preparar para a morte", diz Cony. "Além de modernizar a história, quero misturá-la com a do Barba Azul e de sua mulher curiosa que descobre os quatro cadáveres das mulheres anteriores trancados no quarto. Barba Azul tem mais a minha cara."

Algumas das opiniões literárias do escritor cristalizaram-se ao longo do tempo: Machado de Assis é o maior escritor brasileiro, e seu melhor romance é "Quincas Borba". Curiosamente, não aponta Machado como o melhor romancista, e sim Lima Barreto, que foi "mais fiel ao gênero".

"O maior contista da língua é Guimarães Rosa. E seu melhor conto, 'Os Chapéus Transeuntes', da antologia 'Os Sete Pecados Capitais'. O tema, bem roseano, é a soberba".

No campo das influências, nem Flaubert nem Sartre ocupam o primeiro lugar. A escolha recai em uma figura insuspeitada: o padre Tapajós, seu antigo professor de direito canônico: "Ele me convidou a ser uma espécie de cronista das atividades no seminário e incentivou a leitura de clássicos proibidos. De alguma maneira, é ele o culpado por ter me tornado um escritor".

Na lista de suas obras, bate na mesma tecla: prefere "Pilatos" (1974): "Atingi meu zênite. É antiliteratura, antimoral, antifamília, anti-homem. Não à toa, o personagem principal inicia o livro castrado".

Com "Quase Memória" (1995), seu livro de maior sucesso –mais de 600 mil exemplares vendidos, segundo ele–, chega a ser desdenhoso: "É um romance circunstancial. Se não tivesse ganhado um computador da minha filha, gostado da brincadeira e começado a escrever um sonho que tivera na véspera, jamais o teria escrito".

Cony não pretende assistir à adaptação de "Quase Memória" para o cinema, feita por Ruy Guerra, com previsão de estreia este ano. "Na época em que negociamos os direitos, disse ao Ruy que não entendia por que ele queria fazer um filme do livro. Continuo sem entender. Minha história não tem enredo, nem conflito. Nem mesmo uma mulher bonita".

Com a experiência de ter acompanhado algumas das principais crises políticas do Brasil –o suicídio de Getúlio, o golpe de 1964, a renúncia de Collor– o escritor se confessa perplexo diante do cenário atual: "As acusações contra Eduardo Cunha, de ter recebido U$ 5 milhões numa conta da Suíça, são espantosas: esse dinheiro dá para comprar o Kremlin, não um simples deputado. Dilma está perdida. Aliás, nem deveria ter entrado na Presidência. Sua única saída é pedir para sair".

"Lula é um aproveitador, um espertalhão, e mesmo assim continua o nome de maior relevo em nossa política, simplesmente porque do outro lado não há nem sequer um 'cara'. Aguardo o dia em que Dilma fará uma delação premiada contra Lula, e Lula fará uma delação premiada contra Dilma."

Aos 90 anos, Cony ainda se pergunta onde estão os ossos de Dana de Teffé, referindo-se a um escandaloso caso da crônica policial carioca dos anos 1960:

"De origem judia, Dana foi bailarina clássica, e teria sido espiã de alemães e russos. Casou com diplomata brasileiro e depois teve um caso com advogado esperto, Leopoldo Heitor, quase meu xará. Um belo dia ela desapareceu. A polícia suspeitava de assassinato, mas o corpo jamais foi encontrado. Enquanto não acharmos seus ossos, seremos sempre essa bagunça. É um símbolo da nossa estranheza".

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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Alvaro Costa e Silva, o Marechal, ex-repórter da EleEla e da Manchete, lança o livro "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro"

Alvaro Costa e Silva, o Marechal, jornalista que atualmente escreve na Folha de São Paulo, é um profundo conhecedor de um certo estado de espírito, um jeito de viver, de um ser popularmente conhecido como carioca. Daí, Marechal, que trabalhou na EleEla e Manchete, lança neste sábado, dia 7, às 13h, na Livraria Folha Seca, "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro" (Editora Casarão do Verbo). O livro mostra em verbetes os personagens, o comportamento e as curiosidades do Rio. Uma excelente pedida. Você vai descobrir se o meio ambiente formou o carioca, se o carioca moldou o seu meio ambiente ou se o Rio e o seu ilustre morador são nascidos e criados juntos.
Não por acaso leia, abaixo, um verbete bem típico do Rio: B de balcão...


B de balcão

Hemingway escrevia de pé e nu. Guillermo Cabrera Infante, apenas nu. O carioca muitas vezes come de pé, embora vestido. Em especial na hora do almoço e na correria e no formigueiro do Centro da cidade. E não come, necessariamente, mal. Em certos botecos, a arte de roçar cotovelos no balcão, enquanto se mastiga um sanduíche de pernil com molho de cebola — sem sujar a camisa — é um prazer. 
O melhor pernil está no Opus, pequeno bar na sassaricante Rua Gonçalves Dias, depois da Colombo e à esquerda de quem vai ao Mercado das Flores. Um bar estreito e comprido, com tamboretes que, ao freguês tomar assento, deixa a metade da bunda de fora. Daí a preferência pela parte da frente, quase se misturando ao movimento da rua. Cuidado: no teto, abacaxis e laranjas pendurados. 
Peça o sanduíche de pernil “molhado” no pão canoa. O segredo, dizem, é o molho, cuja receita é segredo. É, sem favor, um dos melhores do Rio. Há as opções com queijo ou abacaxi. A iguaria será preparada — modo de dizer, cortado o pão, fatiada a carne — a sua frente. Essa é uma das vantagens do balcão, total transparência. Para beber, sucos de frutas; o chope, claro ou escuro, é honesto. Evite o xixi por ali: o banheiro fica no sótão, ao qual se chega por uma escada mui íngreme, mais adequada a um submarino. 
O cachorro-quente de linguiça no pão francês com molho — uns 600 são vendidos por dia — é a especialidade do Café Gaúcho, desde 1935 na Rua São José, com vista para o Buraco do Lume (que a prefeitura insiste em chamar de Praça Mário Lago). De bobeira no Rio de Janeiro, o escritor Reinaldo Moraes (que é o mais paulista dos seres humanos) gostou tanto do sanduíche e das imediações, que resolveu conhecer todos os buracos da cidade. “Com lume ou sem lume”, decretou ele. 
Outra pedida no Café Gaúcho é o bolinho de carne (que fica melhor com pimenta) servido pelo mais popular atendente da casa, o Sorriso. É um dos poucos locais no Centro que ainda mantém a tradição do cafezinho na xícara de louça e pires de alumínio. Tudo no balcão, naturalmente. 
O cartunista Jaguar, um campeão dos balcões cariocas, dono de calos no cotovelo de tanto debruçar-se em legítimos mármores dos mais memoráveis botequins, ensina as vantagens do exercício de beber e comer em pé: você é servido mais depressa, fica mais fácil driblar os chatos, pode-se escolher o tira-gosto de melhor aparência, filar uma lasquinha da porção de presunto de perna e fiscalizar, num espichão de pescoço, se o cara está tirando direito o chope. E, não por último, conservar a silhueta sem barriga.
(O texto em destaque está no livro "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro")