terça-feira, 30 de setembro de 2014

Professor de Astúcia




No Novo Mundo, em 2008, após almoço que comemorou o lançamento do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou": Bia, Alberto, Cony, Dayse Prétola, Muggiati, Maria Alice Mariano, Barros, Lenira Alcure, Jussara e Esmeraldo.
Muggiati e Alberto na "churrasqueira", apelido do mesão de edição, em maio de 1980. Foto Arquivos R. Muggiati


Na redação da Manchete: Esmeraldo, Loren, Muggiati, José Rodolpho, Serginho, Thelma Mekler, Maria Helena Malta e PC Guimarães. Foto Arquivos Muggiati
Yeda França, Fernando Câmara Cascudo e Alberto, em 1990. Foto Arquivos R. Muggiati

por Roberto Muggiati
Numa casa de humoristas como a Manchete, Alberto de Carvalho foi o maior de todos. Lá os havia de todos os matizes: profissionais, como Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) e Leon Eliachar – que vendiam livros aos milhares – cartunistas de primeira linha e humoristas amadores, igualmente tarimbados. Alberto, com sua verve inconfundível do Estácio, via o mundo com um olhar especial: era sempre o primeiro a proclamar que o rei estava nu, dava apelidos que colavam na hora, fazia comentários ferinos sobre as situações insólitas do cotidiano de uma redação e pregava até peças de uma criatividade incrível. Quando Ivan Alves, o Pato Rouco, voltou de um longo exílio na sucursal de Paris e passou a trabalhar na redação do Rio, Alberto espalhou que na noite do meu aniversário haveria uma festa na Churrascaria Carreta, em Ipanema. Na época, eu dirigia a Manchete, ostentava uma barba longa e não saia nem para ir à esquina, o que me valeu o apelido de O Eremita – dado pelo Alberto, é claro. Por isso, ninguém acreditou na história da Carreta, com exceção do Pato Rouco que, com sua credulidade marxista, abalou-se com mulher e filho para a tal churrascaria. E ainda pagou o mico de perguntar no dia seguinte se a festa havia sido em outro lugar.
Quando entrou no ar a Rede Manchete de Televisão, o Alberto convenceu um jovem e ingênuo tradutor de alemão a inscrever-se para “palmista”, ou “palmeiro” de programa de auditório – aquelas pessoas que puxam palmas e gargalhadas nos shows ao vivo e que descolam uma graninha extra. Além de uma ficha cadastral imensa,  obrigou o candidato a apresentar em xérox as suas “impressões palmares.” O tradutor está esperando a resposta até hoje. Aliás, o Alberto visava em particular os tradutores de alemão, estranhos no ninho da redação. Certa vez apareceu por lá um de nome Gastão René, que ficou sentado a uma mesa num canto esquecido durante uma semana, até que um dia o chefe de reportagem Flávio Costa perguntou indignado: “Quem é aquele UFO ali?” Alberto pegou o pião na unha e o sujeito ficou conhecido como UFO. (Tempos depois, o Cesarión Praxedes deixou a Manchete para trabalhar na Nuclen e levou consigo o UFO. Dizem que o usou para traduzir os manuais da usina nuclear que o Brasil comprou da Alemanha. O Alberto comentou que elas nunca funcionaram porque tiveram o UFO como tradutor.)
No auge da ditadura surgiu por aqui um correspondente da revista Stern, jornalista jovem e abusado que provocava os militares e subia as favelas. O Alberto o batizou de “As-pregas-dóem-te?” – o som de “Sprechen Sie Deutsch?” (Você fala alemão?)
Nem JK escapou. Num discurso memorável durante uma grande feijoada no restaurante do terceiro andar do prédio do Russell, o ex-presidente - que tinha na Manchete um escritório especial colocado à sua disposição por Adolpho Bloch – falou a certa altura: “Bloch, tu tens a maior revista do Brasil, da América Latina, do mundo... quiçá da Galáxia!” No dia seguinte, quarta-feira, esperávamos nossos exemplares da Manchete que vinham de manhã cedo da gráfica para a redação. O Alberto entrou na sala e, com um olhar maroto, pespegou: “Já chegou a melhor da Galáxia?”
Chamava a todos afetuosamente por Professor de Astúcia. Os apelidos eram incontáveis. Entre os contínuos, havia o Sammy Davis Jr. – era até caolho como seu sósia – e o Tim Maia, com seus cabelões à moda do famoso cantor. O rapaz adotou o nome e, como Tim Lopes, se tornou um grande e heroico repórter. O fotógrafo Frederico Mendes – nosso Woody Allen de plantão – passou a ser O Encucadinho. Eu mesmo, como editor da revista e mergulhado em problemas de venda, gestão e jornalismo, passei a ser o Muggi das Crises (a cidade de Mogi das Cruzes, não lembro por que, estava em evidência na época). 
Alberto tinham uma sensibilidade especial para a música das palavras. Quando o Durval Ferreira, repórter de São Paulo, trouxe uma matéria sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, pontificava o nome do coronel Palimércio de Rezende. Meu filho estava para nascer e o Alberto perguntou: “Quando é que chega o Palimércio?” A partir daí, todo bebê da redação passou a ser Palimércio ou Palimércia.
O Adolpho vivia às turras com um funcionário dos orçamentos gráficos chamado Possidônio. Da noite para o dia, ele virou Pseudônimo. Ao mesmo tempo, as notas mais descontraídas e curtas da seção Leitura Dinâmica eram assinadas por pseudônimos, para evitar repetição de assinatura do mesmo redator. Lembro de alguns desses codinomes: Niko Bolontrim (Ney Bianchi), José Bálsamo (Cony), Jean-Paul Lagarride (Justino Martins), Acácio Varejão e, o mais curto de todos, Ed Sá (Ruy Castro). Um dia, um X-9 da publicidade dedurou ao Adolpho que pseudônimo não era jornalismo e o capo investiu com toda fúria na redação: “Quero que parem imediatamente com esses possidônios!...”
Adolpho dizia para o Alberto: “Você é inteligente, porra! Se tivesse diploma seria diretor da Manchete...” De meados dos anos 60 até o amargo fim da revista, em agosto de 2000, Alberto foi sempre a sombra (benfazeja) do diretor da Manchete, fosse quem fosse ele. (Eu fui o que mais tempo se sustentou no pau de sebo, para lá de vinte anos.) Ele sugeria títulos de matérias instantâneos e vencedores. Para uma reportagem científica sobre bebês que eram botados para nadar assim que saíam do ventre materno:
QUEM NÃO NADA, NÃO MAMA. No auge da fama do Rei da Canção e do Rei do Futebol, reunimos os dois numa capa. Desta vez, o título do Alberto não vingou, por ser politicamente incorretíssimo: O REI E O PERNA-DE-PAU. 
Alberto de Carvalho nasceu e se criou no Estácio, onde morou todos os seus 77 anos (menos um mês) bem vividos e admiravelmente bem humorados. Vamos sentir muita falta dele.  (RM)
PS - Ah, sim! O apelido do Alberto era Cocada. Eu nunca soube por que. . . Ruy Castro lembra outro apelido "albertiano" à dupla de guardadores de carro em frente ao Russell: Sacco e Vanzeti. 


2 comentários:

J.A.Barros disse...

Que beleza de amigo e de ser humano. Em todos os anos em que convivi com ele na rua do Russel, em todas as oportunidades em que trabalhamos lado a alado nunca ouvi de Alberto uma queixa da vida ou uma fofoca qualquer sobre alguém. No trabalho que exercia era uma maquina. Nos Carnavais virava as noites controlando e auxiliando o trabalho dos fotógrafos e identificando as Escolas de Samba na avenida Sapucaí porque quase ao amanhecer ia para a redação da Manchete separar as fotos coloridas de cada escola, de cada fotógrafo e prepara-las para serem exibidas na sala de projeção. Incansável só ia embora depois de todas as matérias serem paginadas e enviadas para a Gráfica. Naquela manhã dava o seu trabalho terminado e ia para casa dormir para começar tudo de novo ao anoitecer quando começasse o outro desfile das Escolas.
Conversar com Alberto era uma terapia. Contador de casos – e como sabia conta-los – você saia depois desses papos feliz com a vida. Alberto lhe proporcionava alguns momentos de relaxamento e descontração. Conhecer Alberto Carvalho para mim foi uma dádiva que a Manchete me deu.
Obrigado Alberto, por ter sido por mais de trinta seu amigo e admirador.

Nelio Horta disse...

Depois do texto maravilhoso do Mugg e do excelente comentário feito pelo Barros, sobre a trajetória do "gozador" Alberto que todos nós conhecemos na Bloch, só me resta dizer: "Descanse em paz companheiro, você merece".